O dr. Salomon Manier, do Hospital da Universidade de Lille, trouxe, como última apresentação oral da sessão da manhã de 08 de dezembro de 2024, um estudo que atende a uma demanda frequente entre os médicos que tratam mieloma múltiplo: a possibilidade da suspensão do corticoesteroide em pacientes idosos e frágeis. Esta demanda vem do fato de que é o corticoide que contribui para a maioria dos eventos adversos reportados pelos pacientes, como insônia, descompensação das comorbidades basais como diabetes, hipertensão arterial sistêmica), piora da qualidade óssea, etc.
Historicamente, aos pacientes muito frágeis com diagnóstico novo de mieloma múltiplo é reservado o tratamento com lenalidomida e dexametasona somente, baseado no resultados do estudo FIRST (Benboubker et al, NEJM 2014). Nos últimos anos, esquemas à base de daratumumab, lenalidomida e dexametasona (DRd) também ocuparam seu lugar no arsenal terapêutico do idoso em primeira linha ao demonstrarem, conforme estudo MAIA (Facon, et al. NEJM 2019) perfil de eficácia superior à lenalidomida associada a dexametasona somente. Esse esquema, entretanto, não veio sem seus riscos. Mais adiante, novas referências reportaram um aumento significativo em taxas de pneumonia e infecções de um modo geral na população idosa quando exposta ao tratamento triplo citado (Zweegman, et al. EMN 2021).
Surgiu então a lacuna no cuidado do paciente idoso frágil com mieloma múltiplo: a manutenção do daratumumabe em um esquema de primeira linha pode preservar a eficácia do tratamento, enquanto a suspensão da dexametasona incorreria em menores eventos adversos sem perda de eficácia do protocolo?
Foi diante deste questionamento que o estudo IFM 2017-03 foi desenhado.
Métodos
DR (daratumumab + lenalidomida) vs Rd (Lenalidomia 25mg + dexa 20mg D1,D8,D15,D22)
O grupo DR receberia apenas dois ciclos com dexametasona, sem continuar nos próximos.
Para serem incluídos no estudo, os pacientes deveriam ser mais idosos que 65 anos e ter um escore de fragilidade segundo o IFM frailty score de 2 ou mais.
O desfecho primário deste trabalho foi sobrevida livre de progressão.
As características gerais das populações chamam bastante atenção: a mediana de idade era de 81 anos, com a maioria dos pacientes (em torno de 90%) apresentando ECOG 1-2, mas com 6% dos pacientes do grupo DR e 3% do grupo Rd com ECOG 3 ou superior. A maioria dos pacientes se dividia entre os escores 2-3 do escore de fragilidade do IFM, e em torno de 80% apresentava doença de risco citogenético padrão, 50% com ISS II.
Com mediana de follow up de 46,3 meses, as curvas de sobrevida livre de progressão seguem abaixo:
Resultados
O benefício de trocar a dexametasona pelo daratumumab foi marcando, configurando um hazard ratio para progressão de 0.51 (IC 95%, O.37 – 0.7 ; P< 0.0001). Este benefício foi extensivo a praticamente todos os subgrupos, com especial atenção aos pacientes acima de 80 anos de idade, com ECOG >= 2, IFM 4-5, qualquer ISS e qualquer estratificação de risco citogenético. A taxa de resposta global dos pacientes recebendo DR foi de 94% comparada ao 86% do Rd.
A mediana de sobrevida global no grupo DR não foi atingida na mediana de seguimento de 46 meses reportada. Já o grupo Rd atingiu sua mediana aos 47.2 meses, o que conferiu ao esquema Rd um HR para morte de 0.52 (IC 95%, 0,35 – 0,77; P = 0.0001)
Até aí, ninguém tinha muita dúvida de que este seria o resultado, ele só precisava ser provado numericamente e com relevância estatística. O que ainda pairava no ar era o quão mais tóxico ou incômodo para os pacientes a troca de um regime 100% oral para um com componente subcutâneo poderia ser.
Vamos à resposta para essa pergunta.
Desfechos de segurança |
A mediana de duração do tratamento com DR foi de 31 meses comparada a 14 meses no Rd |
A mediana de redução de dose de lenalidomida foi de 34.8% no grup DR e 47.1% no Rd – indicando que o grupo DR pode ter apresentado menor tolerância a droga quando associada ao daratumumab |
Qualquer evento adverso grau 3 ou mais foi reportado em 89% dos pacientes no grupo DR e 79% no grupo Rd
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30% dos pacientes precisaram descontinuar o tratamento com DR por eventos adversos, comparados a 34% do grupo Rd. |
Ao realizar a análise de qualidade de vida pelo EORTC QLQ-30 e EQ-5D-3L, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.
Mensagens práticas
– Mesmo diante de um tratamento mais longo e que exige inicialmente visitas semanais à clínica pela porção subcutânea do protocolo, os pacientes tratados com DR referem qualidade de vida semelhante aos tratados com Rd, além de sobreviverem mais e apresentarem maior sobrevida livre de progressão.
– As taxas de infecções e descontinuação de tratamento foram semelhantes entre os grupos.
Ou seja, DR é uma opção segura e eficaz aos pacientes idosos frágeis que seriam candidatos somente ao esquema Rd inicialmente, e deve se tornar o padrão de tratamento baseado nos resultados deste estudo.
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