Logotipo Afya
Anúncio
Medicina de Família4 novembro 2025

Cuidar da saúde do homem se resume a prevenir o câncer de próstata?

O Novembro Azul vai além da prevenção do câncer de próstata: é um convite a repensar a saúde integral e o cuidado com os homens na sociedade.
Por Renato Bergallo

Já há alguns anos, o chamado “Novembro Azul” traz consigo a mensagem de uma importante mobilização: a prevenção do câncer de próstata. No entanto, se o foco é a saúde dos homens, reduzir essa campanha a apenas esse rastreamento é perder a oportunidade de atuar em problemas tão ou mais importantes para a saúde masculina. Em especial na Atenção Primária à Saúde (APS), uma perspectiva integral de cuidado à saúde se faz necessária. Mais do que uma data de conscientização sobre uma doença específica, o Novembro Azul deve ser um convite a repensar o modo como se compreende o homem – seu corpo, sua mente, suas relações e sua presença (ou ausência) nos serviços de saúde. 

Nesse sentido, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), instituída em 2009, foi pioneira na América Latina em estabelecer diretrizes específicas direcionadas ao cuidado do homem. Entre as proposições que abordam para além das patologias “biológicas” está o reconhecimento dos impactos que concepções de masculinidade exercem na saúde dos homens. Os modos de “ser homem” e os valores atrelados a eles não apenas afetam comportamentos, mas também padrões de adoecimento e de mortalidade. 

Homens vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres; morrem mais precocemente por doenças cardiovasculares, respiratórias e causas externas; e apresentam menor adesão às medidas preventivas e de autocuidado. Esses dados, que se repetem há décadas, evidenciam que a questão não é apenas biológica – é cultural, social e política. 

Um desafio determinante nesse enfrentamento é o de perceber que a masculinidade ainda é frequentemente associada à invulnerabilidade, à força e ao controle – valores que, ao mesmo tempo que produzem “status social”, produzem sofrimento psíquico, comportamentos de risco e distanciamento dos serviços de saúde. A violência – interpessoal e autoprovocada -, a resistência em procurar atendimento e a banalização da dor e a negligência do autocuidado não nascem do acaso. Elas são heranças de uma masculinidade que enxerga o cuidado como fraqueza. Essa construção simbólica, transmitida de geração em geração, explica por que tantos homens ainda chegam tardiamente aos serviços de atenção primária, muitas vezes em condições graves de doenças que poderiam ser evitadas. 

Assim, o Novembro Azul precisa ser mais que um mês focado na próstata: ele deve ser compreendido como uma porta de entrada simbólica para homens tratarem da própria saúde, inclusive através do debate sobre masculinidade e os determinantes sociais de saúde que os afetam.  

Nesse sentido, a PNAISH propõe cinco eixos estratégicos: acesso e acolhimento, saúde sexual e reprodutiva, paternidade e cuidado, doenças prevalentes e prevenção de violências e acidentes. Cada um deles reflete dimensões frequentemente negligenciadas da experiência de saúde masculina – desde a importância de o homem se reconhecer como indivíduo que merece e deve ser cuidado até a necessidade de romper com a naturalização da violência e do risco. 

Repensar a saúde do homem exige também reorientar a prática clínica. As equipes da Atenção Primária à Saúde precisam abandonar o modelo curativista e criar estratégias de aproximação efetiva: ampliar horários para atendimento de trabalhadores, promover ações em territórios onde os homens estão (como locais de trabalho, praças e campos de futebol), investir em grupos reflexivos sobre masculinidades e paternidade e transformar a unidade básica em um espaço de pertencimento também masculino. O pré-natal do parceiro, por exemplo, tem se mostrado uma potente estratégia de inserção: ao acompanhar a gestação, o homem se aproxima dos serviços, se informa, cuida e se reconhece como parte ativa do processo de saúde de sua família. 

Desse modo, a revisão dos estereótipos institucionais é essencial. Historicamente, os serviços de saúde foram concebidos como espaços “femininos”, voltados ao binômio materno-infantil. Essa configuração reforçou a percepção de que “posto de saúde não é lugar de homem”, afastando o público masculino e limitando oportunidades de prevenção.  

Portanto, ao invés de se perguntar apenas sobre o rastreamento do câncer de próstata, ou de oferecer atendimento apenas àqueles com indicação de investigação dessa doença, o Novembro Azul deve ser também uma oportunidade para oportunizar demandas de homens por atendimento, absorvendo o paciente para ser acompanhado na unidade e abordando questões igualmente importantes como tabagismo, hipertensão, diabetes, uso de álcool e saúde mental. É necessário refletir sobre o porquê de os homens continuarem morrendo mais cedo, adoecendo mais e buscando menos cuidado. O problema não está apenas nos indicadores epidemiológicos, mas nas concepções sociais que os sustentam.  

Falar de saúde do homem é, portanto, falar de trabalho, violência, paternidade, vínculos afetivos, saúde mental e direitos sexuais e reprodutivos. É devolver humanidade a um debate que, por anos, reduziu-se a exames, para garantir o direito de todo homem viver com saúde, dignidade e cuidado. 

Autoria

Foto de Renato Bergallo

Renato Bergallo

Editor-chefe de Medicina de Família e Comunidade do Whitebook ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Residência em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Administração em Saúde (UERJ) ⦁ Mestre em Saúde da Família (UFF) ⦁ Doutorando em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) ⦁ Direto Médico na Conviver Health ⦁ Professor do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da UERJ

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Medicina de Família