A violência, em suas muitas faces, é recorrente nas instituições de saúde. Definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir do trabalho de Krug e colaboradores, publicado em 2002, a violência pode ser entendida como “o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.
A OMS ainda aplica três tipologias para os atos de violência: coletiva, autoinflingida e interpessoal, podendo ser comunitária ou familiar. Minayo, em 2006, ainda acrescentou mais um grupo determinando à violência estrutural: quando os processos sociais, políticos e econômicos geram e mantêm a violência. O trabalho taxonômico de Krug e colaboradores atribui na área da saúde quatro modalidades de expressão da violência sendo elas a violência física, psicológica, sexual e a negligência ou privação de cuidados.
O ponto de destaque é que podemos praticar atos de violência durante nossa prática. A relação de cuidado na saúde é atravessada por uma lógica de relação de poder. A violência na área da saúde ocorre, então, quando essa potencialidade, que carrega em si também a potência terapêutica, é utilizada intencionalmente de forma que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Caminhos de mudança
Uma das ferramentas mais contundentes contra essa violência é a humanização na saúde, que consiste em dar voz aos sujeitos do cenário do cuidado em saúde, sejam eles receptores ou provedores desse cuidado. Empiricamente uma maneira de se entender essa dialética é perceber violência como o uso intencional de alguma forma de poder para constranger enquanto humanizar é o uso intencional desse poder para se centrar ou perceber o outro.
Humanização pode ser entendida como o processo de promoção do protagonismo dos sujeitos de cuidado em saúde, sendo alvo de uma política pública instituída pela lei n. 8080 de 1990.
No cenário do cuidado é necessário que cada ator conheça suas potências e fragilidades, seus direitos e deveres. O tema da violência na área da saúde é tão somente uma reprodução de um problema estrutural contemporâneo num setor social específico em que os mesmos grupos vulnerabilizados são objetos de atos violentos pelos mesmos grupos com validação social para dominar dentro e fora desse setor. A grande diferença é que neste recorte social, o setor saúde, identificar problemas e propor soluções, ou minimamente buscá-las, é parte essencial do fazer profissional.
Desde a graduação entender a Política Nacional de Humanização como constitutiva do SUS e desenvolver competências humanísticas nos profissionais de saúde é o caminho macropolítico para mitigar essa questão. Por outro lado, no campo micropolítico, profissionais e clientes serem apresentados a esses conceitos e conhecerem como isso remodela suas fronteiras relacionais é outra direção modificadora do nosso cenário atual.
Mensagem Prática
- A violência de gênero na área da saúde reproduz os mesmos recortes e padrões de violência da sociedade em geral
- Atos de violência que não são percebidos como experiências desagradáveis normalizam e autorizam atos de violência que culminarão em experiências desagradáveis
- Informação acessível e de qualidade é uma ferramenta lida como potente e transformadora por todos os atores participantes do cenário de cuidado em saúde
- Debater o tema e introduzir conceitos associados a ele tem potencial de despertar autoconsciência e mudar padrões de comportamento lesivo nos serviços de saúde
- Praticar a política nacional de humanização é uma via de mudança estrutural para o paradigma da violência na área da saúde
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