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Gastroenterologia28 setembro 2021

Como a alimentação pode influenciar no sistema imune infantil?

O Jornal de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica abordou qual seria o papel da alimentação no sistema imune infantil. Saiba mais.

A edição de setembro do Jornal de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica (Jornal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, sigla em inglês, JPGN) trouxe um tema atualmente muito debatido no meio acadêmico: qual seria o papel da alimentação no sistema imune infantil? 

 Já está bem estabelecido que a ingesta ou absorção inadequada de macro e micronutrientes pode cursar com disfunção imunológica. Porém, o papel imunomodulador de cada nutriente, presente ou não em quantidades adequadas na dieta de uma criança, permanece sob forte discussão. Com o objetivo de elucidar melhor esta questão, os autores Elvira Verduci e Jutta Koglmeier revisaram os dados disponíveis na literatura vigente. Trouxemos os aspectos mais interessantes deste trabalho nesta matéria.  

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sistema imune

O papel das proteínas 

A desnutrição proteico-calórica está relacionada a disfunção imunológica e aumento de susceptibilidade a infecções. Pode cursar com perda do tecido linfoide e desregulação do microbioma, prejudicando a função de barreira do trato gastrointestinal. À medida que ocorrem infecções, há prejuízo das altas taxas de proliferação celular e replicação de DNA que o epitélio intestinal necessita para seu adequado funcionamento. Além disso, a deficiência de proteínas impacta nas funções dos órgãos hematopoiéticos e linfoides, como o timo, medula óssea, baço, linfonodos e tecido linfoide associado à mucosa e compromete a função das imunidades inatas e adquiridas. 

A arginina é essencial para o adequado funcionamento dos sistemas cardiovascular e imune e para a cicatrização de feridas. No contexto de pós-operatório, este aminoácido é capaz de estimular a resposta de macrófagos e monócitos, além de ser substrato para o adequado funcionamento das células T. O uso de nutrições parenterais enriquecidas com arginina em pacientes com peritonite foi correlacionado com maior sobrevida. Além disso, nutrições enterais contendo arginina, nucleotídeos e ômega 3 foram correlacionadas a melhor funcionamento do sistema imune infantil. Ácidos graxos constituintes do ômega 3 (eicosapentaenóico [EPA] e docosahexaenóico [DHA]) são capazes de suprimir o estado pró-inflamatório induzido por baixos níveis de arginina. E, aparentemente, a suplementação de arginina está relacionada à prevenção de enterocolite necrotizante em prematuros. Até o momento, existem poucos estudos clínicos randomizados avaliando a suplementação da arginina na infância. 

Mais conhecido que o aminoácido anterior, a glutamina também exerce importante papel imunorregulatório, sendo essencial para a proliferação de linfócitos, produção de citocinas, ativação de macrófagos e neutrófilos. Em pacientes saudáveis e com dieta balanceada, suplementar glutamina não é necessário. Entretanto, em vigência de catabolismo ou baixa ingesta proteica, a reposição do aminoácido pode ser requerida. Desta forma, é importante manter uma ingesta proteica adequada, sobretudo nos períodos de crescimento acelerado, como são os primeiros ano de vida e a puberdade.   

Peptídeos bioativos também exercem importantes funções imunorreguladoras. A maioria dos estudos se concentra nas proteínas provenientes dos laticínios, porém proteínas derivadas de vegetais e de origem animal também vêm sendo estudadas. Os peptídeos podem ser absorvidos pelo intestino, interagem com macrófagos, células dendríticas e linfócitos B, influenciando na produção de citocinas e anticorpos. 

O papel dos lipídios 

Os lipídios constituem uma fonte energética importante. Recebem particular importância os ácidos graxos poli-insaturados (polyunsaturated fatty acids – PUFAs) de elevada densidade calórica: os ômegas 6 e 3. Sua importância no sistema imune infantil é bem conhecida: tanto o DHA, quanto o seu precursor, ômega 3, estão correlacionados à modulação de respostas imune adaptativas e inatas. 

O DHA pode inibir a resposta inflamatória através de alguns dos seus produtos como a resolvina, protectinas e maresinas. Resolvinas do tipo E e DA (RvD e RvE), em associação com a (neuro) protectina D1, estão associadas à resposta anti-inflamatória. A última também exibe atividades imunomoduladoras. As maresinas também apresentam forte ação anti-inflamatória, à semelhança das RvD e RvE. 

Para crianças menores de 2 anos, é recomendada uma ingesta diária de DHA de 100mg, em uma ou mais refeições, e nas maiores, 250mg. As principais fontes de DHA são os peixes oleosos. Porém, os peixes ricos em mercúrio devem ser evitados para evitar intoxicação. 

Um outro tipo de ácido graxo que também pode modular a função imunológica é o ácido linoleico conjugado (conjugated linoleic acid – CLA). Diferentemente dos demais citados, é uma gordura trans (insaturada), ou seja, não produzida pelo organismo humano. Ele é gerado no lúmen intestinal de animais ruminantes e está presente no leite de vaca, nos produtos lácteos e também no leite materno. O CLA atua na produção de citocinas, óxido nítrico e eicosanoides (prostaglandinas, leucotrienos) e inibe a expressão da proteína catiônica eosinofílica e dos receptores ativados por proliferadores de peroxissoma, ambos envolvidos na cascata inflamatória celular. Além disso, é bem demonstrado o seu efeito protetor no desenvolvimento de doenças atópicas em bebês.

O papel dos carboidratos 

Os prebióticos são carboidratos não digeríveis que influenciam na atividade e composição da microbiota. Muitos estudos demonstram que o consumo de uma ampla variedade de carboidratos com atividade prebiótica aumenta o número de bactérias benéficas à saúde humana. Os carboidratos com potencial atividade prebiótica são encontrados nas plantas comestíveis.

Os prebióticos possuem efeitos benéficos no funcionamento do sistema imune. Embora o mecanismo exato através do qual isto ocorra não esteja bem elucidado, existem algumas hipóteses: 

  • Aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, como o ácido propiônico, capaz de atuar nas enzimas lipogênicas hepáticas;
  • Aumento da produção de ácidos graxos de cadeia curta, como o ácido butírico, o qual atua como fator de transcrição genética;
  • Modulação da produção de mucina;
  • Aumento do número de linfócitos e/ou leucócitos no tecido linfoide associado à mucosa (gut-associated lymphoid tissue – GALT) e no sangue periférico;
  • Estimulação da função fagocitária dos macrófagos por aumento da secreção de imunoglobulina A pelo GALT. 

Micronutrientes

Vitaminas

  • Vitaminas e minerais desempenham um papel crucial tanto na resposta imune adaptativa quanto na inata. A ingesta suficiente para gerar níveis adequados no soro são essenciais para reduzir a suscetibilidade a infecções.
  • Vitamina A: aumenta a secreção de mucina, auxiliando na função da barreira mucosa. Também regula a diferenciação, maturação e função de macrófagos e neutrófilos;
  • Vitamina B6: atua na produção de interleucina-2;
  • Vitamina B9 (ácido fólico) e B12: A vitamina B12 exerce importante atuação na resposta imune citotóxica ao estimular as células Natural Killer (NK) e CD8+. A deficiência de vitamina B12 leva ao acúmulo de ácido tetrahidrofólico em sua forma metilada, o que pode ser prejudicial. Manter em equilíbrio a quantidade das duas vitaminas é, portanto, de extrema importância para a resposta imune. Níveis sanguíneos de vitamina B12 acima de 221 pmol/L (> 300ng/L ou pg/mL) são considerados normais;
  • Vitamina C: atua no crescimento e na função de células envolvidas na imunidade inata e adaptativa, na fagocitose e morte microbiana, na produção de anticorpos e na função de barreira epitelial;
  • Vitamina D: aumenta a produção por monócitos e macrófagos de peptídeos antimicrobianos, como a catelicidina e a βdefensina. Promove a autofagia, e também as habilidades quimiotáticas e fagocíticas das células do sistema imunológico inato. Além disso, atua no sistema imune adaptativo, com efeito inibitório geral tanto nas células T quanto nas células B e também no inato, ao inibir a diferenciação e maturação das células dendríticas, gerando um estado mais tolerogênico. O termo hipovitaminose D refere-se aos níveis séricos de 25(OH)D <30 ng/mL;
  • Vitamina E: está envolvida na fagocitose, proliferação e diferenciação de células T e na produção de anticorpos. É um importante depurador de espécies reativas de oxigênio, particularmente prejudiciais aos ácidos graxos poli-insaturados presentes nos fosfolipídios de membrana e lipoproteínas do sangue. Durante as reações imunológicas, a vitamina E protege as células e componentes funcionais, como proteínas e ácidos graxos, dos danos causados ​​por mecanismos de defesa contra patógenos.

Minerais

  • Zinco: o desenvolvimento e funcionamento da imunidade inata estão intimamente relacionados à homeostase do zinco. Na deficiência deste mineral, a função dos macrófagos, (fagocitose, morte intracelular), das células T e B e a produção de citocinas são comprometidas. O zinco regula a liberação de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas 1 e 6 [IL-1 e IL-6] e fator de necrose tumoral alfa [tumor necrosis factor alpha – TNF-α) pelas células da imunidade inata. Além disso, a deficiência de zinco está associada a diarreia e infecções respiratórias. O zinco foi correlacionado à prevenção de infecções respiratórias em crianças com idade entre 2–60 meses em países de baixa e média renda. E, em um estudo israelense envolvendo crianças entre 6 meses e 3 anos, a suplementação com zinco reduziu a duração e gravidade de infecções respiratórias. As principais fontes dietéticas de zinco são alimentos vegetais, como grãos, nozes e alimentos de origem animal como carne vermelha, peixe e queijo;
  • Cobre: possui ação essencial na imunidade mediada por células e na formação de anticorpos. Atua nos macrófagos, células T auxiliadoras, células B, neutrófilos e células NK. Crianças que sofrem de deficiência de cobre são mais suscetíveis a infecções bacterianas, sobretudo respiratórias. Fígado e peixes são ricos em cobre; pequenas quantidades são encontradas em queijos envelhecidos. Nozes e cacau são uma fonte alternativa vegana;
  • Selênio: possui efeitos anti-inflamatórios essenciais, exercidos através da proteína quinase ativada por mitogênio (mitogen-activated protein kinase – MAPK), fator nuclear kappa B (nuclear factor-κB – NF-kB) e da regulação de mediadores pró-inflamatórios dependentes do receptor ativado por proliferador de peroxissoma (peroxisome proliferator-activated receptor – PPAR). A deficiência de selênio foi associada à sepse em pacientes em terapia intensiva. Bebês prematuros são propensos a níveis baixos e a suplementação diminui o risco de sepse nosocomial. O selênio pode ser encontrado no fígado, carne e peixe. A baixa ingestão de selênio é encontrada em muitos áreas da Europa devido aos baixos níveis no encontrados no solo;
  • Ferro: a proliferação e maturação de diversas células do sistema imune são dependentes de ferro, particularmente os linfócitos. O ferro intracelular participa da liberação de espécies reativas de oxigênio e da produção de peptídeos antimicrobianos por macrófagos. Além disso, a suplementação de ferro em pacientes com deficiência foi correlacionada ao aumento do mRNA de TNF-a, IL-6 e IL-10 em células mononucleares do sangue periférico. A deficiência de ferro é comum e resulta em anemia ferropriva, associada a maior susceptibilidade a infecções, fadiga, estresse metabólico, redução das funções cognitivas e prejuízo do crescimento. A deficiência de ferro é diagnosticada quando os níveis de ferritina sérica estão abaixo de 12mg/L para crianças com menos de 5 anos, ou abaixo de 15mg/L para aquelas com 5 anos ou mais. Em um estudo chinês, a suplementação combinada de ferro e vitamina A reduziu a incidência de diarreia e doenças respiratórias em crianças pré-escolares chinesas. Os alimentos contêm ferro na forma heme, encontrado na carne, e não-heme, encontrado nos vegetais e laticínios. Este último é menos absorvido. O consumo de vitamina C junto com o ferro, melhora a sua absorção. Carne, ovo, grãos, legumes e alguns vegetais são ricos em ferro.

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Considerações

Em suma, vários macro e micronutrientes influenciam na resposta imunológica. Em conjunto, dieta, microbioma e fatores epigenéticos atuam modulando o sistema imunológico. Tamanha complexidade torna desafiador investigar o papel de um único nutriente. Mais estudos analisando a ingesta alimentar ideal (e os níveis de sangue/plasma) destes nutrientes para alcançar uma ação imunorregulatória satisfatória, são necessários. Porém, algumas conclusões já foram alcançadas e corroboradas pelo presente trabalho:  bebês devem ser amamentados o maior tempo possível e os alimentos ricos em arginina, glutamina, peptídeos bioativos, DHA, prebióticos, zinco, ferro, cobre, selênio e vitaminas (D, A, E, grupo B, C) devem ser oferecidos quando os sólidos são introduzidos.

Referências bibliográficas:

  • VERDUCI, E.; KÖGLMEIER, J. Immunomodulation in Children: The Role of the Diet. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, v. 73, n. 3, p. 293–298, 1 set. 2021. doi10.1097/MPG.0000000000003152
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