O ASH 2024, junto aos últimos eventos de hematologia do mundo, estão ressuscitando o belantamabe mafodotina. Só para refrescar a memória: Belantamabe mafodotina (belamaf), um conjugado anticorpo-droga direcionado ao antígeno de maturação de células B (BCMA), foi amplamente avaliado quanto à sua eficácia e segurança em mieloma múltiplo recidivado/refratário (RRMM).
Estudo anterior
O estudo pivotal de fase 2 DREAMM-2 [1] demonstrou uma taxa de resposta global de 32%, com uma mediana de sobrevida livre de progressão (SLP) de 2,8 meses e sobrevida global (SG) de 13,7 meses
em pacientes fortemente pré-tratados. Os efeitos adversos mais comuns incluíram ceratopatia, trombocitopenia e anemia. Estudos do mundo real corroboraram esses achados. Um estudo retrospectivo de centro único no MD Anderson relatou uma TRG de 27% e uma mediana de SLP de 1,8 meses, com uma incidência significativa de toxicidades oculares. Outro estudo retrospectivo multicêntrico mostrou uma TRG de 45,5% e uma mediana de SLP de 4,7 meses, com toxicidade ocular sendo o efeito adverso mais frequente.
As diretrizes da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) [2], incluíram belamaf como uma opção para pacientes com RRMM após quatro terapias anteriores, embora tenha sido retirado do mercado por não ter atingido o desfecho primário no estudo DREAMM-3. Foi respaldada por este background que a dra. Vânia Hungria iniciou sua apresentação sobre o estudo DREAMM-7.
Métodos do estudo atual
O estudo DREAMM-7 (NCT04246047) é um ensaio global, randomizado, de fase 3, que compara a eficácia e segurança de dois esquemas tríplices: belamaf, bortezomibe e dexametasona (BVd) vs daratumumabe, bortezomibe e dexametasona (DVd) em pacientes com progressão de MM após ≥1 linha de terapia anterior.
O desfecho primário foi a SLP avaliada por um comitê independente de revisão. Os desfechos secundários incluíram sobrevida global, duração de resposta, negatividade de doença residual mínima (DRM) e tempo até a progressão da doença após a terapia subsequente ou morte de qualquer causa (PFS2).
Um total de 494 pacientes foi aleatoriamente alocado para receber BVd (n=243) ou DVd (n=251). As características basais estavam equilibradas. Aos 28,2 meses de acompanhamento médio, o desfecho
primário foi alcançado, com uma mediana de SLP de 36,6 meses para BVd e 13,4 meses para DVd (hazard ratio [HR], 0,41; P<0,00001).
Resultados
O BVd foi associado a taxas mais altas de resposta completa ou melhor e negatividade de DRM (25% vs 10%) e a uma DR mais favorável (P<0,001) em comparação com o DVd. A mediana de DR foi de 35,6 meses para BVd e 17,8 meses para DVd. Os benefícios com BVd também foram mantidos após terapias subsequentes, com uma razão de risco (HR) para a mediana de PFS2 de 0,56. As taxas de SG em 18 meses foram 84% para BVd e 73% para DVd. Embora a mediana de SG ainda não tenha sido alcançada em nenhum dos grupos nesta
primeira análise interina, houve uma forte tendência em favor do BVd, com HR de 0,57.
A Dra. Hungria iniciou sua apresentação com uma retrospectiva em uma mediana de follow up de 28.2 meses, o desfecho primário foi cumprido. A dose inicial foi de 2,5 mg/kg EV a cada 3 semanas. O desfecho primário foi PFS. Os desfechos secundários foram de DRM.
Considerações
– Metade dos pacientes do estudo tinham apenas 1 linha prévia de tratamento, então já se espera que sejam pacientes com melhor resposta a terapias subsequentes em relação aqueles com múltiplas linhas prévias
– Em relação às toxicidades: 92% dos pacientes do grupo BVD apresentaram eventos adversos graus 3-4 comparados a 78% do DVD.
Apesar de a taxa de infecções serem semelhantes entre os grupos, trombocitopenia foi mais comum no grupo belamaf.
Toxicidades
Toxicidade ocular: 2/3 dos pacientes do braço belamaf não apresentaram toxicidades oculares, e todos os pacientes com piora da visão apresentaram melhora completa após suspensão da droga, com mediana de tempo para melhora foi de 3 semanas. A maioria das alterações de acuidade visual foi leve, e o acompanhamento periódico com oftalmologista era obrigatório pelo estudo nos primeiros 6 ciclos para rastreio precoce de alterações visuais. A descontinuação da medicação especificamente pelos eventos oculares ocorreu em 10% dos pacientes.
O intervalo entre as doses foi aumentando com o tempo, das 3 semanas iniciais para até 12 semanas, e isso não alterou a eficácia da droga. Também com o tempo, a necessidade de descontinuação foi diminuindo com o tempo assim como os eventos adversos oculares.
Desfechos clínicos
Os pacientes do braço BVD apresentaram maior sobrevida global, com mediana não atingida no período de follow up, em relação ao grupo DVD. O HR para óbito associado ao BVD foi de 50% – ou seja, pacientes em uso do esquema reduzem pela metade seu risco de falecer. As taxas de resposta global do braço BVD foram 83,1% vs 71,3% do DVD.
Quando interrogada sobre qual seria a melhor dose do belamaf, a dra. Hungria advogou que é muito importante que o paciente receba a dose cheia de 2,5mg/kg no início, e a redução seja posterior caso
eventos adversos, podendo chegar a 1,9 mg/kg. A justificativa para isso seria de que é muito importante que a resposta seja atingida o quanto antes, e isso pode depender de uma dose inicial um pouco maior.
Mensagem prática
De forma muito pouco usual em se tratando de mieloma múltiplo, temos uma opção terapêutica que resultou em melhora de sobrevida global. – É importante notar que grande parte dos pacientes incluídos eram pouco tratados e isso pode ter contribuído para os bons resultados encontrados. As toxicidades oculares aparentemente foram manejáveis e leves em sua maioria. Apesar disso, será mesmo que diante de tantas
opções excelentes que dispomos para o mieloma múltiplo RR nos dias atuais, incluindo anticorpos biespecíficos com alvo BCMA e GPRC5D, seria mesmo necessário expor o paciente a efeitos como diminuição
da acuidade visual?
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