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Reumatologia28 janeiro 2020

Anifrolumabe pode ser eficaz no lúpus eritematoso sistêmico?

O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune capaz de acometer qualquer sistema do corpo, e ainda existem necessidades não atendidas no tratamento.

Por Gustavo Balbi

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune capaz de acometer qualquer sistema do corpo humano. Apesar dos imunossupressores classicamente prescritos e dos recentes avanços terapêuticos, ainda existem necessidades não atendidas no tratamento desses pacientes.

Diversos estudos já documentaram que o uso crônico de corticoide por pacientes com LES se associa ao aumento do dano acumulado medido pelo Systemic Lupus Erythematosus International Collaborating Clinics Damage Index (SLICC-DI), o que se correlaciona positivamente com o aumento da letalidade (32 a 46% por ponto). Desse modo, é fundamental o desenvolvimento de terapias que auxiliem no desmame e na redução da dose cumulativa dos corticoides sistêmicos.

Sabe-se também que o interferon tipo 1 tem papel central na fisiopatologia do LES. Estudos realizados com análise por microarray do DNA de células mononucleares demonstraram que os pacientes com LES apresentam um aumento da expressão de genes induzíveis por interferon tipo 1 (assinatura de interferon). Assim, essa via tornou-se um potencial alvo terapêutico para o tratamento da doença.

O estudo que aqui será analisado tem como objetivo a avaliação do uso do anifrolumabe, um anticorpo monoclonal IgG1 kappa contra a subunidade 1 do receptor do interferon tipo 1, no tratamento de pacientes com LES.

Anifrolumabe no lúpus eritematoso sistêmico

Em ensaio clínico de fase 2 prévio, o anifrolumabe demonstrou eficácia em uma pequena população de pacientes com LES, com melhora em parâmetros clínicos, incluindo Systemic Lupus Erythematous Responder Index (SRI) e o British Isles Lupus Assessment Group (BILAG)-based Composite Lupus Assessment (BICLA). No entanto, em seu primeiro estudo de fase 3 (TULIP-1), cujo desfecho primário analisado foi o SRI4, o anifrolumabe falhou em demonstrar superioridade em relação ao placebo (terapia padrão).

Na análise de desfechos secundários do TULIP-1, foi encontrado que a resposta do BICLA foi numericamente superior no grupo do anifrolumabe. Dessa forma, o autores desenharam um novo estudo (TULIP-2) que utilizou esse desfecho como primário e será comentado a seguir.

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Metodologia

Para entender o perfil de pacientes envolvidos no trabalho, precisamos nos debruçar um pouco sobre os métodos, que são relativamente complexos (devido ao grande número de variáveis) e bem detalhados no texto do paper.

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, fase 3, controlado por placebo, realizado em 119 centros de 16 países, desenhado, conduzido e financiado pelo laboratório dono da patente da droga (AstraZeneca).

Os pacientes selecionados apresentavam idade entre 18 e 70 anos e preenchiam os critérios classificatórios para LES (ACR 1997). Para entrar no estudo, deveriam apresentar atividade de doenças moderada a alta, medida através do SLEDAI-2K, com ≥6 pontos (excluindo febre, cefaleia lúpica e doença orgânica cerebral), sendo que deveriam apresentar pelo menos 4 pontos nos domínios clínicos desse escore, e do BILAG, com atividade grave em pelo menos um órgão ou atividade moderada em pelo menos 2 órgãos (i.e., BILAG-2004 ≥1 itens A ou ≥2 itens B).

Durante o screening, os pacientes apresentavam FAN, anti-dsDNA ou anti-Sm positivo e estavam tomando doses estáveis de corticoides (pelo menos 12 semanas antes do trial), associados a antimalárico, azatioprina, mizoribine, micofenolato mofetil, ácido micofenólico ou metotrexato.

Os critérios de exclusão foram a presença de nefrite lúpica grave ou manifestações neuropsiquiátricas do LES.

Pacientes alocados para o grupo intervenção receberam 300 mg a cada 4 semanas, durante 48 semanas. Pacientes foram randomizados para o grupo placebo na proporção de 1:1. Essa randomização foi estratificada conforme o nível de atividade no SLEDAI-2K (<10 ou ≥10 pontos), uso basal de corticoide (<10 mg/dia ou ≥10 mg/dia de prednisona ou equivalente) e de acordo com a assinatura de interferon (alto ou baixo). O endpoint primário (diferença percentual de pacientes que atingiram a resposta BICLA) foi avaliado com 52 semanas. Os imunossupressores foram mantidos estáveis e a prednisona desmamada entre as semanas 8 e 40, com objetivo de chegaram a níveis de 7,5 mg/dia ou menos.

É muito importante ressaltar que, segundo os autores do artigo, essa mudança de endpoint da resposta SRI4 (TULIP-1) para a resposta BICLA (TULIP-2) ocorreu antes de que os dados fossem conhecidos (unblinding), mas após o término da coleta dos dados para o estudo de fase 3. Ainda argumentaram que ambos os índices compostos foram considerados para o desfecho primário, mas que inicialmente se optou pelo SRI4 por ter sido o índice utilizado nos estudos pivotais que levaram à aprovação do belimumabe.

Dentre os desfechos secundários, destacam-se: (1) resposta BICLA na semana 52 em pacientes com alta assinatura de interferon; (2) redução da dose de prednisona para ≤7,5 mg/dia, sustentada entre as semanas 40 e 52, entre os pacientes com doses iniciais ≥10 mg/dia; (3) redução ≥50% do CLASI (Cutaneous Lupus Erythematosus Disease Area and Severity Index) na semana 12, naquelas com CLASI inicial ≥10; (4) redução ≥50% da contagem de articulações dolorosas e de articulações edemaciadas, naqueles com 6 ou mais articulações dolorosas e/ou edemaciadas no baseline; e (5) taxa anual de reativações (≥1 novo BILAG-2004 item A ou ≥2 novo item B (comparados com a visita anterior). Eventos adversos também foram registrados.

Leia também: EULAR 2019: novidades na diretriz de manejo do lúpus eritematoso sistêmico

Resultados

Dos 649 pacientes que passaram pelo screening, 365 foram randomizados para receber anifrolumabe (N=181) ou placebo (N=184). Como 3 pacientes não receberam intervenção, a análise por intenção-de-tratar modificada incluiu 180 pacientes com anifrolumabe e 182 com placebo. Cerca de 85% do grupo anifrolumabe e cerca de 71% do grupo completaram o estudo.

A média de idade foi semelhante e em torno de 40 anos nos dois grupos. Cerca de 60% dos pacientes eram brancos. Os pacientes randomizados apresentavam longo tempo de doença, com mediana de 78 meses no grupo placebo e 94 meses no grupo anifrolumabe. Com relação ao uso de corticoide, 80,7% estavam em uso de corticoide, sendo que 47% estavam com 10 mg ou mais de prednisona ou equivalente; além disso, 48,1% dos pacientes estavam em uso de imunossupressores no baseline. O SLEDAI-2K médio era superior a 11, indicando alta atividade de doença em boa parte dos pacientes, e a assinatura de interferon era alta em 83% em ambos os grupos.

A resposta BICLA na semana 52 foi alcançada por 47,8% no braço do anifrolumabe e 31,5% no braço do placebo (p=0,001; NNT=6,13).

Adicionalmente, o anifrolumabe foi superior ao placebo em 3 dos 5 desfechos secundários analisados (resposta BICLA em 52 semanas com alta assinatura interferon, redução da dose de corticoide e redução ≥50% do CLASI). Houve também um aumento no tempo até reativação no grupo anifrolumabe, porém sem significância estatística (p=0,08).

Em pacientes com alta assinatura de interferon, este parâmetro foi suprimido rapidamente com o início do tratamento. No entanto, a classificação do paciente com alta ou baixa assinatura interferon não parece ter influenciado nos desfechos clínicos.

Com relação aos desfechos de segurança, 88,3% dos pacientes do grupo do anifrolumabe e 84,1% dos pacientes do grupo placebo apresentaram efeitos colaterais, sendo que 8,3% no anifrolumabe e 17% no placebo foram eventos graves. Herpes-zóster, uma preocupação inicial do estudo, foi mais frequente nos pacientes com anifrolumabe (7,2% vs. 1,1%), acometeu exclusivamente a pele (poucos casos multidermatoméricos) e resolveu sem a suspensão das intervenções. Ocorreram 6 reativações graves do LES no grupo placebo e 1 no grupo anifrolumabe. Foram relatados 2 casos de reação de hipersensibilidade no grupo anifrolumabe e 1 caso no grupo placebo.

Mais do autor: Quais benefícios do rituximabe no tratamento do lúpus eritematoso sistêmico?

Comentários

Como descrito acima, o anifrolumabe atingiu o desfecho primário proposto (resposta BICLA) e 3 dos 5 desfechos secundários chave, com redução da dose de corticoide e melhora cutânea. No entanto, devemos nos atentar para algumas limitações desse estudo antes de tomar seus resultados como inequívocos.

Primeiro ponto que vale ser comentado é que, apesar de os pacientes terem sido classificados como atividade moderada a grave através dos escores, os pacientes com nefrite lúpica grave e/ou com manifestações neuropsiquiátricas foram excluídos desse trial. Isso limita a generalização dos resultados, uma vez que uma parcela significativa dos pacientes com LES apresentam alguma dessas manifestações.

Outro ponto significativo é que não foi avaliada a proporção de pacientes que atingiram remissão ou baixa atividade de doença, metas terapêuticas propostas atualmente.

Além disso, o trial avaliou os pacientes durante apenas 52 semanas (1 ano). Desse modo, não podemos inferir que o anifrolumabe seja de manter resposta BICLA sustentada, uma vez que não há tempo de seguimento adequado.

Houve uma perda relativamente grande dos pacientes durante o seguimento. No grupo anifrolumabe chegou a 15%, enquanto que no placebo foi de 29%.

Apesar de ter havido uma morte por pneumonia no grupo do anifrolumabe, não podemos imputar esse evento exclusivamente ao uso da medicação, visto que pacientes com LES já apresentam imunossupressão pela própria doença e pelas outras medicações imunossupressoras em uso prévio (incluindo corticoide).

Vale destacar que os pacientes com anifrolumabe apresentaram um número maior de reativações do herpes-zóster, o que foi condizente com estudos prévios.

Assim, os autores concluíram que o anifrolumabe foi superior ao placebo para se atingir a resposta BICLA, bem como na redução da dose de corticoide e da gravidade dos escores de avaliação cutânea.

Referência bibliográfica:

  • Morand EF, et al. Trial of Anifrolumab in Active Systemic Lupus Erythematosus. The New England Journal of Medicine. December 18, 2019. Doi: 10.1056/NEJMoa1912196.
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