O diabetes tipo 2 (DM2) em jovens é uma condição alarmante devido ao seu curso mais agressivo, quando comparado a adultos. Apesar de anteriormente uma condição rara nessa faixa etária, com a pandemia de “diabesidade”, vemos uma incidência crescente da condição e cada vez mais em indivíduos mais jovens.
O DM2 em jovens é um problema grave de saúde pública por vários fatores, desde o tempo de exposição ao diabetes, que pode aumentar consideravelmente o risco de complicações micro e macrovasculares ao longo da vida, e de forma mais precoce, além de sinalizar de forma populacional que não estamos direcionando cuidados suficientes para a alimentação adequada na faixa etária. Ademais, em termos fisiopatológicos, caracteriza-se por resistência insulínica grave e disfunção acelerada das células β. O DM2 em jovens frequentemente é precedido por pré-diabetes, um estágio metabólico onde já se observam anormalidades significativas na secreção de insulina e na sensibilidade insulínica.
Embora o reconhecimento do DM2 em jovens tenha aumentado nas últimas décadas, as opções terapêuticas continuam limitadas. Mudanças no estilo de vida, que são pilares da prevenção e do manejo inicial, têm mostrado eficácia reduzida, enquanto as opções farmacológicas aprovadas para essa população são poucas e apresentam resultados menos robustos quando comparadas aos adultos.
Frente a tais pontos de extrema importância, foi publicado recentemente na Diabetes Care, revista da American Diabetes Association, uma revisão sobre o tema, discutindo a fisiopatologia da doença e explorando as intervenções terapêuticas disponíveis e emergentes, lacunas e necessidades no manejo do DM2 e pré-diabetes em jovens. Trazemos neste artigo os pontos de destaque da revisão para discussão.
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O ESTUDO
O estudo foi uma revisão narrativa (sem metanálise), abrangente, de dados de ensaios clínicos e estudos observacionais, incluindo os estudos TODAY e RISE, que fornecem uma base robusta para compreender a progressão da doença e avaliar a eficácia das intervenções terapêuticas em jovens com T2DM e pré-diabetes.
Os dados revisados incluem predominantemente adolescentes com idade média entre 12 a 18 anos, com obesidade grave (IMC superior ao percentil 95 para idade e sexo, indicando obesidade severa em quase todos os participantes, demonstrando de cara o papel da obesidade na gênese da condição), histórico familiar significativo de DM e com elevada representatividade de afro-americanos, hispânicos e nativos americanos, que apresentam maior predisposição genética e exposição a fatores ambientais adversos.
Alguns dos estudos revisados, focados na investigação da fisiopatologia do DM2 em jovens, utilizaram métodos avançados para avaliar a função das células β e a resistência insulínica, incluindo clamps hiperglicêmicos e euglicêmicos e teste oral de tolerância à glicose (TOTG). Os estudos de intervenção exploraram tratamentos farmacológicos, cirúrgicos e comportamentais para manejo da hiperglicemia e redução da progressão e complicações.
A RESISTÊNCIA INSULÍNICA DESEMPENHA UM PAPEL CENTRAL NA FISIOPATOLOGIA
A resistência insulínica em jovens é amplificada pela obesidade visceral, disfunção mitocondrial e inflamação crônica de baixo grau, que contribuem para um estado hiperglicêmico persistente. O acúmulo de gordura ectópica no fígado agrava a disfunção metabólica e aumenta o risco de complicações microvasculares. A rápida perda funcional das células β é uma característica marcante, com declínio anual de 20% a 35%, significativamente maior do que o observado em adultos. Além disso, alterações hormonais, como hiperglucagonemia e disfunção incretínica (GLP-1 e GIP), contribuem para a falência metabólica, enquanto marcadores inflamatórios elevados (IL-6, TNF-α) reforçam a progressão agressiva do DM2 nessa população.
TRATAMENTO DO DIABETES TIPO 2 EM ADOLESCENTES
- Mudanças no estilo de vida
Mudanças no estilo de vida, incluindo intervenções dietéticas e aumento da atividade física, são recomendadas como tratamento inicial. No entanto, estudos como o TODAY revelaram que a adesão é limitada e os efeitos na manutenção do peso e controle glicêmico são modestos. Os autores trazem que apenas 13% dos jovens tratados exclusivamente com intervenções no estilo de vida conseguiram manter HbA1c < 7% após 24 meses. Além disso, barreiras psicossociais, como estigma, acesso limitado a alimentos saudáveis e ambientes inseguros para prática de exercícios, são fatores significativos que limitam a eficácia.
- Terapias Farmacológicas
Metformina
A metformina é a terapia inicial mais utilizada para DM2 em jovens. No entanto, sua eficácia é limitada pela rápida progressão da falência das células β. No estudo TODAY, apenas 45,6% dos participantes tratados com metformina mantiveram HbA1c <8% após um ano, e menos de 25% após quatro anos.
Agonistas do Receptor GLP-1 (Liraglutida e Dulaglutida)
Tanto a liraglutida (Estudo ELLIPSE) como a dulaglutida (Estudo AWARD PEDS) demonstraram benefícios adicionais na redução da HbA1c e modesta redução do peso. No entanto, sua eficácia em jovens é menos robusta do que em adultos. Os benefícios encontrados demonstram uma redução média de 0,8% na HbA1c e perda de peso de até 3 kg em estudos de 6 a 12 meses. Contudo, a exemplo dos adultos, as limitações em seu uso incluem efeitos adversos gastrointestinais, baixa adesão e acesso limitado devido ao alto custo.
Obs: A semaglutida ainda não foi adequadamente avaliada no contexto de pré diabetes e diabetes nessa faixa etária, mas apenas em indivíduos com obesidade entre 12 e 18 anos (STEP TEENS).
Insulina Basal
Indicada para jovens com falha terapêutica em tratamentos orais. Estudos sugerem que a introdução precoce de insulina basal pode retardar a progressão das complicações, mas frequentemente resulta em ganho de peso, exacerbando a resistência insulínica.
Terapias Emergentes
Inibidores de SGLT2: Promissores no controle glicêmico e na redução de peso. O estudo DINAMO (2023) demonstrou eficácia e segurança no uso da empagliflozina 10 mg ou 25 mg em pacientes acima de 10 anos de idade, sendo inclusive uma das indicações principais de uso na população junto da metformina e agonistas de GLP-1 aprovados de acordo com o guideline de 2025 da American Diabetes Association (ADA). A dapagliflozina 10 mg/d também foi aprovada pela ADA para tratamento da condição.
Agonistas duplos e triplos (GLP-1/GIP/Glucagon): Em investigação, apresentam potencial para melhorar o controle glicêmico e promover maior perda de peso.
O artigo traz um algortimo para tratamento, de acordo com o guideline conjunto ISPAD/ADA:
– HbA1c < 8,5%: Metformina + MEV; se falha (HbA1c > 7,0% após 3m): aGLP-1 ou Empagliflozina
– HbA1c ≥ 8,5%: Metformina; Insulina 1x/dia (0,25-0,5 U/kg) e/ou aGLP-1 ou Empagliflozina (se cetose ausente)
– Se CAD: Insulinoterapia; transicionar aos poucos para metformina após resolução
- Cirurgia Metabólica
A cirurgia bariátrica surge como uma alternativa altamente eficaz em adolescentes com obesidade severa e T2DM. Até 86% dos pacientes alcançam remissão do diabetes, com melhora sustentada na função metabólica e redução do risco de complicações cardiovasculares. Como limitações, surge, claro, o risco cirúrgico e a necessidade de adesão a longo prazo, além das considerações éticas em populações jovens.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
O manejo do DM2 em jovens apresenta desafios significativos devido à rápida progressão da doença e às limitações das intervenções terapêuticas atuais. Estratégias baseadas apenas em mudanças no estilo de vida são insuficientes, especialmente em populações socialmente vulneráveis. A metformina, embora amplamente utilizada, é ineficaz para interromper o declínio funcional das células β, enquanto as terapias emergentes, como agonistas do receptor GLP-1 e inibidores de SGLT2, ainda enfrentam barreiras de acesso e ainda “engatinham” em níveis de evidência nessa população.
A cirurgia bariátrica oferece benefícios consideráveis, mas é uma opção viável apenas para um subgrupo seleto de adolescentes com obesidade severa. Assim, há uma necessidade urgente de novas terapias que combinem eficácia glicêmica com impacto positivo na obesidade e segurança a longo prazo. Estudos futuros devem focar em terapias inovadoras que retardem a progressão do DM2 e abordem as disparidades sociais e econômicas que afetam o acesso ao tratamento.
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