O citomegalovírus (CMV) é a infecção viral congênita mais comum, que acomete 1 a cada 150 nascidos vivos, entretanto apenas 10% dos recém-nascidos (RNs) apresentam sintomas ao nascimento. As manifestações clínicas neonatais incluem restrição de crescimento intrauterino (CIUR), púrpura trombocitopênica, microcefalia, hepatoesplenomegalia e pneumonia.
As sequelas de longo prazo, afetam até 90% dos RNs com CMV neonatal sintomático e 5 a 15% dos assintomáticos, são principalmente perda auditiva, alterações neurológicas (como hidrocefalia e convulsões) e atraso no desenvolvimento.
A taxa de envolvimento ocular no CMV congênito varia de 5 a 30% dos RNs com doença sistêmica. Embora a retinite evoluindo para cicatriz da retina seja tipicamente ligada à CMV congênita e aos imunocomprometidos, outros achados oftalmológicos, no segmento anterior (catarata e córnea), anormalidades do nervo óptico (hipoplasia e atrofia), estrabismo e deficiência visual cortical também são encontradas nos casos de infecções intrauterinas. No entanto, não há consenso quanto ao momento ideal da triagem e a frequência de acompanhamento oftalmológico naqueles com CMV congênita.
Assim, uma avaliação retrospectiva de pacientes pediátricos (< 18 anos) com diagnóstico de CMV congênito, atendidos para avaliação oftalmológica no Ann & Robert H. Hospital Infantil Lurie de Chicago entre 2010 e 2023 foi realizada. O objetivo desse estudo foi determinar a frequência de achados sistêmicos e oculares, através de uma análise retrospectiva de crianças com histórico de CMV congênito que foram submetidas à avaliação oftalmológica por um período de 13 anos em uma única instituição de saúde.
Métodos
Os dados obtidos incluíram sexo, raça, etnia, idade gestacional ao nascer, idade no diagnóstico de CMV, diagnósticos oftalmológicos e sistêmicos e tratamento de CMV. Nos exames de avaliação inicial e final, foram realizados a melhor acuidade visual corrigida, avaliação de estrabismo, biomicroscopia anterior com lâmpada de fenda e mapeamento de retina.
Resultados
Dessa forma, 72 pacientes pediátricos com histórico de CMV congênita foram submetidos a pelo menos um exame oftalmológico inicial, idade média de 0,3 anos. Ademais, 52 (72%) apresentaram achados sistêmicos, sendo a perda auditiva a mais comum (50%), seguida por anormalidades neurológicas (39%) e atraso no desenvolvimento (38%).
As taxas de anormalidades cardiovasculares, CIUR e distúrbios sanguíneos foram inferiores a 10%. Houve maior número de pacientes tratados com antiviral dentre os com manifestações sistêmicas versus os assintomáticos.
Os RNs prematuros em comparação com aqueles nascidos a termo tiveram uma taxa maior de achados sistêmicos, incluindo anormalidades neurológicas, CIUR e atraso no desenvolvimento. Destaca-se que 2 pacientes (3%) com CMV congênito foram diagnosticados com cicatrizes de retinite prévia. Ambos os pacientes foram diagnosticados na primeira avaliação oftalmológica aos 64 e 470 dias, respectivamente, e apresentaram quadro sistêmico. Outros achados oftalmológicos, incluíram exotropia, nos 2, e atrofia do nervo óptico em apenas 1. O estrabismo foi a manifestação ocular mais comum (26%), seguida por anormalidades do nervo óptico (17%).
Vale frisar que 4 pacientes não tinham estrabismo no exame ocular inicial, mas apresentaram esotropia ou exotropia no exame final. Ao todo, 18 dos 19 pacientes com estrabismo (95%) também tiveram alterações neurológicas e/ou atraso no desenvolvimento. Nenhum paciente sem manifestações sistêmicas teve estrabismo, enquanto 19 dos 52 pacientes com manifestações sistêmicas (37%) tiveram.
Da mesma forma, nenhum paciente sem manifestações sistêmicas teve anormalidades do nervo óptico, enquanto 12 de 52 pacientes com manifestações sistêmicas (23%) apresentaram essas alterações. Patologias da retina que não sejam retinite, anormalidades do segmento anterior e deficiência visual cortical foram encontradas em 6% dos pacientes. Os nascidos prematuramente tiveram uma taxa maior de anormalidades do nervo óptico e estrabismo em comparação com os nascidos a termo.
Discussão
A infecção congênita/neonatal por CMV ocorre através da transmissão transplacentária na presença de vírus materno, exposição perinatal através de secreções vaginais ou infecção pós-natal do leite materno.
Achados sistêmicos associados à infecção congênita que são aparentes no nascimento incluem CIUR, microcefalia, heptoesplenomegalia, pneumonia e petéquias e podem levar à morte em 30% dos pacientes gravemente afetados. As sequelas de longo prazo incluem déficits neurológicos (por exemplo, convulsões, atraso no desenvolvimento), perda auditiva e deficiência visual.
Na consulta oftalmológica a investigação mais comum nos casos de CMV congênita é a triagem de retinite. No entanto, a incidência desse achado não é precisa, variando de 0 a 38%.
No presente estudo, foi encontrado uma taxa de 4% nos 52 pacientes com doença sistêmica por CMV, sendo todos diagnosticados no exame oftalmológico inicial. Não houve casos de retinite nos assintomáticos, no entanto, 43% dos pacientes avaliados tiveram apenas 1 exame oftalmológico documentado.
Nos casos de CMV congênito geralmente há outros achados oftalmológicos com taxas entre 5 e 30%, sendo o estrabismo a manifestação mais comum.
Anormalidades do nervo óptico, incluindo hipoplasia ou atrofia, também são comuns, variando de 7% a 23% dos pacientes sintomáticos, sendo resultado de um efeito direto do vírus no desenvolvimento cerebral e do nervo óptico ou secundário devido à compressão ou isquemia. Microcórnea, microftalmia e catarata congênita também foram achados em poucos pacientes.
Apesar da associação bem conhecida de achados oftalmológicos com CMV congênito, não há diretrizes padronizadas quanto ao momento e a frequência dos exames oftalmológicos nessa população de pacientes. Além disso, não está claro se os pacientes sintomáticos e assintomáticos devem ter os mesmos protocolos de triagem.
A Sociedade Europeia de Doenças Infecciosas Pediátricas (ESPID) publicou uma declaração de consenso de especialistas sobre o diagnóstico e manejo da CMV congênita em 2017. Houve consenso de que um exame oftalmológico inicial deveria ser realizado em todos os pacientes diagnosticados com CMV congênita.
No entanto, devido à limitação no conhecimento da evolução das manifestações oftalmológicas ao longo do tempo, a orientação para exames adicionais foi mais fraca. Eles recomendam para aqueles com manifestações sistêmicas ao nascimento, exames oftalmológicos anuais até os cinco anos de idade ou conforme orientação oftalmológica.
Além disso, os recém-nascidos com CMV sistêmico são geralmente tratados com um curso de seis semanas de Ganciclovir ou Valganciclovir. Sendo assim, como a maioria dos casos de retinite está associada ao envolvimento sistêmico, sua detecção durante o período neonatal não altera o tratamento antiviral já vigente.
Algumas características do estudo trazem limitações para a avaliação dos resultados, como quase a metade dos pacientes incluídos fez apenas uma avaliação oftalmológica e, portanto, as taxas dessas alterações podem ter sido subestimadas.
Mensagem prática
Concluímos que as infecções congênitas por CMV, especialmente quando há achados sistêmicos, estão associadas a alterações oftalmológicas em até um terço dos pacientes.
Embora a retinite seja a principal motivação à consulta oftalmológica, é importante ressaltar que outros achados oftalmológicos também podem estar presentes, como estrabismo, alterações do nervo óptico e do segmento anterior e deficiência visual cortical.
Como a exposição congênita ao CMV é muito prevalente, diretrizes de triagem oftalmológica são importantes para a padronização do acompanhamento desses recém-nascidos. Sendo assim, estudos prospectivos futuros são necessários.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.