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Infectologia8 maio 2020

Efeito da tolerância no desenvolvimento de resistência bacteriana

Estudos experimentais mostram que a tolerância bacteriana se desenvolve rápido durante os ciclos de antibioticoterapia e gera evolução para resistência.

Por Raissa Moraes

A combinação de drogas é comumente usada na prática clínica com objetivo de prevenir a resistência bacteriana. Entretanto, estudos experimentais mostram que a tolerância se desenvolve rápido durante os ciclos de antibioticoterapia e, consequentemente, há evolução para resistência. Ao contrário da resistência, que diminui a efetividade da droga e aumenta a concentração inibitória mínima (MIC), a tolerância eleva o tempo mínimo para matar a população bacteriana sem alterar a MIC.

Bactérias são combatidas com antibioticoterapia com cuidado para que não se desenvolvam bactérias resistentes ao tratamento.

Resistência bacteriana

Um estudo desenvolvido em Israel, objetivou avaliar o efeito da tolerância no desenvolvimento da resistência bacteriana. Dessa forma, foram coletadas e cultivadas, em meio contento antibióticos, amostras de pacientes que internaram com bacteremia por MRSA. Experimentos in vitro costumam usar uma única droga, porém, mimetizando a vida real, os isolados bacterianos foram expostos à três fármacos: rifampicina (RIF), vancomicina (VAN), daptomicina (DAP).

Inicialmente apenas VAN foi utilizada e após 5 dias as populações apresentaram tolerância à droga. O genoma dessa população foi estudado e comparado com a população ancestral (antes da semeadura em meio contendo antibiótico) e foram observadas pequenas mutações que conferiam tolerância. No quarto dia de experimento foi acrescida RIF e, como o crescimento bacteriano persistia, VAN foi trocada por DAP no oitavo dia. Apesar da combinação de drogas, foram notadas mutações de tolerância que se seguiram por mutações de resistência à RIF.

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Para entender se o surgimento de resistência à RIF foi facilitado pelo fenótipo tolerante, foi quantificada a sobrevivência bacteriana com uso de cada droga (separada e em combinação) e todos os isolados tolerantes à VAN também eram tolerantes a DAP. A população VAN/DAP tolerante era suscetível ao tratamento com RIF, assim como a população ancestral. Porém, ao utilizar a combinação DAP/RIF no tratamento da população VAN/DAP tolerante, a resistência à rifampicina apareceu. Assim sendo, duas perguntas emergem:

Se a combinação de drogas leva à resistência bacteriana, por que usamos DAP/RIF na prática clínica?

Paradoxalmente, a combinação RIF/DAP foi menos eficaz que DAP sozinha contra as bactérias ancestrais. Esse fenômeno é conhecido como supressão: quando a combinação de drogas é menos efetiva que uma droga sozinha. Entretanto, quando essa combinação é usada contra bactérias resistentes à RIF ela funciona, pois, a colônia bacteriana será completamente exposta a DAP.

Por que a resistência a RIF surgiu apenas quando já havia a tolerância VAN/DAP?

Os mutantes tolerantes à VAN/DAP sobreviveram à exposição à DAP e VAN e, assim, a tolerância à RIF surgiu quando foram expostos à combinação RIF/DAP.

O estudo, então, mostrou que a evolução para tolerância foi fundamental no processo de emergência de resistência. Além disso, reforçou que a combinação de drogas supressivas pode ser efetiva na prevenção da resistência e explicaria seu uso empírico. Entretanto, essa estratégia deve ser usada antes da tolerância ter sido estabelecida. O uso de ferramentas que diagnostiquem a tolerância durante o tratamento seria crucial para guiar a combinação de antibióticos.

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Essas conclusões são muito relevantes na prática clínica. A tuberculose, por exemplo, é uma doença em que se sabe que a tolerância seguida por resistência é o mecanismo pelo qual se dá a sobrevivência do bacilo e, consequentemente, progressão da doença.

Referências bibliográficas:

  • Liu J, et al. Effect of tolerance on the evolution of antibiotic resistance under drug combinations. Science. 2020 Jan 10;367(6474):200-204. DOI: 10.1126/science.aay3041

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