Ecomapa como instrumento na atenção primária à saúde
O ecomapa, assim como o genograma, é um instrumento de abordagem familiar que possui o objetivo de avaliar a anatomia da família. Nesse artigo, vamos abordar seu uso como instrumento na atenção primária.
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O ecomapa, assim como o genograma, é um instrumento de abordagem familiar que possui o objetivo de avaliar a anatomia da família. Criado por terapeutas familiares¹, ele é utilizado para abordagem tanto do indivíduo como da família, de maneira a tentar identificar sua rede de apoio social e familiar. É um diagrama das relações entre a família e a comunidade, que desenha o sistema ecológico onde a família ou indivíduo está incluído, identificando seus padrões de organização e a natureza das suas relações com o meio onde habita, expondo o balanço entre seus recursos e necessidades².
A utilização do ecomapa tem o potencial de representar a presença ou ausência de recursos sociais, econômicos e culturais. É um retrato do momento da vida do paciente, ou seja, sua constituição é dinâmica¹.
O ecomapa tem sido utilizado por diversas categorias profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais¹ e configura-se como uma opção valiosa para o clínico, por possibilitar uma visão mais ampla sobre a estrutura e a dinâmica da família, de maneira a guiar intervenções e condutas, baseadas nos desequilíbrios identificados³.
O presente estudo tem o objetivo de contribuir para facilitar a utilização desse instrumento pelo clínico, principalmente pelo médico de família, através do detalhamento do método de construção do ecomapa, bem como da identificação de experiências na literatura que demonstrem como ele tem sido utilizado como instrumento clínico no âmbito da atenção primária à saúde (APS).
A construção do ecomapa
Para a elaboração do ecomapa, o material necessário é apenas papel e caneta, o que torna fácil sua construção. O tempo necessário até sua conclusão é de cerca de 15 a 20 minutos. Pode-se realiza-lo em mais de uma consulta se necessário, com um ou mais membros da família4.
É importante lembrar que como a estrutura familiar e social é dinâmica, deve-se sempre avaliar a construção de um novo ecomapa, de forma a atualizá-lo².
Quanto à sua estrutura, o ecomapa muitas vezes é construído colocando-se o genograma da família dentro de um círculo, ao centro. Contudo, o genograma da família pode ser substituído também simplesmente pelo nome da família ou por um indivíduo, quando o interesse é identificar a rede de apoio individual. Esse círculo irá delimitar o meio intra do extra-familiar, como na figura 1, a seguir.
Ao redor desse círculo, então, desenham-se outros pequenos círculos, cada um representando um recurso social, cultural ou familiar, como, por exemplo, igrejas, unidades de saúde, amigos, trabalho etc, demonstrado na figura 2, a seguir.
Para representar as relações entre a família, seus membros e os recursos identificados nos mapas, traçam-se linhas que ligam cada círculo, podendo elas unirem os recursos ao grande círculo onde a família está incluída – mostrando sua importância para a família como um todo – ou a um membro específico.
As linhas que representam as relações podem ser desenhadas de diversas maneiras a fim de simbolizar as suas diferentes naturezas (relações próximas com linhas contínuas, muito próximas com linhas duplas contínuas, distantes com tracejado, conflituosas com linhas tortuosas, etc), porém sua representação varia conforme a bibliografia, ficando a cargo do autor escolher a que melhor convém ao caso. A figura 3 demonstra um exemplo a seguir.
Também muito comum em ecomapas, as setas que indicam o fluxo de energia também podem ser traçadas. Elas identificam se o indivíduo gasta energia com relação a algum elemento da rede social, se eles se beneficiam dessa relação ou se o fluxo ocorre nas duas direções², conforme exemplo na figura 4, a seguir.
As áreas importantes da rede social a serem incluídas no ecomapa são, principalmente: trabalho; amigos; grupos recreativos; unidade de saúde; igreja; escola; família alargada; animais de estimação etc³.
A análise do desenho do ecomapa, em conjunto com o paciente ou família, permite tecer hipóteses, avaliar situações desfavoráveis, potencialidades, fragilidades, graus de investimento em recursos e seus possíveis retornos e benefícios, etc.
Revisão da literatura
A PEBMED preparou uma revisão da literatura sobre o tema. Foram realizadas buscas nas bases de dados SciELO, LILACS e Dynamed com a palavra-chave “ecomapa”, de estudos realizados no Brasil, excluindo-se os artigos cujas pesquisas ocorreram em âmbitos que não o da a atenção primária à saúde. O objetivo da busca foi identificar experiências com a utilização do ecomapa dentro do cenário da APS.
Um dos exemplos de utilização do ecomapa foi no acompanhamento de crianças com deficiência, onde identificou-se que ele auxiliou a criação de espaços de partilha entre as mães dessas crianças e os entrevistadores, que possibilitaram a ampliação e a celebração do conceito de família e de sua função como recurso a seus membros5. Ou seja, a criação de vínculo é fortalecida pela construção em conjunto do ecomapa e do genograma, que também foi realizado no estudo.
Situações de doenças crônicas na infância e juventude (doença renal e câncer, respectivamente) também foram abordadas trazendo o ecomapa com instrumento de apoio. O estudo teve resultados interessantes, na medida em que diferenciou a rede de apoio (hospitais e unidades de saúde) da rede de sustentação (família e pessoas mais próximas) e demonstrou importantes diferenças entre o modo de atuação mais afetivo e continuada deste, em contraste com o mais pontual e desvinculado daquele. Evidenciou-se a importância do ecomapa para a identificação da rede na qual a família sustenta a organização de seu cuidado6. Nesse sentido, essas informações conseguidas através do ecomapa podem contribuir até mesmo para mudanças no próprio sistema de saúde local, de forma a tentar melhorar esse cenário.
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O câncer na infância também foi o enfoque de outro estudo que utilizou a construção do ecomapa, onde se concluiu que ele proporciona um maior envolvimento da criança, facilitando a relação entre ela e o profissional, além de revelar as percepções da criança sobre as relações da família7. Mais uma vez, percebe-se o fortalecimento do vínculo que o ecomapa pode causar na relação médico-paciente.
A aplicação do ecomapa também mostrou-se positiva em estudo que analisou as dinâmicas sociais de jovens vítimas de violência, onde concluiu-se que as informações do instrumento, em conjunto com as do genograma, possibilitaram uma aproximação-compreensão das redes de relações vividas por esses jovens. Isso permite a construção do plano terapêutico que leva em consideração essas informações, com intenção de ser mais eficaz no acompanhamento e tratamento8.
Como instrumento de aprendizagem para alunos também foi analisada e trouxe resultados positivos, no sentido em que parece ter sido peça fundamental para dar a eles uma compreensão mais abrangente das relações familiares e suas implicações, bem como uma visão sobre os recursos da comunidade que estão disponíveis e que podem servir de suporte ao paciente, auxiliando no seu tratamento9.
Conclusão
A utilização do ecomapa para acompanhamento de indivíduos e famílias permite não só uma visão ampliada de sua rede social, mas fornece informações sobre problemas nessas relações e nas características individuais e familiares que, após “diagnosticadas”, podem sofrer intervenções. Permite não só ao profissional a identificação de desequilíbrios na rede, como também ao paciente, que consegue ver, de fora, o panorama de suas relações e de sua rede de apoio. Mostra a importância que o contexto social e o ambiente exercem sobre o indivíduo, informações essas que muitas vezes passam desapercebidas durante uma anamnese tradicional ou um exame físico. É também papel do médico da APS conhecer a rede de apoio do paciente e de sua família e atuar em cima dela.
Fica evidente também o papel que a construção em conjunto do ecomapa traz para o fortalecimento do vínculo entre o profissional e o paciente. O compartilhamento de questões pessoais pelo paciente, a ajuda que o profissional oferece para a elaboração de um mapa personalizado de sua vida e o fato de esse mapa ser dinâmico e contar com uma relação longitudinal para sua reconstrução contínua são aspectos que contribuem para isso.
Portanto, mais que um instrumento de abordagem familiar, o ecomapa contribui para formulação de hipóteses diagnósticas e para a tomada de decisões terapêuticas, sendo uma importante ferramenta para a eficácia do clínico, do médico de família e para a saúde de seus pacientes.
*Esse artigo foi escrito pelo médico Renato Bergallo e Ana Carolina Teixeira Maia do Nascimento.
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Referências:
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