Epinefrina na parada cardiorrespiratória: seu uso e controvérsias
Veja os principais pontos de uma revisão recente sobre o uso da epinefrina em paradas cardiorrespiratórias.
Recentemente foi publicada uma revisão na revista Current Opinion acerca das polêmicas em torno do uso da epinefrina na parada cardiorrespiratória. Vamos discutir os principais pontos do texto aqui. Segundo a recomendação do ALS (advanced life support), na parada cardiorrespiratória (PCR) é recomendado administrar 1 mg de epinefrina durante o atendimento. Porém, existem controvérsias sobre o real benefício, ou até malefício, desta recomendação.
Essa polêmica ganhou força após a publicação do estudo PARAMEDIC2, que comparou o uso da epinefrina versus placebo, no tratamento da PCR no ambiente extra-hospitalar.
Antes do estudo PARAMEDIC2
Na década de 60, estudos observacionais e experimentais analisaram o impacto do uso da adrenalina em desfechos a curto prazo, como o retorno à circulação espontânea (ROSC).
Peter Safar, em 1964, afirmou que “para o reinício da ação cardíaca espontânea, a promoção da circulação coronária, por vasoconstrição periférica, parece ser mais importante do que o efeito inotrópico da droga no coração”.
Um estudo experimental³ em animais de 1963, demonstrou que 20% dos cães em PCR tiveram ROSC com ressuscitação cardiopulmonar (RCP), iniciada após um minuto de parada cardíaca, se a epinefrina não era utilizada.
No entanto, com a realização de RCP associada a epinefrina, 100% tiveram ROSC mesmo com RCP iniciada após cinco minutos de PCR, e 90% obtiveram ROSC com RCP iniciada após dez minutos de PCR. Os autores sugeriram a dose de 1 mL de epinefrina 1: 1000 (1 mg), com a ressalva de que “em alguns pacientes são necessárias duas ou mais doses para atingir a resposta desejada”.
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Ao longo dos anos subsequentes, apenas três ensaios clínicos randomizados relevantes, com grupo placebo, foram realizados antes do estudo PARAMEDIC2. Esses estudos reforçam a evidência da eficácia da adrenalina em promover ROSC, porém sem aumento de sobrevida até a alta hospitalar.
Entretanto, um grande número de estudos observacionais publicados nesta época, sugeriam a associação da epinefrina com a redução da sobrevida e pior desfecho neurológico na alta hospitalar. Estes estudos, todavia, apresentavam diversas limitações metodológicas que atrapalhavam sua interpretação.
Devido a evidência de boa qualidade a favor do uso de epinefrina durante a PCR com aumento de ROSC versus evidência de baixa qualidade indicando menor sobrevida e desfechos neurológicos ruins, os guidelines de PCR (como o ACLS), mantiveram a indicação do uso de epinefrina.
O estudo PARAMEDIC2
Esse estudo comparou a administração da adrenalina versus placebo em 8014 pacientes com PCR extra-hospitalar no Reino Unido. De forma semelhante ao resultado dos estudos prévios, o grupo da adrenalina apresentou maior taxa de ROSC (36% x 12%). Além disso, para o desfecho primário, sobrevida em trinta dias, o grupo que recebeu epinefrina também teve melhor desempenho (3.2% versus 2.4%, IC 95% 1.06 – 1.82, p <0,02).
Uma ressalva na interpretação dos resultados foi o tempo de resposta, após chamada da equipe de resgate até a administração do medicamento (cerca de 21 minutos). A sobrevida em uma PCR após esse tempo é baixa, independentemente das intervenções, o que pode ter limitado o poder do estudo.
Uma preocupação nos dados do estudo, foi o aumento no número de sobreviventes com comprometimento neurológico grave nos pacientes que receberam adrenalina. Uma escala comumente utilizada na análise de desfechos neurológicos é a de Rankin modificada (mRS). As classificações 4-5 indicam incapacidade grave, com dependência parcial para deambulação e cuidados pessoais (mRS 4), ou acamado com dependência total para cuidados (mRS 5). No grupo epinefrina, 31% dos pacientes apresentaram mRS 4-5, versus 17,8% no grupo controle.
Por se tratar de um estudo em pacientes extra-hospitalares, esses resultados não podem ser extrapolados para o ambiente intra-hospitalar, uma vez que a epinefrina seria administrada muito mais cedo.
Uma ressalva importante é a de que os desfechos com a epinefrina são diferentes, se estamos falando em ritmos chocáveis ou não chocáveis.
Dados observacionais do registro IHCA, da American Heart Association Get With The Guidelines (AHA-GWTG), demonstraram que o atraso na administração de epinefrina nos ritmos não chocáveis foi associado a pior sobrevida até a alta hospitalar.
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Já na PCR com ritmos chocáveis, se administrada dentro dos dois primeiros minutos após o 10 choque, a droga diminui a taxa de ROSC, além de reduzir a sobrevida com bom prognóstico neurológico.
Uma metanálise que incluiu os estudos PARAMEDIC2 e PACA demonstrou que a epinefrina teve um benefício maior em aumento de ROSC na PCR com ritmo não chocável, em relação aos ritmos chocáveis.
Adrenalina: boa para o coração, não tão boa para o cérebro?
A administração da adrenalina parece melhorar a taxa de ROSC em estudos desenhados para avaliar essa finalidade. No entanto, ainda não sabemos se esse efeito vem com o custo de desfechos neurológicos desfavoráveis, uma vez que não possuímos estudos com esse desfecho como primário.
No entanto, essa polêmica não deve desviar nossa atenção das coisas que mais fazem a diferença durante o atendimento de uma PCR, como a identificação precoce, compressões torácicas de alta qualidade, e desfibrilação precoce nos ritmos chocáveis.
Estudos a serem publicados
O estudo canadense EpiDOSE irá comparar a dose de 1 mg de epinefrina (até 8 mg no total), contra uma dose cumulativa baixa (máximo de 2 mg). Não há estudos comparando epinefrina com placebo no ambiente intra-hospitalar.
Enfim, adrenalina: sim ou não?
- O uso da epinefrina (1 mg) na PCR melhorou a taxa de sobrevida até a admissão hospitalar e a sobrevida até três meses, dos pacientes que receberam essa droga no ambiente extra-hospitalar. Essa maior sobrevida, entretanto, pode vir acompanhada de desfechos neurológicos desfavoráveis nos sobreviventes.
- Atualmente, recomenda-se administrar epinefrina o mais precocemente possível na PCR com ritmos não chocáveis. Administrá-la somente após o 2º choque na PCR com ritmo chocável.
- É preciso investigações mais detalhadas sobre qual a melhor dose, quais pacientes se beneficiam com seu uso, e qual o melhor momento de sua administração.
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