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Gastroenterologia8 julho 2021

Cirrose: o desafio em evolução das infecções

As infecções tem alto impacto na cirrose hepática. O NEJM publicou uma revisão em junho de 2021 abordando esse tema. Saiba mais.

As infecções tem alto impacto clínico e econômico na cirrose hepática. O NEJM publicou uma revisão em junho de 2021 abordando esse tema.

Cirrose: o desafio em evolução das infecções

Patogenia

O paciente portador de cirrose apresenta maior susceptibilidade à infecção devido a fatores diretos e adicionais.

Existem alterações nos mecanismos internos de proteção à infecção, favorecendo a translocação bacteriana. São exemplos:

  • Disfunção da imunidade inata e adaptativa;
  • Redução do fluxo biliar;
  • Quebra da barreira intestinal;
  • Alteração da microbiota intestinal, com aumento de microrganismos patogênicos como enterobactérias e enterococos.

Além disso, fatores externos contribuem no desenvolvimento das infecções nos cirróticos, tais como:

  • Uso de Inibidor de bomba de próton (IBP);
  • Ingestão de álcool;
  • Sarcopenia e síndrome da fragilidade;
  • Múltiplas internações hospitalares;
  • Vários cursos de antibioticoterapia;
  • Procedimentos invasivos.

Devemos ter atenção, pois esses fatores adicionais aumentam o número de infecções fúngicas nesses pacientes. É necessário combatê-los, visto que são fatores modificáveis.

Leia também: Qual o impacto da cirrose hepática após realização de angioplastia coronariana?

Relevância e manejo infecções por cirrose

As infecções tem grande impacto na história natural da cirrose hepática, estando associadas a:

  • Hospitalizações prolongadas: duas vezes mais longas do que nos pacientes infectados sem cirrose hepática;
  • Piora da função hepática e descompensações da cirrose hepática;
  • Lesão renal aguda;
  • Insuficiência hepática aguda sobre crônica (ACLF);
  • Aumento de mortalidade hospitalar: até 50% nos cirróticos com sepse hospitalizados.

Diante disso, o reconhecimento e tratamento das infecções deve ser precoce. Para tal, é importante que saibamos responder algumas perguntas:

Quais os sítios mais prevalentes de infecção na cirrose hepática?

  • Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE);
  • Infecção do trato urinário (ITU);
  • Pneumonia;
  • Infecções de pele e partes moles;
  • Infecção pelo Clostridioides difficile ( > 3 evacuações amolecidas/dia).

Quais as fontes da infecção no paciente com cirrose?

  • Adquirida na comunidade 🡪 48% dos casos
  • Relacionada a cuidados de saúde (nas primeiras 48h da admissão em pacientes com contato com o sistema de saúde) 🡪 26% dos casos;
  • Nosocomial (> 48 h da admissão) 🡪 26% dos casos

Quando devo realizar rastreio infeccioso no paciente com cirrose?

  • Presença de lesão renal aguda (LRA);
  • Encefalopatia hepática (EH);
  • Piora da ascite;
  • Hemorragia digestiva alta;
  • Disfunção de outros órgãos;
  • ACLF

Quais exames devem ser solicitados no rastreio infeccioso?

  • Citologia e cultura do líquido ascítico;
  • EAS e Urocultura;
  • Radiografia de tórax;
  • Hemoculturas;
  • Toxinas A e B C. difficile em caso de 3 ou mais evacuações diarreicas.

Quais os sinais que indicam solicitar vaga na UTI?

  • PAM < 65 mmHg e lactato >2mmol/L apesar da ressuscitação volêmica adequada;
  • SpO2 < 90%;
  • FC < 40 ou > 130 bpm;
  • FR < 10 ou < 28 irpm;
  • Declínio persistente do nível de consciência.

Como guiar a antibioticoterapia empírica?

  • Local do tratamento (domicílio x enfermaria x terapia intensiva);
  • Gravidade da apresentação (Descompensação hepática/ ACLF);
  • Fonte da infecção (comunitária x cuidados de saúde x nosocomial);
  • Padrão local de resistência antimicrobiana.

Quais as particularidades da PBE?

  • Diagnóstico: citologia do líquido ascítico ≥ 250 polimorfonucleares por campo;
  • Bacterascite: cultura de líquido ascítico positiva, sem critério para PBE;
  • Para aumentar o rendimento diagnóstico, inocular culturas em frascos de hemocultura (aeróbio e anaeróbio) à beira do leito, com agulha estéril;
  • Albumina 1,5 g/kg/D1 e 1g/kg/D3 como prevenção de LRA e morte;

É importante ressaltar que devido a disfunção imunológica, esses pacientes raramente apresentam resposta febril. Além disso, marcadores inflamatórios como PCR e procalcitonina podem estar elevados nesses pacientes, independente de infecção.

Todavia, níveis persistentemente elevados de PCR identificam pacientes com alto risco de mortalidade a curto prazo.

Em resumo, o manejo de infecção nos pacientes com cirrose requer identificação precoce do microorganismo causador, prevenção de lesão orgânica; cuidados para evitar infecções nosocomiais e determinação prognóstica.

Manejo intensivo do paciente cirrótico

Os parâmetros de sepse e choque séptico não foram validados na população com cirrose hepática, contudo, podemos fazer algumas observações:

  • A pressão arterial média alvo recomendada é 60 mmHg;
  • Variações respiratórias da cava inferior (VCI) pode ser usada para avaliar resposta a fluido, todavia ascite tensa pode dificultar a medida da colapsibilidade da VCI; 
  • A pressão venosa central pode ser imprecisa devido ao aumento da pressão intra-abdominal devido a ascite;
  • Apesar da depuração prejudicada do lactato no cirrótico, níveis elevados do mesmo em paciente instável está associado ao choque séptico.
  • Expansão volêmica pode ser feita com cristalóides ou colóides -> metanálise recente sugere melhor sobrevida em 90 dias com expansão com albumina;
  • Albumina 5%: volume plasmático expande na mesma proporção do volume infundido;
  • Albumina 25%: volume plasmático expande 3-5 vezes o volume infundido, porém de forma mais lenta.
  • Síndrome hepatorrenal tipo 1: associar terlipressina + albumina;
  • Noradrenalina é o vasopressor de escolha quando PA permanece menor que 60 mmHg, apesar de ressuscitação volêmica e antibioticoterapia de amplo espectro;
  • Glicocorticoides devem ser usados no choque refratário, visto que a insuficiência adrenal é comum nesses pacientes. Todavia, aumenta risco de hemorragia digestiva.

Devemos considerar cuidados paliativos de fim devida nos pacientes não elegíveis a transplante hepático: sarcopenia; fragilidade; aumento da necessidade de vasopressor e suporte ventilatório.

Prevenção de infecção

  • Profilaxia antibiótica deve ser feita em 3 grupos de risco:
  • Sangramento gastrointestinal agudo 🡪 Profilaxia primária por 7 dias;
  • Cirrose avançada com alto risco de infecção: Ptn total do líquido ascítico ≥1,5g/dl com cirrose avançada (Child≥B9 e BT≥3) ou disfunção renal( Cr≥1,2mg/dl ou sódio≤130 mmol/L ou BUN≥25mg/dl) 🡪 Profilaxia primária até resolução de ascite ou transplante hepático;
  • História prévia de PBE 🡪 Profilaxia secundária até o transplante hepático ou óbito.

Apesar de recomendada, deve-se atentar que a profilaxia antibiótica aumenta o risco de resistência bacteriana.

  • Vacinação:
  • Influenza; Pneumocócica; Varicela e herpes Zoster; hepatites A e B; tétano, difteria e coqueluche acelular; sarampo, caxumba e rubéola);
  • Apesar dos ensaios clínicos da vacina contra Covid-19 não ter incluído pacientes cirróticos, essa é recomendada nesse grupo, dado a alta mortalidade nesses pacientes.

Quanto mais compensada a doença hepática, melhor será a resposta imune à vacinação.

Mensagens finais

  • A cirrose tem fatores intrínsecos que predispõem à infecção;
  • Os fatores extrínsecos adicionais devem ser evitados e manejados;
  • A infecção é marcador de mau prognóstico nesses pacientes, logo, devemos ter alto grau de suspeição e realizar rastreio infeccioso e tratamentos precocemente;
  • Estabelecer prognóstico é de suma importância. É preciso avaliar pacientes com resposta inadequada como candidatos a transplante hepático ou candidatos a cuidados paliativos;
  • Medidas preventivas como profilaxia antibiótica e vacinação devem ser lembradas;
  • São necessárias estratégias eficazes no combate à resistência antimicrobiana.

Referências bibliográficas:

  • The Evolving Challenge of Infections in Cirrhosis. Jasmohan S. Bajaj, M.D., Patrick S. Kamath, M.D., and K. Rajender Reddy, M.D. June 17, 2021. N Engl J Med 2021; 384:2317-2330. doi: 10.1056/NEJMra2021808

 

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