Os transtornos por uso de substâncias (TUS) são, atualmente, um importante e emergente desafio para os sistemas de saúde no mundo, estando associados a altos índices de morbimortalidade. No Brasil, observa-se uma carga significativa dessas condições, o que impacta diretamente a demanda por serviços hospitalares e os custos do sistema de saúde. Diversos fatores contribuem para o desenvolvimento e agravamento dos TUS, entre eles, a vulnerabilidade socioeconômica. Nesse contexto, programas de transferência de renda condicionada têm sido apontados como possíveis intervenções para mitigar esses impactos. O estudo publicado na revista The Lancet Global Health em março de 2025 investigou a associação entre o Programa Bolsa Família (PBF) e a redução de hospitalizações por esse tipo de transtorno no Brasil.
O estudo utilizou um delineamento quase-experimental, analisando dados da Coorte Brasileira dos 100 Milhões, vinculados a registros administrativos hospitalares nacionais e registros de pagamentos do PBF entre 2008 e 2015. Para avaliar a associação entre o recebimento do benefício e as hospitalizações por TUS, os pesquisadores aplicaram modelos de regressão de Poisson ajustados, com ponderação por probabilidade inversa do tratamento. A análise incluiu 35.926.326 indivíduos registrados na coorte, considerando como desfecho primário a hospitalização por TUS (definida pelos códigos F10 a F19 da CID-10), subdividida em hospitalizações por transtornos relacionados ao álcool e por outras substâncias.
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Resultados
Os achados indicaram que os beneficiários do PBF apresentaram um risco significativamente menor de hospitalização por TUS em comparação aos não beneficiários (RR=0,83; IC 95% 0,81-0,85). A análise estratificada revelou que a proteção conferida pelo programa foi mais pronunciada para hospitalizações relacionadas ao álcool (RR=0,74; IC 95% 0,71-0,77) do que para outras substâncias (RR=0,89; IC 95% 0,86-0,92). Além disso, a redução do risco de hospitalização foi mais evidente entre beneficiários residentes de municípios mais pobres (RR=0,59; IC 95% 0,49-0,71), sugerindo um efeito protetor mais forte em contextos de maior vulnerabilidade.
A redução da hospitalização pode ser explicada por diversos mecanismos, incluindo o aumento do acesso a serviços de saúde, a redução do estresse financeiro e a melhoria das condições de vida. Estudos anteriores também indicaram que intervenções que melhoram o status socioeconômico podem reduzir o risco de TUS e de suas complicações.
Mensagem Prática
A capacidade de redução das hospitalizações por TUS pelo recebimento do PBF tem implicações importantes. Destaca-se, em primeiro lugar, a relevância de programas de transferência de renda como estratégias efetivas também para a saúde pública, indo além do combate à pobreza e contribuindo diretamente para a redução de doenças mentais e distúrbios relacionados ao uso de substâncias. Além disso, a diminuição das hospitalizações pode representar uma redução dos custos para o sistema de saúde, permitindo um melhor direcionamento de recursos, inclusive para atividades de prevenção e de tratamento em níveis de menor complexidade tecnológica.
Esses achados reforçam a necessidade de considerar abordagens intersetoriais na formulação de políticas públicas voltadas à saúde mental e ao uso de substâncias. Explorar os mecanismos específicos pelos quais a transferência de renda impacta a saúde mental e investigar a reprodutibilidade desses resultados em diferentes contextos sociopolíticos e econômicos podem ser objetos pertinentes de estudos futuros nesse sentido.
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