O dr. Meletious Dimopoulos, da Univeridade de Atenas, apresentou os resultados do AQUILA trial, um estudo fase três que comparou a o daratumumabe em monoterapia à vigilância ativa em pacientes com mieloma múltiplo smouldering de alto risco.
Até o momento atual, as evidências são conflitantes em relação a tratar ou não tratar o mieloma múltiplo assintomático, sendo considerado o padrão de tratamento a observação clínica, com indicação de tratamento somente quando houver a progressão para mieloma múltiplo sintomático através das lesões de órgão alvo.
Estudos prévios já haviam demonstrado a segurança e tolerabilidade do daratumumab em monoterapia aos pacientes com mieloma múltiplo assintomático de riscos intermediário e alto, assim como daratumumabe em combinação a outras drogas e lenalidomida associado a dexametasona, este último no QuiReDex trial (Mateos, MV et al. European Journal of Cancer, 2022)
O estudo clínico AQUILA é o maior estudo clínico fase 3 que contempla pacientes com mieloma múltiplo smouldering/assintomático até o momento, e os resultados de seu seguimento de 36 meses foram apresentados nessa sessão.
Métodos
O regime de estudo consistia em administrar daratumumabe dose fixa de 1800mg semanalmente nos ciclos 1-2, e então trocar para bissemanal nos ciclos 3-4, até finalmente a aplicação mensal, que ocorreria até o final de 36 meses completos de tratamento.
A estratificação do risco do mieloma múltiplo smouldering se deu baseado nos critérios vigentes da época do início do estudo (2017), e se baseava na presença de pelo menos 10% de plasmócitos na medula óssea associado a pelo menos 1 dos critérios: Pico monoclonal maior ou igual a 3g/dL, subtipo IgA, Imunoparesia confirmada, Alteração da relação de cadeiras leves livres maior ou igual a 8 e inferior a 100, e plasmócitos na medula óssea acima de 50% mas inferiores a 60%. Fo feita avaliação óssea criteriosa com PET-CT e Ressonância magnética de corpo inteiro para garantir que nenhuma lesão óssea definidora de sintomatologia passasse desapercebida.
O desfecho primário do estudo foi a sobrevida livre de progressão para mieloma múltiplo sintomático pelos critérios do Slim-CRAB, avaliada por comitê de revisão independente.
Convém ressaltar que aproximadamente 20% do pacientes em cada grupo apresentava 3 ou mais fatores de risco determinado pelo estudo para progressão para mieloma sintomático, e 37% do grupo tratado com daratumumab e 43.9% do grupo observação apresentavam Risco alto pelos critérios da Mayo Clinic de 2018 – esta avaliação foi feita retrospectivamente, já que a randomização iniciou em 2017.
Desfechos clínicos |
Na mediana de seguimento de 65.2 meses, sobrevida livre de progressão do grupo daratumumabe foi de 79.9% comparada aos 63.3% do grupo observação, conferindo aos pacientes tratados um Hazard ratio para progressão de 0.49 (IC 95%, 0.36 – 0.67, P < 0.0001), ou seja, 51% menos chance de progredir para mieloma múltiplo sintomátitco.
Apesar de o daratumumabe ter sido administrado por apenas três anos, o benefício em manter o paciente livre de progressão persistiu até os cinco anos de seguimento em que foi feita a análise. 21.8% dos pacientes do grupo daratumumabe apresentaram progressão de doença comparados a 41.8% do grupo vigilância durante o follow up
|
Considerações
Uma preocupação cabível é a de que, uma vez expostos ao daratumumabe, aqueles pacientes que progredissem durante a terapia seriam considerados refratário à droga e idealmente não lançariam mão desta droga no tratamento do mieloma. Porém, a mediana de tempo para o primeiro tratamento do grupo que recebeu daratumumabe não foi atingida, com pouco menos de 20% dos pacientes progredindo em menos de 36 meses, comparada a 50 meses no grupo observação. A maioria dos pacientes que necessitou de tratamento subsequente recebeu o esquema VRD. Uma vez iniciando a próxima linha de tratamento, os pacientes do grupo daratumumabe não apresentaram prejuízo em resposta terapêutica subsequente, com PFS de 85.9% comparada a 78% do grupo observação, com diferença sifnigicativamente estatística.
O tratamento preemptivo com daratumumabe retarda a progressão para mieloma múltiplo sintomático, e uma vez que ocorra a progressão, o paciente ainda terá melhores respostas em termos de sobrevida livre de progressão em relação a ter sido apenas observado previamente.
Para arrematar com chave de ouro esse belo trabalho, o autor mostrou diferença de sobrevida global entre os pacientes tratados com daratumumabe em relação aos observados (93% vs 86,9%, HR 0.52, IC 95%, 0.27 – 0.98).
Foi um trabalho bem bonito de assistir, e no mesmo dia de sua apresentação, já foi disponibilizado online em sua publicação no New England Journal of Medicine.
Mensagens práticas
Daratumumabe, em um regime predominantemente mensal com duração fixa de três anos, reduz pela metade o risco de um paciente evoluir de mieloma múltiplo smouldering para sintomático quando comparado a observação clínica. O regime é bem tolerado e tem baixas taxas de citopenias e infecções (11.9% e 16.1% respectivamente), levando a baixas taxas de descontinuação.
O benefício se mantém mesmo dois anos após a suspensão do daratumumabe e o tratamento é usualmente bem tolerado.
Com estes dado, a conversa e a decisão compartilhada com os pacientes que apresentam diagnóstico de mieloma smouldering será mais fácil e embasada!
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.