A intoxicação investigada do século: plásticos tão, tão pequenos que a medicina só agora começa a enxergá-los — e eles já aparecem nas placas de ateroma. Um estudo multicêntrico publicado no New England Journal of Medicine mostrou que partículas de microplástico e nanoplástico foram detectadas em placas carotídeas removidas por endarterectomia, e que a presença dessas partículas esteve associada a um risco muito maior de eventos cardiovasculares graves nos anos seguintes. Essa pode ser uma pista que o que ingerimos pode literalmente ficar preso na parede arterial e estar relacionado a infarto, AVC e morte.
Risco de inflamação
Como partículas estranhas, os “microplásticos” parecem atuar como “focos inflamatórios”: foram encontradas correlações com marcadores inflamatórios aumentados nas placas, e hipóteses plausíveis incluem reação local tipo corpo estranho, ativação de vias inflamatórias e estresse oxidativo — mecanismos que já conhecemos como centrais na fisiopatologia da aterosclerose. Ainda que o trabalho mostre apenas associação (não prove a causalidade), o padrão é perturbador e realmente precisa ser estudado com mais cuidado.
A ponte entre observação humana e causalidade tem sido construída em modelos animais. Estudos em roedores expõem que microplásticos (poliestireno e outros polímeros) podem provocar disfunção endotelial, alterações lipídicas, inflamação vascular e alterações metabólicas — e há relatos experimentais de piora de parâmetros cardiovasculares após exposição prolongada. Esses achados em animais, reforçam a hipótese de que partículas ambientais possam acelerar doença vascular em humanos.
Temos que considerar que Doença renal crônica (DRC) coloca o organismo em um estado pró-inflamatório crônico e reduz a capacidade de eliminar algumas substâncias; além disso, há evidências de que microplásticos podem causar lesão renal por estresse oxidativo e inflamação em modelos experimentais. Assim, a combinação DRC + exposição a microplásticos cria uma plausível sinergia — um ambiente onde partículas se acumulam, inflamam e amplificam o risco cardiovascular já elevado nesses pacientes.
Alguns estudos animais, feitos na Unicamp, estão sendo feitos para investigar essa interação entre DRC e doença cardiovascular. Se confirmadas, as implicações clínicas seriam imensas: além de políticas públicas para reduzir a produção e exposição a plásticos, teríamos motivos para avaliar exposição ambiental como fator de risco modificável em pacientes com DRC e alto risco cardiovascular.
Conclusão
Talvez seja hora de pensarmos além dos fatores tradicionais de risco residual — glicemia, pressão, lipídios — e considerar possibilidades de “microinvasores” invisíveis que se alojam nas paredes arteriais? A resposta não é só científica; é política, ambiental e clínica. Enquanto a ciência tenta provar causalidade, clinicamente vale a advertência prudente: reduzir exposições desnecessárias, fortalecer vigilância em populações vulneráveis (como pessoas com DRC) e fomentar pesquisas no tema. A descoberta na NEJM não é o ponto final — é o sinal de partida para uma agenda de pesquisa e saúde pública que pode mudar como prevenimos doença cardiovascular nas próximas décadas.
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