As intolerâncias alimentares, como intolerância à lactose, têm se tornado um tema cada vez mais relevante, o que estimula estudos e melhora as abordagens. Gases, inchaço, distensão, dor abdominal e diarreia são sintomas gastrointestinais comuns que podem permanecer inexplicáveis após endoscopia de rotina, exames de imagem, bioquímicos e de fezes.
Muitas queixas que antes permaneciam sem diagnóstico e com tratamento apenas para controle sintomático, agora estão sendo devidamente identificadas, com tratamento adequado e melhora da qualidade de vida do paciente. Esses pacientes devem ser avaliados para supercrescimento bacteriano do intestino delgado e/ou intolerâncias alimentares mais frequentes, à lactose e frutose.
Leia também: Como diagnosticar e tratar a intolerância à lactose
O que é intolerância à lactose?
A lactose é um açúcar dissacarídeo, presente em produtos lácteos. A intolerância à lactose é uma síndrome clínica caracterizada por distensão abdominal, flatulência, diarreia e dor devido à má absorção de lactose e decorrente da deficiência da enzima lactase, que quebra a lactose em D-glicose e D-galactose. Se não for absorvida, a lactose atinge o cólon, onde é fermentada por bactérias que produzem hidrogênio, metano e outros gases, podendo causar sintomas abdominais e a síndrome clínica observada na intolerância à lactose.
Nem todos os pacientes com deficiência de lactase desenvolvem sintomas, e seu aparecimento também é influenciado por outros fatores, incluindo a quantidade e forma de consumo de lactose (leite vs. queijo), o grau de deficiência da enzima ou mecanismos compensatórios, como uso da lactase.
A prevalência de intolerância à lactose varia entre diferentes grupos étnicos. A prevalência é de 15% nos caucasianos, 53% nos hispânicos, 80% naqueles com ascendência africana, 70% nos indianos e 90% nos japoneses. Globalmente, é a causa mais comum de intolerância alimentar, sendo que 65% dos adultos têm alguma diminuição na atividade da lactase após a infância.
Pacientes com intolerância à lactose têm escores de qualidade de vida mais baixos e muitos evitam a lactose mesmo sem diagnóstico adequado, o que pode levar a efeitos a longo prazo tais como, deficiência na aquisição de massa óssea, perda de densidade mineral óssea e fratura de risco osteoporótico. Pacientes sabidamente intolerantes à lactose podem desenvolver supercrescimento bacteriano do intestino delgado.
Diagnóstico de intolerância à lactose
Os testes diagnósticos recomendados para intolerância a lactose estão apresentados na tabela a seguir.
TESTE RESPIRATÓRIO HIDROGÊNIO/METANO | ANÁLISE DA ENZIMA LACTASE | TESTE GENÉTICO | |
Método | Mede o aumento de hidrogênio e/ou
metano no ar expirado após 25 g administração oral de lactose | Biópsia da terceira parte do duodeno | Teste de sangue para polimorfismos do gene LCT |
Teste positivo | Aumento de hidrogênio (≥20 ppm) ou
metano (≥15 ppm) ou combinado (≥20 ppm) acima da linha de base em presença de sintomas gastrointestinais | Atividade de lactase reduzida ou ausente
(<17-20 UI/g) | Presença de polimorfismos: 13910
C>T 22018 G>A |
Vantagens | Custo-benefício
Minimamente invasivo Amplamente disponível Fácil de executar Alta sensibilidade e especificidade Padrão ouro. | Pode excluir causas secundárias de
deficiência de lactase Falsos positivos são raros Útil quando o teste de respiração é negativo e a suspeita clínica permanece alta | Confirma a deficiência primária do gene da lactase em caucasianos
Minimamente invasivo Falsos positivos são raros |
Desvantagens | Demorado
Falsos positivos (por exemplo, Supercrescimento bacteriano do intestino) Falsos negativos Não é possível excluir causas secundárias | Invasivo
Caro Possibilidade de falsos negativos se expressão irregular da enzima ao longo mucosa | Menos útil na etnia não caucasiana
Não é possível descartar causas secundárias Caro Não amplamente disponível |
Há, ainda, o teste sanguíneo de tolerância a lactose, utilizado amplamente em nosso meio, pelo custo acessível e alta disponibilidade, que consiste em administração de dose oral (50g de lactose) e dosagens de glicemia em jejum, 30, 60 e 90 min após a ingesta do substrato. O teste é positivo se há sintomas intestinais e aumento de menos de 20mg/dL no nível sérico de glicose acima do valor obtido em jejum. Tem a desvantagem de ser uma dosagem indireta da intolerância, com resultados falsos-positivos em 20% dos casos.
Como tratar
O principal objetivo é tratar e prevenir sintomas digestivos. O primeiro passo é a educação sobre a intolerância à lactose juntamente com exclusão/redução de produtos contendo lactose (por exemplo, leite de vaca e cabra, queijos, etc.). Muitos pacientes podem tolerar até 12-15 g de lactose por dia. A terapia de reposição da enzima lactase também pode ser útil. O uso de probióticos não está indicado de rotina.
O que é supercrescimento bacteriano do intestino delgado?
A disbiose do intestino delgado é cada vez mais reconhecida como uma causa comum de sintomas gastrointestinais e envolve várias infecções, como Supercrescimento bacteriano do Intestino Delgado, supercrescimento fúngico (SIFO) e intestino delgado supercrescimento metanogênico (SIMO).
O supercrescimento bacteriano é caracterizada pela presença de um número excessivo de bactérias ou metanógenos no intestino delgado causando sintomas gastrointestinais, como inchaço, distensão abdominal, flatulência, desconforto, diarreia, constipação e perda ponderal. Esses sintomas são prevalentes em mais de dois terços destes pacientes. Não há um sintoma específico que a caracterize.
O intestino delgado normal tem baixíssima concentração bacteriana e é regulado por vários mecanismos para garantir esse ambiente, mas a perda de um ou mais fatores pode resultar em disbiose com alteração microbiana. Fatores de risco independentes para disbiose intestinal incluem dismotilidade do intestino delgado, cirurgias prévias do Trato Gastrointestinal (incluindo colectomia, cirurgia bariátrica e síndrome da alça cega), uso de Inibidores de bomba de prótons e de opióides e/ou anormalidades estruturais (diverticulose do intestino delgado, esclerodermia e pseudo-obstrução intestinal).
Diagnóstico de supercrescimento bacteriano do intestino delgado
O diagnóstico é melhor realizado através de teste de respiração de hidrogênio/metano e/ou aspirado de intestino delgado e cultura. Existem outros métodos, disponíveis demonstrados na tabela abaixo:
TESTE DIAGNÓSTICO | PROTOCOLO DE TESTE | INTERPRETAÇÃO | PERFORMANCE DIAGNÓSTICA | LIMITAÇÕES |
Aspirado e cultura duodenal/jejunal | Três ml de secreção duodenal.
Amostra enviada para culturas aeróbica, anaeróbica e fúngica | Teste positivo: pelo menos 10³ UFC/ml (65,5% de concordância
entre teste respiratório de glicose e aspirado duodenal/ cultura) | Atualmente, amplamente aceito
como o melhor método diagnóstico para SIBO. Rendimento diagnóstico: 60%
| O teste é invasivo,
demorado, e caro |
Teste respiratório com glicose | 75 g de glicose em 250 ml de
água. Amostras respiratórias coletadas no basal e a cada 15 minutos por 90 minutos e última medida aos 120 minutos, tanto para hidrogênio quanto metano | Aumento em hidrogênio pelo menos 20 ppm da linha de base
Ou aumento de metano pelo menos 10 ppm da linha de base
| Sensibilidade: 20-93%
Especificidade: 30-86% | Um teste negativo
exclui supercrescimento proximal, mas não distal. Indicado com cuidado para pacientes com diabetes |
Teste respiratório com lactulose | 10g de lactulose em 100 ml de
água. Amostras respiratórias coletadas no basal e a cada 15 minutos por 90 minutos e última medida aos 120 minutos, tanto para hidrogênio quanto metano | Interpretação dos resultados do teste requer confiável
diferenciação do pico colônico para o pico do intestino delgado. Teste positivo: aumento de linha de base pelo menos 20 ppm de hidrogênio em 90 min | Sensibilidade: 31-68%
Especificidade: 44-100%
| Pode acelerar o trânsito intestinal, gerando resultados falsos positivos.
Pode causar distensão abdominal. Interpretação difícil se houver apenas um pico de elevação dos níveis de hidrogênio. |
Como tratar
O tratamento da Supercrescimento bacteriano tem como objetivo a erradicação das bactérias no intestino delgado. Rifaximina ou metronidazol são opções terapêuticas segundo a literatura, mas os sintomas podem reaparecer mesmo após um tratamento bem-sucedido. Outras terapias, como probióticos, dietas terapêuticas e fitoterápicos têm sido utilizados, mas ainda carecem de comprovação científica.
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