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Hematologia27 abril 2022

Anticoagulação profilática de gestantes: Em quais situações utilizar?

A anticoagulação profilática pode ser um desafio na vida do ginecologista obstetra ou do médico assistente que acompanha a gestação.

Por Felipe Mesquita

Admite-se na literatura que as gestantes ou puérperas possuem um risco quatro a cinco vezes maior de apresentarem um evento tromboembólico, em especial venoso (TEV), quando comparadas a mulheres não grávidas. Nos Estados Unidos, o tromboembolismo venoso responde por cerca de 9% das mortes maternas, demonstrando assim a importância do tema na prática médica.

anticoagulação

Gestação, um fator de risco!

Em termos fisiopatológicos a gravidez propicia o surgimento dos três fatores da Tríade de Virchow relacionados à ocorrência de TEV:

  • Estase – pela compressão de vasos pélvicos, aumento do volume uterino aliado e à menor mobilidade da gestante;
  • Hipercoagulabilidade – devido a um aumento na produção dos fatores de coagulação e redução de proteína S;
  • Lesão endotelial – seja por alterações vasculares durante a gravidez ou no período pós-parto (com destaque para parto cesariano).

Quando avaliamos os fatores de risco associados à história clínica, devemos nos atentar a dois deles presentes na história da paciente: TEV prévio e trombofilias adquiridas ou hereditárias possivelmente já diagnosticadas.

Devo anticoagular, com doses profiláticas, todas as gestantes?

Inicialmente, é recomendado que toda gestante tenha o seu risco de evoluir com TEV avaliado. Existem alguns protocolos e scores clínicos já publicados com o intuito de definir, de maneira mais objetiva este risco. Porém, em sua grande maioria, os dados são extrapolados de não gestantes e os estudos não possuem ampla validação na população obstétrica. Ademais, não há dados suficientes para recomendar profilaxia medicamentosa de rotina. Sendo assim, devemos avaliar cada caso individualmente, sempre tentando balancear o risco de trombose versus o risco de sangramento. Nesse sentido, as recomendações a seguir tendem a seguir orientações de consensos internacionais, podendo variar conforme a fonte avaliada:

  • Sem história de TE ou trombofilia: seguimento habitual e anticoagulação profilática no puerpério se múltiplos fatores de risco (Ex: parto cesariano, obesidade, restrição ao leito, tabagismo, história familiar fortemente positiva, dentre outros)
  • TEV diagnosticada durante a gestação: anticoagulação terapêutica com HNF ou enoxaparina por três a seis meses. Nesses casos, a anticoagulação deve ser mantida por até 06 semanas após o parto (período de puerpério), ajustando-se a dose conforme risco tromboembólico individualizado da paciente. Pode-se optar pela anticoagulação com doses profiláticas ou intermediárias (sendo esta última descrita pela ACOG como 1mg/kg/dose com uma aplicação diária por via subcutânea) caso o período de tratamento já tenha terminado.
  • TEV prévio confirmado, sem trombofilia associada, e com fator causal resolvido: Seguimento habitual e anticoagulação profilática no puerpério se múltiplos fatores de risco (Ex: parto cesariano, obesidade, restrição ao leito).
  • História prévia de TEV único não provocado (inclui TEV em gravidez prévia): anticoagulação profilática ou dose intermediária ou terapêutica durante gravidez e pelo menos seis semanas pós-parto.
  • Trombofilia de baixo risco sem TEV prévio (Baixo risco: Fator V de Leiden em heterozigose, mutação do gene da protrombina em heterozigose, deficiência de proteina C ou S, SAAF): É possível seguimento habitual e anticoagulação profilática no puerpério se fatores de risco adicionais (Ex: parto cesariano, obesidade, restrição ao leito); (2) O uso de profilaxia em SAAF para evitar complicações obstétricas é controverso devido a limitação de estudos apesar de habitualmente empregado.
  • Trombofilia de baixo risco com história familiar (parente de 1º grau) positiva para TEV: Seguimento habitual ou anticoagulação profilática durante gravidez. Realizar dose profilática ou dose intermediária pelo menos seis semanas pós-parto.
  • Trombofilia de baixo risco com TEV único prévio: Anticoagulação profilática ou dose intermediária durante a gravidez e pelo menos seis semanas pós-parto.
  • Trombofilia de alto risco sem TEV prévio (Alto risco: Fator V de Leiden em homozigose, mutação do gene da protrombina em homozigose, dupla heterozigose para fator V de Leiden e protrombina, deficiência de antitrombina III): Anticoagulação profilática ou dose intermediária durante gravidez e pelo menos seis semanas pós-parto. Atenção: na deficiência de antitrombina III, a enoxaparina tem menor efeito devido ao mecanismo de ação, podendo ser necessário dose intermediária em deficiências moderadas a graves.
  • Trombofilia de alto risco com história familiar positiva ( parente de 1º grau)  ou história prévia de TEV único: Anticoagulação profilática ou dose intermediária ou terapêutica durante gravidez e pelo menos seis semanas pós-parto (manter mesma dose).
  • Dois ou mais episódios de TEV prévias a despeito de trombofilia: Anticoagulação com dose intermediária ou terapêutica durante gravidez e pelo menos seis semanas pós-parto (mantendo a mesma dose).

É muita conduta e pouca evidência…

De fato, a anticoagulação profilática pode ser um desafio na vida do ginecologista obstetra ou do médico assistente que acompanha o período de gestação. Mas lembre-se: sempre vamos tentar colocar na balança os riscos de sangramento e trombose, conversando com a família e acompanhando bem de perto esta paciente.

A profilaxia durante a gravidez tende a ser feita com heparina, mais comumente enoxaparina ou heparina não fracionada (HNF), podendo no período pós-parto optarmos por antagonistas da vitamina K. Até o momento, a bula dos anticoagulantes orais diretos – DOACs – não assegura o uso durante a gravidez e período da lactação. As doses, vantagens e desvantagens variam conforme indicação, medicação escolhida, período gestacional e particularidades do paciente em questão. A tendência é optar-se pela enoxaparina devido a sua maior confiabilidade terapêutica, menor risco de sangramento, menor risco de plaquetopenia induzida por heparina e tempo de meia vida mais longo. Porém devemos ficar atentosr para o fato de haver maior dificuldade para reverter seu efeito (em relação a HNF), assim como para sua meia vida mais longa, podendo influenciar no parto e no procedimento anestésico.

Ouça agora: Qual a investigação inicial da anemia e quando encaminhar o caso ao hematologista? [podcast]

Doses de heparina mais comumente utilizadas

Profilática

  • Enoxaparina: 40 mg SC por dia
  • HNF:  5000 a 10.000 UI SC 12/12 horas (O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia – ACOG – sugere a dose de 5000 para o primeiro trimestre, 7500 para segundo e 10000 para terceiro, exceto se PTTA alargado)

Intermediária

  • Enoxaparina: 40mg SC 12/12 horas

Terapêutica

  • Enoxaparina: 1mg/kg SC 12/12 horas
  • HNF: varia conforme instituição (ACOG sugere 10.000 UI ou mais SC 12/12H  ajustado para PTTA entre 1.5-2.5 após seis horas da última aplicação).
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Referências bibliográficas

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