O congresso de 2025 da American Diabetes Association chegou ao seu último dia trazendo ainda algumas das principais novidades. Além da apresentação do BELIEVE trial, mostrando grandes expectativas na associação do bimagrumabe com a semaglutida (e talvez no futuro com a tirzepatida), outro estudo importante apresentado, ainda que de fase 2, foi sobre os resultados do MariTide, uma nova molécula para tratamento da obesidade e diabetes, de aplicação mensal.
O maridebart cafraglutide (MariTide) é uma molécula única, administrada uma vez por mês, com meia-vida de 21 dias — três vezes maior que qualquer outro agente antiobesidade aprovado até então. Esse perfil farmacocinético é possível graças à estrutura de anticorpo monoclonal que serve de base à molécula, à qual estão conjugados dois peptídeos análogos de GLP-1. Seu mecanismo é muito curioso, pois além de agonista do receptor de GLP-1, atua como antagonista (isso mesmo, antagonista) do receptor de GIP — combinando duas abordagens em uma única formulação.
O estudo apresentado avaliou a eficácia, segurança e tolerabilidade desta terapia de ação prolongada em indivíduos com obesidade, com e sem diabetes tipo 2. Diante da crescente prevalência global de obesidade, o estudo representa uma tentativa promissora de simplificar o manejo crônico da doença e superar barreiras de adesão, especialmente relevantes no contexto brasileiro.
O ESTUDO
O estudo foi um ensaio clínico randomizado, de fase 2, multinacional, duplo-cego, controlado por placebo e com múltiplos braços ativos, em se tratando de um estudo de fase 2, onde diversas doses e formas de escalonamento são estudados para auxiliar na elaboração dos estudos de fase 3. Participaram 592 adultos, divididos em duas coortes:
- Coorte A — Obesidade sem diabetes tipo 2: 465 indivíduos, com idade média de 47,9 anos, IMC médio de 37,9 kg/m², e HbA1c < 6,5%. Cerca de 63% eram mulheres. Aproximadamente um terço apresentava pré-diabetes ao início do estudo.
- Coorte B — Obesidade com diabetes tipo 2: 127 indivíduos, com idade média de 55,1 anos, IMC médio de 36,5 kg/m² e HbA1c entre 7,0% e 10,0%, tratados com mudanças no estilo de vida ou antidiabéticos orais (metformina, iSGLT2 ou sulfonilureias). Apenas 42% eram mulheres.
Os participantes foram distribuídos entre diferentes braços, avaliando sempre de forma comparada ao placebo, as seguintes variáveis:
- Três doses (140 mg, 280 mg, 420 mg) administradas a cada 4 semanas;
- Esquema com 420 mg a cada 8 semanas
- O esquema de 420 mg recebeu diferentes formas de escalonamento (sem escalonamento, escalonamento em 4 ou 12 semanas)
- A coorte de indivíduos com diabetes recebeu apenas uma forma de escalonamento (a cada 4 semanas).
O desfecho primário foi a mudança percentual do peso corporal em 52 semanas. Entre os desfechos secundários estavam as reduções de HbA1c, composição corporal (por DXA), marcadores cardiometabólicos e segurança. Além do monitoramento padrão de eventos adversos, foi aplicado uma ferramenta de relato diário de náusea, vômitos e náuseas (Modified Index of Nausea, Vomiting and Retching – M-INVR) diariamente por até 12 semanas na coorte sem diabetes. Isso conferiu maior sensibilidade à avaliação da tolerabilidade gastrointestinal, algo inédito em estudos com agonistas de GLP-1, de acordo com os autores.
A REDUÇÃO DE PESO FOI IMPRESSIONANTE E COM MENOS DOSES
A média de perda de peso com MariTide variou de -12,3% a -16,2% (análise intention-to-treat), chegando a -19,9% na análise on-treatment com 280 mg/mês. Em todos os braços ativos, a perda de peso superou amplamente os -2,5% observados com placebo. A perda de peso de acordo com as coortes de indivíduos com obesidade sem diabetes (n = 465) foi:
– Placebo: −2,5% (IC95% −4,2 a −0,7)
– MariTide 140 mg a cada 4 semanas (sem escalonamento): −13,6% (IC95% −15,5 a −11,7)
– MariTide 280 mg a cada 4 semanas (sem escalonamento): −15,5% (IC95% −17,7 a −13,4)
– MariTide 420 mg a cada 4 semanas (sem escalonamento): −14,6% (IC95% −16,8 a −12,4)
– MariTide 420 mg a cada 8 semanas (sem escalonamento): −12,3% (IC95% −15,0 a −9,7)
– MariTide 420 mg a cada 4 semanas com escalonamento de 4 semanas: −14,1% (IC95% −16,2 a −12,1)
– MariTide 420 mg a cada 4 semanas com escalonamento de 12 semanas: −16,2% (IC95% −18,9 a −13,5)
Vale destacar que a redução de peso foi progressiva, sem evidência de platô ao final das 52 semanas, sugerindo que o potencial máximo da droga ainda não foi atingido.
O QUE MAIS CHAMOU A ATENÇÃO: INDIVÍDUOS COM DM2 PERDERAM ATÉ CERCA DE 17% DE PESO, O MAIOR RESULTADO JÁ VISTO NESSA POPULAÇÃO
Nessa população, em geral menos responsiva à perda de peso, os resultados impressionaram ainda mais. A perda de peso chegou a -12,3% (intention-to-treat) e -17,0% (on-treatment) no grupo de maior dose (420 mg). Paralelamente, observou-se redução média de HbA1c de até -2,2 pontos percentuais, com 81–87% dos participantes atingindo HbA1c < 6,5% — versus apenas 9% no grupo placebo. Em relação à normoglicemia (HbA1c < 5,7%), até 70% dos participantes do braço ativo atingiram esse marco (0% no placebo).
Além disso, um subgrupo cuja composição corporal foi avaliada por DXA revelou que a perda ponderal ocorreu majoritariamente através da perda de gordura, com preservação relativa da massa magra. Na coorte sem diabetes, a gordura corporal foi reduzida em até -36,8%, enquanto a massa magra teve redução entre -8,6% e -11,6%. Observou-se também melhora da circunferência abdominal, pressão arterial, proteína C reativa ultrassensível (PCR-us) e perfil lipídico.
SEGURANÇA
Como esperado com análogos de GLP-1, os efeitos adversos mais frequentes foram gastrointestinais: náusea, vômito e constipação, geralmente leves a moderados. A incidência desses eventos foi maior nos grupos sem escalonamento de dose. A taxa de descontinuação por efeitos gastrointestinais variou de 12 a 27% sem escalonamento, caindo para 8% nos grupos com escalonamento.
Importante destacar que a ferramenta M-INVR detectou 25% de náusea até no grupo placebo — o que reforça o impacto da forma de coleta dos dados sobre a percepção dos efeitos colaterais. Dois óbitos ocorreram durante o estudo (um por hemorragia intracraniana traumática, outro por morte súbita cardíaca), ambos considerados não relacionados ao tratamento.
Os autores do estudo irão usar tais dados para melhorar o escalonamento para seu estudo de fase 3, que receberá o nome de “MariTime”, com o objetivo de reduzir eventos adversos gastrointestinais.
O QUE PODEMOS APRENDER COM ESTE ESTUDO
O MariTide representa, sem dúvidas, mais um avanço na terapêutica da obesidade, ao demonstrar que uma única dose mensal pode proporcionar reduções de peso próximas a 20%, com melhora relevante do controle glicêmico em pessoas com diabetes tipo 2. Em indivíduos com pré-diabetes, a reversão para normoglicemia foi notável, fortalecendo o papel das terapias anti obesidade na prevenção do diabetes.
Outro aspecto interessante foi o uso rigoroso de ferramentas de avaliação de tolerabilidade, que permitiram desenhar estratégias mais eficazes de escalonamento de dose — hoje já incorporadas ao desenho dos estudos de fase 3, que iniciam com 21 mg e escalam gradualmente até 420 mg, com o objetivo de mitigar os efeitos colaterais sem sacrificar a eficácia.
A possibilidade de uma aplicação mensal (ou potencialmente até mesmo bimestral) facilitaria a adesão, com impacto direto na prática clínica. Ao mesmo tempo, o mecanismo único de antagonismo do receptor de GIP desafia nosso entendimento sobre as vias neuroendócrinas do controle de peso.
Por fim, o MariTide se coloca como uma das moléculas mais promissoras em desenvolvimento, com potencial para redefinir o padrão de cuidado em obesidade. Aguardemos agora os dados da fase 3.
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