O Novembro Azul é uma campanha de convite à reflexão sobre a saúde masculina, normalmente chamando atenção principalmente para o diagnóstico precoce do câncer de próstata. No entanto, a campanha também abre espaço para olhares mais abrangentes sobre o cuidado integral do homem ao longo do ciclo de vida. Nesse sentido, o “pré-natal do parceiro” surge como uma estratégia inovadora e baseada em evidências, capaz de reconfigurar o modo como os homens se relacionam com a própria saúde, com sua família e com o sistema de saúde.
O envolvimento dos homens na gestação é um tema que, há algumas décadas, vem ganhando espaço nas políticas públicas de saúde. No Brasil, essa discussão se consolidou com a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), em 2009, e, posteriormente, com a instituição da Estratégia Pré-Natal do Parceiro (EPNP), formalizada pelo Ministério da Saúde em 2016 e atualizada em sua edição mais recente de 2025. A EPNP propõe uma ampliação do olhar sobre o ciclo gravídico-puerperal, incorporando o homem como sujeito de cuidado e parceiro ativo no processo de gestação, parto e puerpério – uma mudança que reflete tanto avanços científicos quanto transformações socioculturais na compreensão das masculinidades, da paternidade e da saúde familiar.
Estudos nacionais e internacionais indicam que a presença e o engajamento paterno durante a gestação associam-se a melhores desfechos perinatais – como menor risco de baixo peso ao nascer e de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor – e à redução de sintomas de depressão pós-parto materna. Estudos também indicam associação desse envolvimento do parceiro com maior adesão às consultas de pré-natal pela mulher, redução da transmissão vertical de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e menor incidência de violência doméstica.
Além disso, a adesão masculina ao pré-natal permite rastrear condições prevalentes e silenciosas nos próprios homens, como infecções sexualmente transmissíveis, hipertensão arterial e dislipidemias, promovendo uma inserção precoce desses pacientes em linhas de cuidado longitudinal. O pré-natal do parceiro cria uma “porta de entrada positiva” para o cuidado integral, favorecendo a prevenção e o diagnóstico precoce de agravos. Dessa forma, permite às equipes de saúde captar e acompanhar um público frequentemente invisibilizado nas rotinas assistenciais – homens jovens, trabalhadores informais, pais adolescentes e indivíduos em contextos de vulnerabilidade social.
Integrando a PNAISH, a Estratégia Pré-Natal do Parceiro visa também trabalhar na transformação do paradigma tradicional que restringe o papel masculino ao de provedor econômico, propondo reforçar um modelo de masculinidade voltado para o cuidado, o diálogo e a corresponsabilidade.
A metodologia preconizada pelo Ministério da Saúde baseia-se em consultas individuais ao parceiro, com enfoque preventivo, educativo e clínico. São recomendadas pelo menos duas consultas, com escuta qualificada, anamnese completa, exame físico e oferta de testes rápidos (sífilis, HIV, hepatites virais), além da atualização vacinal e solicitação de exames laboratoriais de rotina, quando indicados. A primeira consulta deve privilegiar o acolhimento, o vínculo e a avaliação global da saúde do homem; a segunda, o retorno com os resultados, orientações e plano de cuidado. Esse processo permite não apenas identificar agravos, mas também criar oportunidades de aconselhamento, de educação e de promoção em saúde – elementos centrais da APS.
O Guia do Pré-Natal do Parceiro também aborda a diversidade das paternidades, reconhecendo múltiplas configurações familiares e identidades de gênero, incluindo pais biológicos, adotivos, socioafetivos e homens transgêneros. Essa abordagem amplia o conceito de paternidade, articulando-o com os princípios de equidade e integralidade do SUS. O documento destaca, ainda, a importância de considerar marcadores sociais como raça, território e deficiência, com atenção especial às paternidades negras e indígenas, historicamente afetadas por processos de exclusão social.
Portanto, a inclusão do homem na assistência pré-natal pode ser considerada uma intervenção de saúde pública com efeitos positivos multidimensionais: amplia o acesso masculino à APS, fortalece vínculos familiares, reduz agravos evitáveis e contribui para a promoção da equidade de gênero. O pré-natal do parceiro pode ressignificar o exercício da paternidade, fortalecendo o cuidado compartilhado e reafirmando o compromisso do SUS com a promoção da saúde masculina em sua complexidade biopsicossocial.
Autoria

Renato Bergallo
Editor-chefe de Medicina de Família e Comunidade do Whitebook ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Residência em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Administração em Saúde (UERJ) ⦁ Mestre em Saúde da Família (UFF) ⦁ Doutorando em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) ⦁ Direto Médico na Conviver Health ⦁ Professor do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da UERJ
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