A edição 66 do Congresso da American Society of Hematology (ASH 2024) trouxe diversos estudos em andamento que testam associações de drogas alvo com o já consolidado regime de tratamento para leucemia mieloide aguda à base de azacitidina + venetoclax. Na sessão que ocorreu no domingo de 08 de dezembro, foi a vez do dr Nicholas Short do MD Anderson Cancer Center trazer os resultados da análise retrospectiva de estudos de fase 2 em andamento que exploram a segurança e eficácia do esquema à base de azacitidina + venetoclax + inibidores de FLT3 (podendo variar qual inibidor a depender do estudo).
O Dr Short iniciou sua apresentação mostrando o background no qual foi construída a ideia do estudo. Atualmente, os pacientes com diagnóstico de leucemia mieloide aguda (LMA) com mutação do FLT3 são tratados com quimioterapia intensiva e midostaurina na primeira linha, enquanto aos pacientes unfit para quimioterapia intensiva é reservado o tratamento com azacitidina e venetoclax. Neste último grupo, os desfechos são dramáticos, com mediana de sobrevida global de 9.9 meses e taxa de resposta global de 63% (Konopleva,M, et al. Clin Cancer Research 2022).
Um estudo fase 2 com azacitidina + venetoclax + gilteritinibe em primeira linha de tratamento já havia mostrado taxa de resposta completa de 96% e sobrbevida global de 72% (Short,NJ et al. JCO 2024).
A apresentação do dr Short foi uma análise retrospectiva de um estudo conduzido no MD Anderson Cancer Center com pacientes que receberam o esquema triplo.
Desenho do estudo |
Pacientes com diagnóstico novo de LMA FLT3mut |
Primeiro ciclo (indução): Azacitidina 75mg/m² por sete dias subcutânea, venetoclax 400mg/d via oral por 28 dias e gilteritinibe 80mg/d VO com plano de uso por 28 dias.
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Consolidação: Azacitidina por apenas 5 dias, Venetoclax por 7 dias e gilteritinibe contínuo |
Métodos
Ao todo, 73 pacientes foram tratados, com mediana de idade de 70 anos, sendo que todos receberam azacitidina + venetoclax, e o inibidor de FLT3 variou entre eles:
- 67% receberam gilteritinibe, 25% receberam quizartinibe, 7% receberam sorafenibe e 1% recebeu midostaurina.
- 80% dos pacientes apresentavam FLT3-ITD.
Resultados |
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A presença de comutação com NPM1 não fez diferença em termos de desfechos clínicos, o que está alinhado com estudos mais recentes mostrando que talvez a estratificação prognóstica baseada no European Leukemia Net 2022 não se aplique adequadamente a pacientes que recebem terapias a base de azacitidina + venetoclax.
Como mutações do RAS já foram descritas como mecanismos de resistência a venetoclax e inibidores de FLT3, a coorte RAS mutada foi avaliada separadamente e confirmou o prognóstco reservado dessa população, com mediana de sobrevida global de 24 meses.
Não houve diferença de sobrevida global entre os pacientes que receberam transplante alogênico de medula óssea e os que não receberam, mesmo quando estratificados por idade e por FLT3.
Dos 19 pacientes que recaíram, 11 eram FLT3 negativo na recaída (aferido por PCR com sensibilidade de 1%); 12 tiveram evidência de evolução clonal com surgimento de novas mutações, novas anormalidades cromossômicas ou ambos; e 24% tiveram mutação da via do RAS .
Quando o paciente recaía com FLT3 positivo, a mediana de sobrevida global era de 1 mês comparada aos 10 meses se na recaída fosse FLT3 negativo.
Mensagens práticas
A associação de venetoclax + azacitidina + inibidor de FLT3 têm um grande potencial de se tornar o padrão de tratamento para pacientes inelegíveis a quimioterapia intensiva com LMA FLT3mut. Para lembrar, no Brasil, somente a midostaurina é liberada para uso em primeira linha de tratamento, não coberta pelo SUS, enquanto o gilteritinibe é aprovado para segunda linha, em monoterapia, baseado no estudo RATIFY.
Se o estudo não conseguiu mostrar diferença de sobrevida global entre os pacientes que transplantaram versus não transplantaram, e a mortalidade relacionada ao transplante foi de 20%, provavelmente estes pacientes não se beneficiem mesmo da modalidade por terem alta mortalidade relacionada ao transplante, e possam ser mantidos somente com manutenção de inibidor de FLT3! O mesmo não pode ser extrapolado para uma população elegível para tratamento intensivo (que não foi a população explorada neste estudo).
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