Síndrome do intestino irritável: quais as diretrizes de tratamento?
A síndrome do intestino irritável é uma desordem crônica do eixo cérebro-intestino e caracteriza-se por dor abdominal recorrente,
A síndrome do intestino irritável (SII) é uma desordem crônica, altamente prevalente, do eixo cérebro-intestino. Caracteriza-se por dor abdominal recorrente, pelo menos uma vez na semana, relacionada a evacuação, alteração na frequência evacuatória e/ou forma das fezes. Recentemente, o Colégio Americano de Gastroenterologia publicou novas diretrizes com atualizações no tratamento de SII.
Os principais pontos são apresentados e discutidos abaixo:
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Recomenda-se a realização de sorologia para doença celíaca em pacientes com suspeita de SII-diarreia. A diretriz sugere uso de antitransglutaminase IgA e dosagem de IgA total para rastreamento.
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- Em metanálise recente, incluindo 15.256 pacientes com critérios para síndrome do intestino irritável, a prevalência de anticorpos antiendomísio ou antitransglutaminase foi de 2,6% (IC 95% 1,6-3,8%) e de doença celíaca confirmada por biópsia de 3,3% (IC 95% 2,3-4,5%). Pacientes com sintomas de SII tiveram 4,48 vezes mais chance de ter doença celíaca comparados a controles.
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Recomenda-se realização de calprotectina fecal ou lactoferrina fecal e proteína C reativa em pacientes sem sinais de alarme com suspeita de SII-diarreia para afastar doença inflamatória intestinal.
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- Apesar da prevalência de doença inflamatória intestinal (DII) ser baixa em pacientes com suspeita de SII-diarreia sem sinais de alarme, estudos demonstraram incidência 2,6 a 5 vezes maiores de DII após 5 anos de sintomas.
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Recomenda-se não realizar rastreamento de patógenos entéricos de rotina para todos pacientes com suspeita de síndrome do intestino irritável.
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- A diretriz se posiciona a favor do rastreamento de giardíase em pacientes de países subdesenvolvidos, dada alta prevalência, além daqueles expostos a fatores de risco.
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Recomenda-se não realizar colonoscopia de rotina para pacientes com menos de 45 anos, sem sinais de alarme, com sintomas de síndrome do intestino irritável.
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- São considerados sinais de alarme pela diretriz: hematoquezia; melena; perda de peso não intencional; idade de início dos sintomas tardia; e história familiar de DII, neoplasia de cólon ou qualquer doença gastrointestinal significativa.
- Chey e colaboradores demonstraram menor prevalência de pólipos colônicos em pacientes com SII (7,7% vs 26,1%), independente da idade, embora o motivo não seja claro.
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Recomenda-se realização de estratégia positiva, baseada em sintomas, para diagnóstico de SII, ao invés da estratégia de diagnóstico por exclusão. Com isso, espera-se reduzir o tempo para início da terapia apropriada e melhorar a relação de custo-efetividade.
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- História clínica detalhada, focada em sintomas-chave como dor abdominal e alteração do hábito intestinal, na ausência de sinais de alarme, com duração superior a 6 meses, associado a exame físico e poucos testes laboratoriais é suficiente para diagnosticar SII.
- A estratégia positiva não é inferior ao diagnóstico de exclusão de acordo com diversos estudos.
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Recomenda-se classificar o paciente por subtipo de SII, o que pode direcionar a terapia.
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- Existem 4 subtipos de SII cuja classificação deve ser feita pela escala de Bristol.
- SII-constipação: > 25% das evacuações com fezes Bristol 1 ou 2, com fezes Bristol 6 ou 7 em menos de 25% das vezes.
- SII-diarreia: > 25% das evacuações com fezes Bristol 6 ou 7, com fezes Bristol 1 ou 2 em menos de 25% das vezes.
- SII-mista: > 25% das evacuações com fezes Bristol 1 ou 2 e > 25% das evacuações com fezes Bristol 6 ou 7.
- SII-não classificada: não pode ser determinada.
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Recomenda-se não realizar testes para alergia ou sensibilidade alimentar para todos pacientes com sintomas de síndrome do intestino irritável, a menos que haja sintomas reprodutíveis sugestivos de alergia.
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- Alergias alimentares são pouco prevalentes em adultos, atingindo cerca de 1-3% dos indivíduos. São mais frequentes em pacientes atópicos e não apresentam correlação com SII. O diagnóstico deve ser baseado na história clínica de reação à ingestão de determinado alimento, reprodutível com re-exposição (ex: prurido no palato e lábios, angioedema, rinorreia, edema periorbital, disfagia, laringoespasmo, broncoespasmo, náusea, vômito, anafilaxia, etc). Os testes alérgicos apresentam baixa especificidade e sua realização indiscriminada pode resultar em falsos positivos.
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Recomenda-se realização de testes anorretais em pacientes com SII e sintomas sugestivos de desordem do assoalho pélvico e/ou constipação refratária não responsiva ao tratamento padrão.
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- Estima-se maior prevalência de desordens do assoalho pélvico em pacientes com SII-constipação, atingindo 44% em alguns estudos.
- Sugere-se realização de manometria anorretal e teste de expulsão de balão e/ou defecografia em pacientes refratários ao tratamento convencional ou suspeita de dissinergia.
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Recomenda-se tentativa limitada de dieta pobre em FODMAP para pacientes com síndrome do intestino irritável, visando à melhora de sintomas globais.
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- A dieta pobre em FODMAP foi associada a redução de sintomas globais (RR 0,69; IC 95% 0,54-0,88%). Geralmente, os pacientes respondedores podem ser identificados após 2-6 semanas de dieta. Sugere-se reintrodução gradual dos alimentos, objetivando identificar as sensibilidades e individualizar a dieta.
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Recomenda-se uso de fibras solúveis e não as insolúveis para tratamento dos sintomas globais de síndrome do intestino irritável.
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- O uso de fibras solúveis, viscosas e pouco fermentáveis pode trazer benefícios no controle de sintomas de pacientes com SII.
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Recomenda-se não utilizar antiespasmódicos para tratamento de sintomas globais de SII.
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- No caso da diretriz em questão, avaliou-se os antiespasmódicos disponíveis nos Estados Unidos, a saber: diciclomina, bromidrato de hiosciamina e hioscina. Considerou-se limitada a evidência de benefício nos estudos analisados.
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Recomenda-se utilizar óleo de hortelã-pimenta (Mentha piperita) para alívio dos sintomas de SII.
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- Estudo de metanálise, com 835 pacientes portadores de SII, demonstrou 2,39 vezes mais chances de melhora de sintomas globais com uso de óleo de hortelã-pimenta versus o placebo.
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Recomenda-se não utilizar probióticos para tratamento de sintomas globais de SII.
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- A diretriz reforça a necessidade de mais estudos, dada heterogeneidade de dados, cepas e doses empregados nos trabalhos até o momento.
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Recomenda-se não utilizar polietilenoglicol (PEG) para aliviar sintomas globais de pacientes com SII-constipação.
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- Estudos não demonstraram benefício do uso de PEG para controle de sintomas/dor abdominal em pacientes com SII, embora aumente a frequência de evacuação e possa ser utilizado para tratar a constipação.
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Recomenda-se utilizar ativadores do canal de cloro para tratar sintomas globais de pacientes com SII-constipação.
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- Estudos demonstraram benefício da utilização de lubiprostona 8 microgramas de 12/12 horas para alívio dos sintomas em pacientes com SII-constipação (23,8% x 12,6% no placebo). Com relação a efeitos colaterais, pode causar diarreia (6-14%) e náusea (8-19%).
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Recomenda-se utilizar ativadores da guanilato ciclase para tratar sintomas globais de pacientes com SII-constipação
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- Existem dois medicamentos aprovados pelo FDA: linaclotida e plecanatida. Ambos não são disponíveis no Brasil.
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Recomenda-se utilizar agonista 5-HT4 (Tegaserode) para tratamento de SII-constipação em mulheres com menos de 65 anos com ≤ 1 fator de risco cardiovascular, que não responderam a tratamento com secretagogo.
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- Estudo de metanálise com 9242 pacientes com SII demonstrou redução de sintomas em pacientes com SII-constipação (RR 0,85; IC 95% 0,8-0,9). No entanto, observa-se aumento do risco de eventos cardiovasculares isquêmicos (0,11% x 0,01%). Em mulheres com menos de 65 anos e ≤ 1 fator de risco cardiovascular, o risco foi 0,01%, por isso a recomendação específica para utilização somente nesse subgrupo de pacientes.
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Recomenda-se não utilizar sequestradores de sais biliares para tratamento de sintomas globais de SII-diarreia.
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- O uso de sequestradores de sais biliares, como colestiramina, pode ser utilizado em pacientes com suspeita de má-absorção de sais biliares.
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Recomenda-se utilizar rifaximina para tratamento de sintomas globais de SII-diarreia.
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- Metanálise demonstrou benefício da rifaximina no tratamento de pacientes com SII-diarreia com NNT = 9. Estudos demonstraram segurança na realização de até 3 cursos de rifaximina por 2 semanas cada.
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Recomenda-se utilizar alosetrona para aliviar sintomas globais de SII-diarreia em mulheres com sintomas graves que falharam a terapia convencional.
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- Alosetrona não está disponível no Brasil.
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Recomenda-se utilizar agonistas/antagonistas mistos de opioide no tratamento de sintomas globais de SII-diarreia.
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- A diretriz sugere uso de eluxadolina, um agonista misto dos receptores opioides mu e kappa e antagonista dos receptores de opioides delta de ação local. Esse medicamento não está disponível no Brasil.
- Loperamida não foi recomendada pela diretriz como primeira linha de tratamento, uma vez que não melhora os sintomas globais de SII, embora melhore a diarreia. No entanto, persiste como opção no Brasil.
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Recomenda-se utilizar antidepressivos tricíclicos para o tratamento de sintomas globais de síndrome do intestino irritável.
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- Metanálise demonstrou benefício do uso de tricíclicos no tratamento de pacientes com SII com NNT = 4,5.
- A diretriz recomenda iniciar o tricíclico em baixa dose com aumento gradativo até melhora dos sintomas. O benefício pode ser maior em pacientes com SII-diarreia dado os efeitos anticolinérgicos.
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Recomenda-se psicoterapia direcionada ao eixo cérebro-intestino para tratamento de sintomas globais de síndrome do intestino irritável.
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Recomenda-se não realizar transplante de microbiota fecal para tratamento de sintomas globais de síndrome do intestino irritável.
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- As evidências do uso de transplante fecal na SII ainda são escassas e de baixa qualidade, motivo pelo qual não é possível se recomendar essa técnica nesse momento.
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Referências bibliográficas:
- Lacy BE, et al. ACG clinical guideline: management of irritable bowel syndrome. Am J Gastroenterol. 2020; 00: 1-28. doi: 14309/ajg.0000000000001036.
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