A doença hepática crônica é importante causa de mortalidade e está associada a aumento do risco de câncer de fígado. A incidência do câncer de fígado vem aumentando nos últimos anos e até 40% dos pacientes com esse tipo de câncer não apresentam os fatores de risco mais clássicos, como infecção por hepatite B ou C, distúrbios metabólicos (diabetes e obesidade), consumo abusivo de álcool ou consumo de aflatoxinas. Dessa forma, é importante estudar fatores de risco dietéticos para o câncer de fígado e para a mortalidade decorrente a doença hepática crônica.
O consumo de bebidas açucaradas/adoçadas artificialmente é muito frequente, sendo que estudos prévios já demonstraram que cerca de 65% dos norte-americanos fazem uso diário dessas bebidas. Isso está associado a um aumento de risco de cânceres como de mama, intestino e próstata.
Um estudo recente teve como objetivo avaliar as associações entre a ingestão de bebidas adoçadas com açúcar e artificialmente e a incidência de câncer de fígado e mortalidade por doença hepática crônica.
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Métodos
Trata-se de um estudo observacional, prospectivo, do tipo coorte, incluindo 98.786 mulheres na pós-menopausa com idades entre 50 e 79 anos. Essas mulheres foram inscritas na Women’s Health Initiative no período entre 1993 e 1998 em 40 centros clínicos nos Estados Unidos, sendo então acompanhadas até 1 de março de 2020.
A avaliação da ingestão de bebidas açucaradas ou adoçadas artificialmente foi avaliada através de questionário de frequência alimentar administrado no início do estudo. Inicialmente, as participantes foram solicitadas a avaliar sua ingestão de refrigerantes não diet e bebidas adoçadas artificialmente durante os últimos 03 meses. As categorias foram agrupadas em: três ou menos porções por mês; uma a seis porções por semana e uma ou mais porções por dia. A ingestão mediana de cada categoria foi designada para criar variáveis contínuas. A ingestão dessas bebidas foi medida durante três anos de acompanhamento.
Os dois desfechos primários foram incidência de câncer de fígado e mortalidade por doença hepática crônica.
Resultados
As análises de ingestão de bebidas açucaradas incluíram 98.786 mulheres. Foram excluídas participantes sem dados quanto à ingestão de bebidas adoçadas artificialmente, reduzindo o tamanho da amostra para 64.787 para essa análise.
Foi realizado um acompanhamento médio de 20,9 anos. Durante esse período, 207 mulheres desenvolveram câncer de fígado e 148 morreram devido a complicações de doença hepática crônica.
Inicialmente, 6,8% das mulheres consumiam 1 ou mais porções de bebidas açucaradas por dia e 13,1% consumiam 1 ou mais porções de bebidas adoçadas artificialmente por dia em 3 anos de acompanhamento.
Ao se comparar com o grupo de mulheres que ingeriam 3 ou menos porções de bebidas açucaradas por mês, o grupo com consumo de 1 ou mais porções por dia apresentou risco significativamente maior de câncer de fígado (18,0 vs 10,3 por 100.000 pessoas-ano [p 0. 02]; HR ajustada 1,85 [IC 95%, 1,16-2,96]; P = 0,01). O mesmo foi demonstrado para a mortalidade por doença hepática crônica (17,7 vs 7,1 por 100.000 pessoas-ano [p <0,001]; HR ajustada, 1,68 [95% CI, 1,03-2,75]; P = 0,04). Todavia, não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de câncer de fígado e de mortalidade por doença hepática crônica entre os grupos que ingeriam 3 ou menos porções de bebidas adoçadas artificialmente por mês e o grupo que consumia 1 ou mais porções por dia.
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Conclusão e mensagens práticas
O estudo em questão demonstrou associação estatisticamente significativa da maior ingestão de bebidas açucaradas e aumento do risco de câncer de fígado e mortalidade por doença hepática crônica. Todavia, não demonstrou associações estatisticamente significativas da ingestão de bebidas adoçadas artificialmente com esses problemas.
Sabemos que, ao substituir açúcar por adoçantes artificiais, reduzimos a ingestão calórica. Com isso, pode haver redução da obesidade, de picos glicêmicos e de depósito de gordura hepática, reduzindo complicações por doença hepática crônica.
Todavia, esse estudo apresenta vieses em seu questionário e por se tratar de estudo observacional, não permite inferir relação de causalidade. Os dados relacionados às bebidas adoçadas artificialmente diferem dos dados para outros tipos de cânceres, o que deve motivar mais estudos.
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