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Ginecologia e Obstetrícia23 maio 2025

SNHGs no câncer de colo uterino desvendando os fios moleculares da doença

Estudo detalha como os SNHGs podem levar a diagnósticos mais precisos e terapias inovadoras no tratamento do câncer de colo uterino

O câncer de colo uterino continua sendo um fantasma que assombra milhões de mulheres no mundo, especialmente em regiões com acesso limitado aos serviços de saúde, desde a prevenção até o diagnóstico precoce. Apesar dos avanços no rastreamento e vacinação contra o HPV, muitas pacientes ainda enfrentam prognósticos desfavoráveis quando a doença é detectada em estágios avançados ou já com doença metastática. É aqui que este estudo ganha relevância: ele adentra no universo das moléculas que orquestram a agressividade desse câncer, focando em um grupo específico de RNAs longos não codificantes, os SNHGs. 

Essas moléculas, que até pouco tempo atrás eram consideradas “lixo genético”, mas hoje são vistas como peças-chave no quebra-cabeça da carcinogenese. Elas não produzem proteínas, mas regulam como os genes se comportam, influenciando desde a multiplicação descontrolada das células até sua capacidade de invadir outros tecidos.  

Quando esses RNAs saem do controle – como mostra o artigo –, o câncer de colo uterino se torna mais agressivo, resistente a tratamentos e propenso a se espalhar para outros órgãos. 

Entender esse mecanismo não é apenas uma curiosidade científica. Pode ser a chave para: 

– Diagnósticos mais precisos: identificar quais SNHGs estão alterados pode ajudar a prever se um tumor tem alto risco de metástase. 

– Terapias personalizadas: se sabemos que um SNHG específico alimenta o câncer, podemos desenvolver drogas para tentar silenciá-lo. 

– Superar a resistência a quimioterapia: o estudo mostra, por exemplo, que o GAS5 (um SNHG “protetor”) está diminuído em tumores resistentes a cisplatina. 

Em suma, o artigo não fala apenas de biologia molecular – fala de vidas que poderiam ser poupadas se decifrássemos melhor os códigos escondidos dentro no nosso DNA. 

Métodos do estudo 

Foi feita uma revisão sistemática seguindo o protocolo PRISMA, que é um padrão ouro para garantir que nada importante fosse deixado de lado. 

Buscaram nas bases de dados como PubMed e ScienceDirect, usando combinações de termos como “SNHG5 + câncer cervical”. Só entraram estudos publicados entre 2017 e 2022, em inglês, com dados experimentais concretos. Dos 3.803 artigos encontrados, apenas 12 passaram por todos os filtros. Dois revisores independentes checavam cada estudo, e um terceiro resolvia discordâncias. 

Dados clínicos: Estágio do tumor (FIGO), metástase em linfonodos, tamanho do tumor. Funções biológicas: Se o SNHG em questão acelerava a proliferação celular ou bloqueava a morte das células cancerosas. Mecanismos moleculares: quais microRNAs e vias de sinalização eram afetados por cada SNHG. 

Para avaliar a qualidade dos estudos, foram utilizadas ferramentas do Joanna Briggs Institute, classificando-os como baixo, moderado ou alto risco de viés. A maioria teve qualidade moderada a alta – um sinal de que as conclusões podem ser confiáveis. 

Resultados 

Os dados vieram de duas fontes principais: tecidos tumorais (amostras retiradas de pacientes durante biópsias ou cirurgias) e linhas celulares (células de câncer cervical cultivadas em laboratório, usadas para experimentos controlados). 

A maioria tinha tumores em estágios II a IV (FIGO), ou seja, cânceres já mais avançados. 

Muitas apresentavam metástase em linfonodos – um fator de pior prognóstico. 

Detalhes como idade ou etnia raramente foram relatados, uma lacuna importante, já que sabemos que fatores sociodemográficos impactam na progressão da doença. 

O estudo destacou oito SNHGs: SNHG 5, 7, 12, 14, 16, 17, 20 e GAS5. Todos, exceto o GAS5, estavam superexpressos nos tumores mais agressivos. Isso já é um indício forte de que essas moléculas não são meros espectadores – são protagonistas na história do câncer. 

Os achados mostram um retrato assustadoramente coerente: 

A) SNHGs como “combustível” para o câncer

– Proliferação desenfreada: quase todos os SNHGs estudados (como SNHG7 e SNHG16) aceleravam a multiplicação das células tumorais. Em laboratório, quando os pesquisadores silenciavam esses RNAs, o crescimento do tumor desacelerava. 

– Metástase: SNHG12 e SNHG17 estavam ligados à invasão de linfonodos. Eles ativavam a transição epitelial-mesenquimal (um processo que faz células cancerosas se soltarem e viajarem pelo corpo). 

– Resistência à morte: Tumores com SNHG14 alto evitavam a apoptose (o “suicídio” celular programado), tornando-se mais difíceis de eliminar. 

B) O caso intrigante do GAS5

Enquanto os outros SNHGs eram “vilões”, o GAS5 agia como “mocinho”: sua expressão estava reduzida nos tumores mais agressivos. Quando os cientistas forçavam sua reativação em células cancerosas, o crescimento do tumor diminuía. 

Pacientes com níveis baixos de GAS5 tinham menor sobrevida e maior resistência a cisplatina. 

C) Os mecanismos por trás do caos

Os SNHGs não agem sozinhos. Eles sequestram microRNAs (pequenos reguladores genéticos) como esponjas, impedindo que cumpram seu papel de frear o câncer. Por exemplo: 

– SNHG5 “engole” o miR-132, liberando a proteína SOX4 (que promove metástase). 

– SNHG20 bloqueia o miR-140-5p, ativando a via MEK/ERK – um sinal verde para a célula cancerosa invadir tecidos. 

Mensagem prática 

O que tudo isso significa para médicos e pacientes? Primeiro: os SNHGs podem se tornar marcadores de prognóstico. Imagina um exame que, além de ter a capacidade de diagnosticar o câncer, ele já indicasse a probabilidade de metástase ou resposta ao tratamento – isso permitiria personalizar a abordagem desde o início, desde a primeira consulta. 

Segundo: essas moléculas podem se tornar alvos terapêuticos em potencial. Se conseguirmos desenvolver drogas que silenciem SNHGs “ruins” (como o SNHG16) ou restaurem os “bons” (como o GAS5), talvez possamos frear a progressão tumoral com menos efeitos colaterais que a quimioterapia tradicional. 

Mas há desafios, como a complexidade: Cada SNHG regula múltiplos genes e vias, como um interruptor que controla várias lâmpadas. Intervir nessa rede exige precisão para evitar efeitos indesejados. Além disso, a diversidade humana: os estudos até agora focaram em populações específicas. Será que os mesmos padrões se mantêm em mulheres de diferentes origens étnicas ou regiões geográficas (que inclusive foram muito pouco representadas no estudo)? 

A mensagem para a prática clínica é de otimismo, porém com cautela. Os SNHGs não são ainda ferramentas prontas para o consultório no dia a dia, mas representam um caminho promissor que vale a pena explorar. 

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Referências bibliográficas

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