As diretrizes da British Society of Gastroenterology para as Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) em adultos, publicadas no prestigiado periódico Gut em 2025, compilaram o estado da arte atual sobre o tema e as principais mudanças em relação à versão de 2019 nós destacamos para você!
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Retocolite ulcerativa (RCU)
- Além da terapia anti-TNF, vedolizumabe, ustekinumabe e tofacitinibe, que já constavam na versão anterior, uma série de drogas novas foram incorporadas: filgotinibe, upadacitinibe (iJAK1), ozanimode e etrasimode (moduladores de S1P) e os anti-IL-23/IL-23p19 mirikizumabe e risanquizumabe.
- Para RCU grave aguda, passou-se a considerar iJAK de ação rápida (tofacitinibe, upadacitinibe) como opção terapêutica de resgate em cenários selecionados após falha de corticoide, embora mantenha o destaque para a ciclosporina e infliximabe para os pacientes que não respondem até o 3° dia de corticoterapia e colectomia subtotal com ileostomia para a falha terapêutica no 7° dia.
- Houve a proposição de um algoritmo prático de calprotectina fecal:
- < 100 µg/g → alta probabilidade de remissão endoscópica;
- 100–200 µg/g → zona cinza (repetir exame/observar tendência);
- > 200 µg/g (limite superior de 250 μg/g para a doença de Crohn) → avaliar colonoscopia pela baixa probabilidade de remissão endoscópica.
- Na monitorização da remissão, além dos índices clínicos, laboratoriais (hemoglobina, PCR e calprotectina fecal), exames seccionais de imagem, endoscópicos e histológicos, ganhou força o papel da ultrassonografia intestinal, que inclui a avaliação da espessura intestinal, Doppler, padrão das haustrações e borramento de gordura, com forte correlação com os escores endoscópicos.
Doença de Crohn (DC)
- O risanquizumabe (anti-IL-23 p19) e upadacitinibe foram introduzidos como opções recomendadas para indução e manutenção de remissão em doença moderada a grave.
- O vedolizumabe foi rebaixado: o guideline de 2025 não sugere vedolizumabe para DC moderada a grave, por efeito modesto e início de ação mais lento, o que corresponde exatamente à percepção prática dos gastroenterologistas desde que a droga chegou no mercado.
- Em 2019, a profilaxia pós-ressecção ileocecal focava em tiopurinas e/ou anti-TNF, com 5-aminossalicilatos sendo considerados ineficazes. Em 2025, recomenda-se anti-TNF ou vedolizumabe na prevenção de recorrência pós-operatória em pacientes de alto risco, e tiopurinas/5-ASA deixam de ser protagonistas na profilaxia.
- Após dois anos de comboterapia (anti-TNF + tiopurina), a retirada da azatioprina ou 6-mercaptopurina pode ser considerada em casos selecionados de remissão clínica há mais de 6 meses, com o propósito de reduzir o risco de malignidades (linfoma e câncer de pele não melanoma) e infecções oportunistas, mas com o contraponto de risco aumentado de recidiva e perda secundária da resposta ao tratamento.
Antibióticos, probióticos e transplante de microbiota fecal (TMF)
O guideline de 2019 deixava alguma abertura para uso de probióticos em RCU leve/moderada e considerava TMF em contexto experimental. Já em 2025, a mensagem ficou mais clara: na manutenção de remissão da RCU e DC, os probióticos não são recomendados, os antibióticos de longo prazo não são sugeridos e o TMF é desencorajado fora de estudos clínicos.
Tiopurinas e anti-TNF: monitorização dos níveis séricos
Em 2019, o texto reconhecia o valor da dosagem de metabólitos (6-tioguanina e 6-metil-mercaptopurina), mas ressaltava que não estava claro se a monitorização rotineira era benéfica para todos. Já em 2025, houve a sugestão de usar a dosagem dos metabólitos para otimizar a eficácia terapêutica e reduzir a toxicidade. As ferramentas, infelizmente, são de acesso extremamente limitado na prática cotidiana brasileira.
Para os anti-TNF (infliximabe, adalimumabe e certolizumabe), a dosagem de níveis séricos deve ser reservada para suspeita de perda secundária de resposta:
- Níveis terapêuticos → sugere falha farmacodinâmica → trocar a classe.
- Níveis baixos → sugere falha farmacocinética (anticorpos antidroga) → ajustar dose ou associar imunossupressor.
Segurança de iJAK e S1P
- Em relação aos iJAK, deve-se ter cautela em idosos (> 65 anos), tabagistas e indivíduos com risco cardiovascular aumentado. Recomenda-se avaliação do lipidograma e consideração de estatinas concomitantes.
- Para os moduladores do S1P, foi detalhado o risco de bradiarritmias, bloqueios atrioventriculares, insuficiência cardíaca e maculopatia, recomendando-se, antes do tratamento, a realização de ECG e avaliação oftalmológica.
Vacinas: COVID-19 e zoster recombinante
- O esquema de vacinação para SARS-CoV-2 para imunossuprimidos segue a orientação geral de reforços semestrais (primavera/outono).
- Houve atualização da recomendação para herpes-zoster com a vacina recombinante (Shingrix®): considerar para todos indivíduos ≥50 anos em imunossupressão e discutir vacinar todos com mais de 18 anos candidatos aos iJAK ou S1P.
- A contraindicação de vacinas vivas (tríplice viral, febre amarela, varicela-zóster, rotavírus e poliomielite oral) durante a terapia avançada foi reforçada, bem como a necessidade de janela de 4 semanas antes de iniciar a terapia avançada e ≥3 meses após suspender.
| Imunizações estratégicas na DII |
| ● Influenza anual;
● Antipneumocócica com reforço em 5 anos (ou PCV20 em esquema único); ● SARS-CoV-2 bimestral; ● HPV para mulheres (com atualização do exame preventivo ginecológico); ● Vacina recombinante contra herpes-zóster (Shingrix®) em pacientes acima de 50 anos ou acima de 18 anos em uso de inibidores de JAK. No Brasil, deve-se consultar o calendário dos pacientes especiais da Sociedade Brasileira de Imunizações. https://sbim.org.br/images/calend-vacinacao-pacientes-especiais-2025-250312-web.pdf_2025-03-12.pdf |
Gestação e lactação:
- Foi reiterado que o principal fator de risco para desfechos materno-fetais desfavoráveis é a atividade da própria DII. Portanto, a concepção deve se dar somente após remissão clínica por pelo menos 3 meses.
- O novo guideline traz uma tabela de segurança na gestação/puerpério e reforça que os iJAK (tofacitinibe, upadacitinibe, filgotinibe), moduladores do S1P (ozanimode, etrasimode) e metotrexato são contraindicados na gestação ou amamentação pelo risco de teratogenicidade e devem ser suspensos pelo menos 3 meses antes da concepção.
- Por outro lado, para o vedolizumabe e ustekinumabe, coortes e registros de vida real sugerem baixo risco na gestação e amamentação.
- Mulheres com doença ativa no 3° trimestre de gravidez devem receber profilaxia para tromboembolismo venoso.
- Quando os biológicos são mantidos durante a gestação (o que é natural para a maioria deles, pois o pior cenário é a doença entrar em atividade nesse período), as vacinas vivas do recém-nascido (incluindo a BCG) devem ser postergadas para após 12° mês de vida.
Conclusão e Mensagens práticas
Os avanços terapêuticos no âmbito das doenças inflamatórias intestinais têm gerado grande entusiasmo, mas também a necessidade de atualização constante sobre o tema, tanto de um ponto de vista individual, como do ponto de vista de gestão da saúde pública e suplementar, por meio da incorporação racional de novas ferramentas e tecnologias. Nesse sentido, a diretriz britânica de 2025 compilou as evidências atuais para o manejo da retocolite ulcerativa e doença de Crohn.
Autoria

Leandro Lima
Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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