Logotipo Afya
Anúncio
Medicina de Família9 junho 2025

CBMFC 2025: Ferramentas práticas para abordagem psicoafetiva pelo MFC

Oficina no CBMFC 2025 apresenta ferramentas psicoafetivas que ampliam a clínica da MFC, integrando vínculos, histórias de vida e emoções ao cuidado em saúde.
Por Renato Bergallo

Na oficina “Ferramentas psicoafetivas para ampliar a capacidade resolutiva da MFC”, realizada no terceiro dia do CBMFC 2025, foi dada ênfase para três recursos clínicos que, embora simples em densidade tecnológica, possuem grande potência transformadora: o Círculo Familiar de Thrower, o Iceberg e a Linha da Vida. 

Conectadas pela lógica do paradigma sistêmico, essas ferramentas possibilitam que o profissional de saúde vá além dos sintomas biológicos para alcançar os territórios mais complexos onde adoecimento e vida se entrelaçam: relações familiares, emoções, memórias marcantes, traumas e processos de resiliência. 

Abordagem psicoafetiva

Círculo Familiar de Thrower

Um importante entendimento da Medicina de Família e Comunidade é o de que geralmente ninguém adoece sozinho – e nem se cura sozinho. O Círculo Familiar de Thrower é uma ferramenta gráfica e narrativa que permite visualizar, através do desenho da própria pessoa, a sua rede de vínculos afetivos, classificando-os conforme a proximidade e a importância que possuem para ela. 

Desenhado com dois círculos concêntricos, o esquema parte da posição da pessoa como o círculo no centro. Ela é convidada a distribuir os nomes de familiares, amigos ou cuidadores com círculos nomeados ao redor. Em geral, é orientado inicialmente ao paciente de que quanto maior é o círculo, maior é a importância da pessoa para ela.  

E de que quanto mais próximo o círculo da pessoa está do círculo dela, ao centro, mas próximos os dois são. É muito importante ressaltar que a interpretação do esquema quem deve dar é o paciente, não o médico; ou seja, deve-se pedir à pessoa para explicar o porquê de ter desenhado os círculos da maneira que desenhou. Nesse sentido, a prática gráfica em si e a reflexão pelo paciente são mais importantes do que seguir instruções específicas. 

Esse mapeamento simples ajuda a trazer à tona aspectos relevantes da rede de suporte do paciente, muitas vezes “invisíveis” em discursos usuais de consulta. Casos de sobrecarga de cuidadoras, ausência de figuras parentais ou ambivalência em vínculos conjugais se revelam de maneira clara e palpável. É comum que surjam insights de relações causais com doenças e de possibilidades de estratégias terapêuticas. 

Iceberg: o que está debaixo da superfície 

Se o Círculo Familiar permite mapear o entorno afetivo, o Iceberg ajuda a mergulhar no mundo interno da pessoa adoecida. Inspirada por abordagens da psicologia e da terapia familiar, essa ferramenta convida o clínico a refletir – e perguntar – sobre os elementos submersos que sustentam os sintomas que se apresentam inicialmente na consulta – na superfície. 

Na metáfora do iceberg, apenas 10% da massa é visível acima da água. O que aparece na consulta – insônia, dor crônica, compulsão alimentar, crise hipertensiva – é apenas a parte visível de uma estrutura muito mais profunda, onde habitam emoções não verbalizadas; narrativas internas negativas (autoimagem, autoestima, culpa familiar); eventos de vida impactantes (perdas, traumas, rompimentos); conflitos não elaborados (familiares, profissionais, existenciais) etc. 

Essa ampliação do olhar para abaixo da superfície é determinante para evitar medicalizações desnecessárias e identificar estratégias terapêuticas mais efetivas, resolutivas e humanas. 

Ao trabalhar com o Iceberg, o profissional desenvolve uma postura de curiosidade clínica empática, e não apenas de busca por respostas diagnósticas. Perguntas como “o que isso representou pra você?”, “como isso afetou sua vida?” ou “quem esteve ao seu lado nesse momento?” transformam a consulta em espaço de elaboração e cuidado. 

Linha da Vida: do sintoma à história da pessoa 

Mais uma ferramenta apresentada na oficina foi a Linha da Vida, um recurso gráfico que permite organizar, junto com o paciente, os eventos significativos da sua trajetória — tanto aqueles que marcaram sofrimento quanto os que revelam superação. 

Desenhada de forma cronológica, como se fosse uma “linha do tempo”, a linha da vida percorre a infância, adolescência, vida adulta e envelhecimento, destacando: 

  • Nascimentos, mortes, separações; 
  • Mudanças de cidade, de trabalho, de papel familiar; 
  • Acontecimentos simbólicos (doenças, perdas, conquistas); 
  • Relações marcantes (de apoio ou conflito). 

Mais do que um exercício de memória, trata-se de uma narrativa biográfica construída a quatro mãos, em que a pessoa vai reconhecendo os momentos em que se sentiu frágil, mas também os momentos em que foi forte. Essa ferramenta ajuda a conectar as diferentes fases e momentos da vida, entendendo o sintoma de hoje como parte de um processo mais amplo e não como um evento isolado. Além disso, ajuda a reconhecer e relembrar recursos de resiliência que foram utilizados no passado e que podem ajudar a lidar com problemas no presente. 

Aplicando e atuando com o paradigma sistêmico 

Em comum, as três ferramentas exploradas compartilham uma mesma intenção: ampliar o olhar clínico para além do corpo físico, acolher a complexidade do adoecimento humano e resgatar o sentido da consulta, em si mesmo, como potencial espaço terapêutico. 

A partir da lógica do paradigma sistêmico, a oficina demonstrou que é preciso ter instrumentos que ajudem a ampliar o olhar. O Círculo Familiar, o Iceberg e a Linha da Vida são três dessas ferramentas, entre outras – simples, acessíveis e com capacidade de transformação – do médico e da pessoa. 

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Medicina de Família