Os agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (aGLP-1) emergiram como uma estratégia terapêutica altamente eficaz para o manejo do diabetes tipo 2 e da obesidade, proporcionando benefícios significativos na redução do peso corporal, melhora do controle glicêmico e redução do risco cardiovascular. Recentemente, novas evidências apontam também para benefícios renais em pacientes com diabetes e potencialmente para doença hepática esteatótica metabólica, o que faz dessa classe de medicações, sobretudo da semaglutida, alvo de grande interesse no âmbito da saúde pública.
No entanto, a eficácia dessas terapias depende da aderência ao tratamento, um fator desafiador na prática clínica. Estudos clínicos randomizados sugerem que a descontinuação dos aGLP-1s pode resultar em recuperação do peso e perda dos benefícios metabólicos, mas a magnitude desses efeitos e os padrões de reintrodução da terapia ainda não são completamente compreendidos.
Diante desse cenário, foi realizado um estudo que buscou avaliar os padrões de descontinuação e reinício dos aGLP-1s em uma coorte de adultos norte-americanos com sobrepeso ou obesidade e os fatores associados à aderência. Devido à importância desse tema, sobretudo para a prática clínica, trazemos o estudo para discussão. O estudo foi publicado recentemente no JAMA.
Métodos do estudo
O estudo foi uma coorte retrospectiva, que incluiu 125.474 adultos com sobrepeso ou obesidade que iniciaram o tratamento com um agonista de GLP-1 ou agonista dual (liraglutida, semaglutida ou tirzepatida) entre janeiro de 2018 e dezembro de 2023. Todos os participantes tinham um índice de massa corporal (IMC) inicial ≥ 27 kg/m², uma aferição de peso disponível dentro de 60 dias antes da introdução da terapia e histórico de acompanhamento regular no sistema de saúde no ano anterior à inclusão no estudo.
Os pacientes foram acompanhados por até dois anos para avaliar taxas de descontinuação e, posteriormente, por mais dois anos adicionais para monitorar possíveis reinícios da terapia. Vale destacar que houve estratificação de acordo com a presença de diabetes tipo 2 no momento da inclusão.
Os principais endpoints analisados foram a proporção de pacientes que descontinuaram a terapia com agonistas de GLP-1, a proporção de pacientes que reiniciaram o tratamento após sua descontinuação e a associação de variáveis sociodemográficas, eventos adversos gastrointestinais e mudanças de peso com a probabilidade de interrupção ou retomada do tratamento.
Dos 125.474 pacientes incluídos na análise, 76.524 (61,0%) apresentavam DM2, enquanto 48.950 (39,0%) não tinham diabetes. A idade média da amostra foi 54,4 anos (±13,1 anos), sendo a maioria do sexo feminino (65,4%). Dentre as medicações iniciadas, 14% estava em uso de liraglutida, 72% em uso de semaglutida e 13% em uso de tirzepatida.
PACIENTES COM DIABETES TENDEM A MANTER MAIS O TRATAMENTO DO QUE AQUELES COM OBESIDADE
As taxas de descontinuação em um ano foram significativamente maiores entre os pacientes sem diabetes tipo 2 (64,8% [IC 95%, 64,4%-65,2%]) em comparação com aqueles com diabetes (46,5% [IC 95%, 46,2%-46,9%]). Essa diferença persistiu na análise de dois anos, com 84,4% dos pacientes sem diabetes descontinuando o tratamento, em comparação com 64,1% dos pacientes com diabetes.
Os fatores associados a menor taxa de descontinuação incluíram uma perda maior de peso durante o tratamento (para cada 1% de redução no peso corporal, houve uma redução de 3,1% no risco de descontinuação em pacientes com diabetes tipo 2 e 3,3% em pacientes sem diabetes) e maior renda – entre os pacientes com diabetes, aqueles com renda superior a US$ 80.000 apresentaram um risco 28% menor de descontinuação (HR 0,72; IC 95%, 0,69-0,76).
Os fatores que aumentaram o risco de descontinuação incluíram, como esperado, a ocorrência de eventos adversos gastrointestinais moderados a graves, como gastroparesia e pancreatite (HR 1,38 para pacientes com diabetes; HR 1,19 para pacientes sem diabetes) e também idade (indivíduos com mais de 65 anos apresentaram maior propensão à descontinuação (HR 1,28 em pacientes com diabetes e HR 1,18 naqueles sem diabetes).
O REINÍCIO DA TERAPIA TAMBÉM FOI MAIS FREQUENTE ENTRE OS INDIVÍDUOS COM DIABETES
Dos 81.919 pacientes que descontinuaram o tratamento, 41.792 (51,0%) foram incluídos na análise de reinício, com base na disponibilidade de medidas de peso após a interrupção. As taxas de reinício dentro de um ano foram maiores entre os pacientes com diabetes tipo 2 (47,3% [IC 95%, 46,6%-48,0%]) do que entre aqueles sem diabetes (36,3% [IC 95%, 35,6%-37,0%]). Os principais fatores associados a maior probabilidade de reinício incluíram o reganho de peso após a interrupção (para cada 1% de ganho de peso após a descontinuação, houve um aumento de 2,3% na probabilidade de reinício em pacientes com diabetes e 2,8% naqueles sem diabetes) e a duração do uso inicial dos aGLP-1s (pacientes que utilizaram a medicação por períodos mais longos antes da interrupção apresentaram maior probabilidade de reiniciar o tratamento).
Já os fatores associados a menor probabilidade de reinício incluíram um histórico de eventos adversos gastrointestinais durante o uso inicial e baixa percepção de benefício clínico.
O QUE PODEMOS APRENDER COM ESTE ESTUDO E COMO ELE INFLUENCIA NOSSA PRÁTICA MÉDICA
O estudo destaca que a aderência ao tratamento com agonistas de GLP-1 é um desafio clínico significativo, particularmente entre pacientes sem diabetes tipo 2, nos quais as taxas de descontinuação são ainda mais elevadas. Contudo, a taxa de descontinuidade do tratamento em ambos os grupos é assombrosa, uma vez que os benefícios da medicação são mantidos sobretudo durante a vigência do uso.
O achado reforça a necessidade de estratégias para melhorar a continuidade do tratamento, como suporte multidisciplinar, ajustes na dose para mitigar efeitos adversos gastrointestinais e programas de adesão estruturados, além de medidas de políticas públicas que facilitem o acesso e manutenção do ponto de vista econômico. Para a realidade brasileira, há desafios adicionais, como a limitação no acesso aos agonistas de GLP-1 pelo alto custo e a ausência de cobertura ampla por planos de saúde e pelo SUS.
Além disso, o impacto da recuperação de peso após a interrupção reforça a importância de um plano estruturado para a continuidade da terapia em casos necessários ou a transição para outras terapias evitando o reganho abrupto e perda dos benefícios obtidos.
Por fim, este estudo amplia a compreensão sobre a adesão e descontinuação dos aGLP-1s e reforça a necessidade de abordagens personalizadas para garantir melhores desfechos clínicos e metabólicos, especialmente em um contexto de acesso restrito como o brasileiro.
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