No último dia do congresso ASH 2024, da American Society of Hematology, três auditórios se abarrotaram de pessoas ansiosas pelo resultado do esperado AMPLIFY study. O estudo fase 3 que compara acalabrutinibe + venetoclax com ou sem obinutuzumabe a quimioimunoterapia para leucemia linfoide crônica em primeira linha de tratamento foi apresentado pela dr. Jennifer Brown do Dana Farber Cancer Institute.
Métodos do estudo
Este foi o primeiro estudo que adicionou venetoclax ao acalabrutinibe. Antes dele, o ELEVATE-TN havia comparado acalabrutinibe com ou sem obinutuzumabe ao clorambucil com obinutuzumabe, demonstrando sobrevida livre de progressão em 24 meses em 93% dos pacientes quando associado a obinutuzumabe e 87% em monoterapia, comparados aos 47% do braço comparados.
O AMPLIFY (ACE-CL-311; NCT03836261) é um ensaio randomizado, aberto e em andamento, de fase 3, com pacientes com LLC em primeira linha de tratamento, com idade ≥18 anos, sem del(17p) ou mutação TP53.
Os pacientes foram randomizados em uma proporção de 1:1:1 para receber acalabrutinibe-venetoclax (AV), acalabrutinibe-venetoclax-obinutuzumabe (AVO) ou a escolha do investigador entre fludarabina-ciclofosfamida-rituximabe (FCR) ou bendamustina-rituximabe (BR).
Aqui, eu já chamo atenção para um detalhe: Não serão comparados os desfechos do braço AV em relação a AVO. Ou seja, tudo que este trabalho trouxer de dado será comparando os dois a quimioimunoterapia.
O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) avaliada por revisão central cega e independente (IRC) de AV vs FCR/BR na população por intenção de tratar (todos os pacientes randomizados). Os desfechos secundários incluem a taxa de doença residual mínima indetectável (uMRD), sobrevida global (OS) e SLP avaliada por IRC para AVO vs FCR/BR.
Resultados
Resultados apresentados 867 pacientes foram randomizados (AV, n=291; AVO, n=286; FCR/BR, n=290) com idade mediana de 61 anos. É importante ressaltar que a maioria dos pacientes do estudo (em torno d e 57-59% variando entre os grupos) tinha IGHV não mutada, e 15% em cada grupo apresentava cariótipo complexo.
Na mediana de follow up de 41 meses. | |||||||
FCR/BR | AV | Hazard ratio em relação ao FCR/BR | p | AVO | Hazard ratio em relação ao FCR/BR | p | |
Sobrevida livre de progressão em 3 anos | 66,5%
Mediana 47.6 meses | 76,5%
Mediana Não atingida | 0.65 (0.49-0.87) | P= 0.0038 | 83.1%
Mediana não atingida
| 0.42 (0.3 -0.59) | P< 0.001 |
Sobrevida global | |||||||
Doença residual mínima (em sangue periférico com sensibilidade 10-4) indetectável ao final do tratamento | 72,9% | 45% | – | – | 95% | – |
Considerações
Ao estratificar a população por status mutacional do IGHV, o braço AVO apresentou SLP em três anos de 82.8% comparado a 56.8% da quimioimunoterapia enquanto ao braço AV apresentou 68.9%. Já no subgrupo com IGHV mutado, o braço AVO apresentou praticamente a mesma SLP, 83.6%, enquanto o braço AV apresentou marcado incremento para 86%. De novo, o estudo não foi desenhado para comparar AV com AVO, mas este resultado levanta a sugestão de que o obinutuzumabe possa ser omitido neste subgrupo de pacientes sem prejuízo de PFS, o que já não pode ser dito sobre o grupo não mutado. No braço quimioimunoterapia, a SLP foi de 79.9%, e é importante ressaltar que na comparação dos braços entre tivemos resultados de Hazard ratio não significativos.
O estudo encontrou diferenças de sobrevida global entre os grupos – um desfecho difícil de ser satisfeito em estudos de doenças indolentes como a LLC.
Conclusão
Entendendo que a sobrevida livre de progressão é particularmente maior naqueles pacientes que alcançam a DRM indetectável ao final do tratamento, e que o braço com menores taxas de DRM negativa foi o AV, difícil entender como eles performaram tão melhor que a quimioimunoterapia na SLP. A autora mostrou também um Kaplan Meier da PFS daqueles pacientes que terminaram o tratamento em DRM positiva, e nele, a PFS em três anos do braço AV era 72.7% comparada a 45.2% da quimioimunoterapia, com HR de 0.44. Uma explicação possível para essa discordância é a de que, mesmo em DRM+, os pacientes que são tratados com AV mantém o clone “controlado” e seu ressurgimento é muito lento até de fato ocorrer a progressão.
Quanto aos eventos adversos, 20% dos pacientes do grupo AVO apresentaram algum evento que levou a descontinuação do tratamento comparado a 7,9% no grupo AV e 10,8% no quimioimunoterapia.
Neutropenia febril foi um evento raro, no máximo 2% no grupo AVO, assim como fibrilação atrial.
Mensagens práticas
A SLP é maior em pacientes com LLC virgens de tratamento ao usaram acalabrutinibe + venetoclax com ou sem obinutuzumabe ao se comparar a FCR/BR. A vantagem do esquema é que ele tem a proposta de terapia finita, algo que até o momento só é aprovado no Brasil para o esquema venetoclax + obinutuzumabe (conforme estudo CLL14 [2]). O CLL14 apresentou SLP em 6 anos para 47% do grupo IGHV não mutado, dado que até o momento não podemos comparar com resultados do AMPLIFY dado o follow up mais curto deste último.
Na prática, associar obinutuzumabe ao A+V não parece ser justificável para a maioria dos pacientes ,sobretudo mais frágeis, considerando que 1/5 dos pacientes do estudo interrompeu o uso das drogas por toxicidades e os desfechos clínicos são muito parecidos entre A+V e A+V+O. Talvez o obinutuzumabe seja interessante somente para pacientes mais jovens e com doença de pior prognóstico.
Da mesma forma que a associação ibrutinibe + venetoclax (CAPTIVATE [3]) parece não ter se consolidado como primeira escolha para a maioria da comunidade médica, vamos ver se o acalabrutinibe + venetoclax vai convencer. A publicação do estudo no New England Journal of Medicine já foi aceita, mas até o dia de hoje ainda não estava disponível online.
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