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Endocrinologia21 março 2025

Estudo T2D-GENE: Risco genético e prevenção do diabetes tipo 2

Confira os pontos principais deste estudo apresentado no Journal of Clinical Endocrinology and Metabology.

O diabetes tipo 2 (DM2) continua a ser uma das condições de maior impacto global, com projeções indicando um aumento expressivo em sua prevalência nas próximas décadas. A interação entre fatores genéticos e ambientais desempenha um papel crucial na patogênese da doença, sendo que estudos de associação ampla do genoma (GWAS) já identificaram mais de 500 variantes genéticas associadas ao risco de desenvolvimento do DM2.  

É sabido que medidas de mudança de estilo de vida, como atividade física e perda de peso são misteres na prevenção do seu surgimento. Dados de diversas coortes, como do estudo Diabetes Prevention Program (DPP) mostram que a perda de 7% do peso e atividade física por 30 minutos/dia cinco vezes na semana levam a uma redução de risco de quase 60%. Entretanto, permanece incerto se indivíduos com alto risco genético apresentam respostas diferenciadas a intervenções no estilo de vida. 

Pela importância de se caracterizar melhor o perfil de risco e o impacto de medidas preventivas em diabetes e a adoção cada vez maior da genética na prática clínica da endocrinologia, foi elaborado um estudo com o objetivo de avaliar como a predisposição genética pode influenciar a resposta a um programa estruturado de mudança no estilo de vida, utilizando um desenho experimental que considerou diferentes perfis de risco genético. O estudo, nomeado “T2D-GENE”, foi publicado recentemente no Journal of Clinical Endocrinology and Metabology (JCEM), um dos principais periódicos da especialidade no mundo.  

 

Métodos 

O T2D-GENE foi um ensaio clínico controlado, não randomizado, conduzido na Universidade da Finlândia Oriental, baseado na coorte Metabolic Syndrome in Men (METSIM), um estudo prospectivo iniciado em 2005 que incluiu 10.197 homens finlandeses entre 45 e 73 anos. Para o presente estudo, foram recrutados 973 indivíduos dessa coorte original, todos com excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m²) e diagnóstico de pré-diabetes, definido por glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dL e HbA1c < 6,5%. 

Com base em um escore de risco genético que incorporava 76 variantes associadas ao DM2, os participantes foram estratificados em dois grupos: baixo risco genético (definido como escore ≤ 76) e alto risco genético (escore ≥ 80). Em seguida, foram alocados em quatro subgrupos, de acordo com a intervenção: 

  1. Grupo com alto risco genético + intervenção no estilo de vida 
  1. Grupo com alto risco genético + cuidados padrão (controle) 
  1. Grupo com baixo risco genético + intervenção no estilo de vida 
  1. Grupo com baixo risco genético + cuidados padrão (controle) 

Os indivíduos nos grupos de intervenção foram submetidos a um programa estruturado de mudanças no estilo de vida, incluindo sessões presenciais em grupo, suporte nutricional individualizado e acompanhamento digital para registro da alimentação e atividade física. O objetivo da intervenção era incentivar o consumo de uma dieta rica em fibras, com redução da ingestão de gorduras saturadas, além da prática regular de atividade física moderada, com, pelo menos, 150 minutos de exercício aeróbico por semana. Os grupos controle receberam apenas orientações gerais de saúde, sem suporte estruturado adicional. 

Os participantes foram acompanhados por três anos, com avaliações periódicas que incluíram medições de glicemia de jejum, HbA1c, teste oral de tolerância à glicose (TOTG), peso corporal e índices de sensibilidade à insulina. A genotipagem foi realizada por meio de arrays de alta densidade da plataforma Illumina. 

Os dados foram analisados utilizando modelos estatísticos de regressão de Cox, permitindo a comparação do risco de progressão para DM2 entre os diferentes grupos genéticos e de intervenção. 

 

Resultados 

A intervenção no estilo de vida teve um impacto mais significativo entre os indivíduos com alto risco genético. A incidência de DM2 após três anos foi de 7,9% no grupo de alto risco que recebeu intervenção, enquanto no grupo controle equivalente essa taxa foi 14,1%, demonstrando uma redução relativa de risco de 70% nesse subgrupo (HR 0,30; IC 95%: 0,16–0,56; p < 0,001). 

Por outro lado, entre os participantes com baixo risco genético, a intervenção não resultou em uma redução estatisticamente significativa da incidência de DM2, com uma taxa de conversão para diabetes de 7,7% no grupo de intervenção versus 8,2% no grupo controle (HR 0,69; IC 95%: 0,36–1,32; p = 0,262). Esses achados sugerem que indivíduos geneticamente predispostos ao DM2 podem responder melhor às intervenções no estilo de vida do que aqueles com menor risco genético.  

No entanto, apesar das intervenções se mostrarem eficazes naqueles de maior risco genético, não houve diferenças na incidência cumulativa de DM2 dentro dos pacientes submetidos à intervenções, fossem eles de alto ou baixo risco genético (7,7 vs 7,9%; p 0,135). 

Além da incidência de DM2, a intervenção resultou na melhora de marcadores metabólicos em ambos os grupos genéticos. Os participantes que receberam a intervenção apresentaram menor progressão da glicemia de jejum e menor aumento da HbA1c ao longo do estudo, independentemente do risco genético. 

No aspecto antropométrico, os indivíduos submetidos à intervenção apresentaram uma redução média de peso de 1,5 kg em três anos, um efeito modesto, porém estatisticamente significativo. Além disso, os participantes do grupo de intervenção relataram melhora na qualidade da dieta, com maior consumo de frutas, vegetais e fibras, e redução na ingestão de gorduras saturadas e carboidratos refinados. 

 

Perspectivas e conclusão 

Os resultados do estudo T2D-GENE reforçam que as intervenções no estilo de vida continuam sendo a estratégia mais eficaz na prevenção do DM2, especialmente em indivíduos com maior predisposição genética. O achado de que indivíduos de alto risco genético tiveram uma redução substancial na incidência de diabetes sugere que a estratificação genética pode ter um papel clínico relevante na personalização das abordagens preventivas. Tais dados precisam ser analisados mais amplamente, em populações mais diversas, uma vez que os achados deste estudo não podem ser generalizados por se tratar de uma população étnica específica (finlandeses) e composta exclusivamente por homens.  

Além disso, o desenho não randomizado pode ter introduzido vieses na alocação dos participantes. A perspectiva é de que novos estudos com estratégias de intervenção e randomização parecidas, mas com populações mais diversas, possam trazer resultados mais generalizáveis, além de explorar potenciais interações entre fatores genéticos e diferentes padrões alimentares e com outros tipos de intervenção, como terapias medicamentosas, por exemplo. 

 

Mensagem prática 

Vale a pena destacar que, apesar do grupo de alto risco genético apresentar benefícios maiores do que o de baixo risco, a ausência de uma redução estatisticamente significativa da incidência de DM2 entre aqueles que foram submetidos à intervenção mostra que a mesma pode ter um papel independentemente do risco genético. Mas fica claro que os efeitos serão maiores quanto maior o risco de desenvolver DM. 

A incorporação da genotipagem na prática clínica pode ser um passo importante para a personalização das estratégias de prevenção. 

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Referências bibliográficas

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