Ingurgitamento mamário: Quais as melhores estratégias durante lactação?
O ingurgitamento mamário consiste no enchimento patológico excessivo das mamas com leite, deixando-as doloridas e tensas, o que dificulta o aleitamento. Deve ser diferenciado da plenitude mamária normal, às vezes referida como ingurgitamento mamário fisiológico, que ocorre entre os dias 2 a 3 pós-parto.
Nessa situação, a ativação secretória da mama (lactogênese II) é desencadeada pelo declínio de progesterona com a retirada da placenta, havendo aumento subsequente dos níveis de prolactina, o que resulta em aumento da produção de leite e edema do tecido intersticial, deixando as mamas visivelmente maiores, mais quentes e ligeiramente desconfortáveis. Em mulheres com plenitude mamária normal, o fluxo de leite das mamas não é prejudicado e, com a amamentação eficiente, o desconforto desaparece em alguns dias.
Predisposição ao ingurgitamento mamário
- Retirada de leite ineficaz, seja por separação da mãe e do recém-nascido (RN), seja por práticas de alimentação restritivas e/ou sucção ineficaz;
- Hiperlactação (menos comum);
- Mamoplastia de aumento.
O ingurgitamento mamário não fisiológico é uma condição angustiante e debilitante que afeta entre 15 e 50% das mulheres que amamentam. Entretanto, a prevalência pode ser ainda maior, dependendo da definição utilizada. Por exemplo, em um estudo sueco realizado por Kvist e colaboradores em 2004, o ingurgitamento foi descrito como parte de um processo inflamatório, isto é, qualquer associação de eritema, dor, febre, tensão e resistência no tecido mamário. Nesse estudo, 75% das lactantes apresentaram sintomas dentro de oito semanas após o parto. Até 82% das mães com ingurgitamento mamário apresentam dificuldade para amamentar, levando ao agravamento da estase do leite.
Os sintomas de ingurgitamento ocorrem mais comumente entre o segundo e o quinto dias pós-parto, com pico no dia 5, mas podem ocorrer até o dia 14. Esses sintomas são geralmente difusos, bilaterais e podem estar associados a uma febre baixa. As complicações são comuns e incluem:
- Mamilos doloridos/fissurados;
- Mastite;
- Formação de abscesso;
- Redução do suprimento de leite;
- Introdução prematura de fórmulas;
- Desmame precoce.
O tratamento deve
- Proporcionar alívio rápido da dor mamária;
- Possibilitar a pega bem-sucedida do bebê na mama;
- Facilitar a drenagem eficiente do leite;
- Prevenir complicações conhecidas, como mastite e abscesso mamário;
- Resultar rapidamente em mamas mais amolecidas e não sensíveis, em que a mãe pode alimentar o bebê com facilidade e sucesso.
As recomendações atuais para o tratamento do ingurgitamento mamário incluem várias medidas com o objetivo de esvaziar a mama de forma suficiente para aliviar o desconforto, facilitar a amamentação e prevenir complicações.
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Isso inclui a aplicação de calor úmido na mama antes da amamentação para ajudar na absorção de ocitocina, aleitamento frequente, posicionamento correto e pega do bebê na mama, massagem suave imediatamente antes e durante a amamentação e aplicação de compressas frias após, juntamente com analgésicos (por exemplo, paracetamol) e medicamentos anti-inflamatórios (por exemplo, ibuprofeno), se necessário.
O apoio qualificado com o objetivo de ajudar a mãe a colocar seu bebê na mama o mais rápido e o mais frequentemente possível é fundamental para aliviar o ingurgitamento e manter a amamentação. Se a amamentação não for possível, recomenda-se a extração manual frequente ou uso de bombas de extração de leite para conforto, junto com outras medidas sintomáticas.
Estudo importante
Em 2 de outubro de 2019, os pesquisadores responsáveis pelo estudo acessaram o Cochrane Pregnancy and Childbirth’s Trials Register, o ClinicalTrials.gov, o WHO International Clinical Trials Registry Platform e listas de referência de estudos. Foram elegíveis todos os tipos de ensaios clínicos randomizados e todas as formas de tratamento para ingurgitamento mamário.
Para a coleta e análise de dados, dois revisores avaliaram os estudos de forma independente quanto à elegibilidade, extraíram os dados, conduziram a avaliação de ‘risco de viés’ e avaliaram a certeza das evidências usando o sistema GRADE.
As intervenções estudadas estão resumidas no quadro abaixo:
Terapia não farmacológica | Folha de repolho | Compostos de enxofre, encontrados nas folhas de repolho, podem aumentar a penetração de constituintes vegetais, como os flavonoides, na pele, levando ao aparente efeito anti-inflamatório e antiedematoso. As folhas são geralmente aplicadas frias, o que induz vasoconstrição e diminui ainda mais o edema. |
Compressas frias | Acredita-se que a aplicação de frio acalme e diminua o fluxo sanguíneo para a pele por vasoconstrição que, por sua vez, diminui o ingurgitamento. | |
Massagem na mama | A massagem suave das mamas parece induzir ao reflexo de ejeção do leite, mobilizando o leite e, portanto, reduzindo os sintomas de ingurgitamento mamário. Um exemplo é a massagem Oketani, uma massagem do tecido conjuntivo desenvolvida pela parteira Sotomi Oketani, realizada por massagistas treinados. A Oketani é uma prática popular entre as mulheres japonesas que amamentam (foi demonstrado que esse tipo de massagem afeta a composição do leite materno, aumentando o teor de lipídios). | |
Compressas de ervas | Acredita-se que várias ervas, como malva rosa, marshmallow, gengibre, cacto, babosa, açafrão e cânfora, tenham uma variedade de ingredientes ativos naturais com efeitos anti-inflamatórios, bactericidas e analgésicos. | |
Acupuntura | Segundo a medicina tradicional chinesa, a estimulação de certos pontos da pele por meio de acupuntura alivia obstruções no fluxo de energia, permitindo que o corpo se cure, levando a uma melhor microcirculação e fluxo de leite. | |
Gua Sha | A medicina tradicional chinesa propõe que 14 canais de energia, conhecidos como meridianos, percorram todo o corpo. Os meridianos que passam logo abaixo da superfície da pele apresentam pontos de acupuntura. Acredita-se que a estimulação desses pontos, usando um movimento de raspagem na pele, melhora a circulação e o metabolismo, removendo obstruções e revitalizando os meridianos. | |
Terapia por ultrassom térmico (contínuo) | Acredita-se que o tratamento possa facilitar a retirada do leite da mama ingurgitada, facilitando a descida do leite, levando a menos dor e tensão. | |
Terapia por ultrassom não térmico (onda pulsada) | O alívio do ingurgitamento é atribuído à sua propriedade de melhora da permeabilidade da membrana celular, facilitando a drenagem venosa e linfática das mamas. | |
Terapia farmacológica | Administração de ocitocina exógena | A glândula pituitária posterior libera o hormônio ocitocina, conhecido por causar a contração das células mioepiteliais mamárias que circundam os alvéolos produtores de leite, resultando na expulsão do leite para o mamilo (reflexo de ejeção). No ingurgitamento mamário, o reflexo de ejeção do leite pode ser inibido devido à congestão vascular na mama, impedindo que a ocitocina alcance as células mioepiteliais. Dessa forma, a ocitocina, devido ao seu papel na indução do reflexo de ejeção do leite, também foi proposta como um agente eficaz para o alívio do ingurgitamento mamário pós-parto. |
Terapia enzimática | Serrapeptase e protease parecem suprimir a inflamação, diminuindo e aliviando a dor e o edema. Além disso, acredita-se que possam acelerar a circulação sanguínea e linfática. | |
Anti-inflamatórios | Reduzem os sintomas de inflamação. |
Fonte: Adaptado de Zakarija-Grkovic & Stewart (2020)
Resultados
Foram incluídos 21 estudos (2170 mulheres randomizadas) conduzidos em uma variedade de configurações. Seis estudos usaram mamas isoladamente como unidade de análise. Os ensaios examinaram diversas intervenções: folhas de repolho, várias compressas de ervas (gengibre, cacto e aloe vera, malva-rosa), massagem (manual, eletromecânica, Oketani), acupuntura, ultrassom, acupressão (acupuntura sem agulhas), Gua Sha, compressas frias e tratamentos farmacológicos (serrapeptase, protease, ocitocina).
Devido à heterogeneidade, a meta-análise não foi possível e os dados foram relatados de ensaios individuais. A certeza da evidência foi rebaixada por limitações no desenho dos estudos, imprecisão e inconsistência de efeitos.
Conclusões
Os pesquisadores concluíram que, embora algumas intervenções possam ser promissoras para o tratamento do ingurgitamento mamário, como folhas de repolho, bolsas de gel frio, compressas de ervas e massagem, a certeza das evidências é baixa e não se pode tirar conclusões sólidas sobre seus verdadeiros efeitos.
Ao mesmo tempo, esses tratamentos podem ser calmantes, provavelmente não são prejudiciais, são baratos e facilmente disponíveis. Todavia, estudos futuros devem ter como objetivo incluir tamanhos de amostra maiores, usando as lactantes como unidades de análise e não somente as mamas.
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Referência bibliográfica:
- Zakarija-Grkovic I, Stewart F. Treatments for breast engorgement during lactation. Cochrane Database Syst Rev. 2020 Sep 18;9:CD006946. doi: 10.1002/14651858.CD006946.pub4. PMID: 32944940. https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD006946.pub4/full
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