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Endocrinologia23 junho 2025

ADA 2025: Catalyst trial - Tratamento do DM em pacientes com hipercortisolismo

O DM2 é uma condição heterogênea, cuja dificuldade de controle pode refletir causas multifatoriais.

No último dia do congresso de 2025 da American Diabetes Association (ADA) foram apresentados os dados da segunda parte do estudo CATALYST, que visa entender o papel do hipercortisolismo subclínico no controle do diabetes tipo 2 (DM2).

O diabetes tipo 2 (DM2) é uma condição heterogênea, cuja dificuldade de controle pode refletir causas multifatoriais – entre elas, resistência insulínica acentuada, múltiplas comorbidades, polifarmácia e até mesmo disfunções do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Um crescente corpo de evidências tem apontado que uma parcela significativa de pacientes com DM2 de difícil controle apresenta hipercortisolismo funcional ou subclínico, uma condição caracterizada por excesso leve e crônico de cortisol, sem os sinais clássicos da síndrome de Cushing. 

Essa forma mais sutil de hipercortisolismo, muitas vezes não diagnosticada, tem sido associada ao acúmulo visceral de gordura, piora da resistência insulínica, hipertensão, dislipidemia, fragilidade muscular, dentre outros. A ativação persistente dos receptores de glicocorticoides, mesmo em níveis levemente elevados de cortisol, contribui diretamente para o descontrole glicêmico, e pode ser um dos fatores ocultos que impedem o alcance das metas terapêuticas, mesmo com múltiplas medicações. 

Foi nesse contexto que nasceu o estudo CATALYST, com o objetivo de investigar de forma estruturada a prevalência do hipercortisolismo funcional em pacientes com DM2 de difícil controle e, posteriormente, avaliar se o bloqueio farmacológico dos receptores de glicocorticoides com mifepristona poderia representar uma nova via terapêutica. 

Métodos

O estudo foi desenvolvido em duas fases complementares e sequenciais: 

  • A primeira fase, publicada na Diabetes Care em 2025 e apresentada no ADA 2024, focou no rastreamento sistemático da disfunção adrenocortical em mais de mil indivíduos com DM2 refratário; 
  • A segunda fase, apresentada no congresso ADA 2025, investigou os efeitos do tratamento do hipercortisolismo subclínico especificamente com o uso da mifepristona nos participantes identificados com hipercortisolismo. 

O racional foi entender o quanto o excesso de cortisol contribui de forma significativa para a resistência insulínica e para o acúmulo de gordura visceral e descobrir se sua inibição poderia melhorar o controle glicêmico e permitir a redução de medicamentos antidiabéticos. 

ANTES, REVISEMOS A PRIMEIRA PARTE DO CATALYST 

Na primeira fase, foram avaliados 1.057 participantes com DM2 de difícil controle, definido por HbA1c entre 7,5% e 11,5% e um dos seguintes critérios: 

– Uso de 3 ou mais medicamentos para diabetes 

– Em uso de insulina e outros medicamentos para diabetes 

– Usando 2 ou mais medicamentos para diabetes e apresentando pelo menos 1 complicação microvascular ou macrovascular 

– Usando 2 ou mais medicamentos para diabetes e 2 ou mais medicamentos anti-hipertensivos 

O objetivo era estimar a prevalência de hipercortisolismo funcional por meio de um protocolo padronizado de triagem: todos os participantes realizaram o teste de supressão com 1 mg de dexametasona, seguido de dosagem de cortisol, ACTH e DHEA-S.  

Os resultados foram impactantes: 23,8% dos indivíduos preenchiam critérios bioquímicos de hipercortisolismo funcional. A prevalência foi ainda maior entre: 

  • Usuários de anti-hipertensivos (36,4%); 
  • Indivíduos com doença cardiovascular (33%, vs. 21% naqueles sem doença CV); 
  • Pacientes com múltiplas classes de medicação antidiabética, especialmente análogos de GLP-1 e SGLT2i. 

O achado mais relevante dessa fase foi a constatação de que a triagem baseada no fenótipo clínico (DM de difícil controle ou associado a comorbidades) e polifarmácia – mais do que aparência clássica – permite identificar um subconjunto de pacientes nos quais a disfunção adrenocortical contribui de forma ativa para o descontrole glicêmico. Esses dados sustentaram o avanço para a fase terapêutica 

A FASE DE TRATAMENTO: MIFEPRISTONA NO HIPERCORTISOLISMO FUNCIONAL 

Na segunda etapa do CATALYST, estudo de fase 4, apresentado no ADA 2025, os participantes identificados com hipercortisolismo funcional foram randomizados para tratamento com mifepristona ou placebo por 24 semanas. A mifepristona é um antagonista do receptor de glicocorticoide, já aprovado para síndrome de Cushing endógena em alguns países, mas nunca antes estudado de forma robusta em hipercortisolismo funcional associado ao DM2. 

Os participantes iniciaram com 300 mg diários, com possibilidade de titulação até 600 mg ou 900 mg, conforme resposta clínica e tolerância. Cerca de 71% atingiram a dose de 600 mg, e 31% receberam 900 mg ao longo do estudo. 

O desfecho primário foi a variação da HbA1c na semana 24. Entre os desfechos secundários estavam a perda de peso, a redução de medicações antidiabéticas e a segurança do tratamento. 

RESULTADOS 

A resposta glicêmica ao tratamento foi interessante. Os participantes tratados com mifepristona apresentaram uma redução média de 1,47% na HbA1c, enquanto o grupo placebo teve mudança mínima: 

  • HbA1c inicial: 8,62% (mifepristona) vs. 8,41% (placebo) 
  • HbA1c na semana 24: 7,15% (mifepristona) vs. 8,26% (placebo) 
  • Diferença média: −1,32% (IC95% −1,81 a −0,83; p<0,001)
     

A melhora ocorreu apesar da redução ou descontinuação de outros medicamentos hipoglicemiantes. Até a semana 12, 53 participantes do grupo mifepristona haviam descontinuado ou reduzido suas medicações, contra apenas 8 no grupo placebo: 

  • Insulina de ação prolongada: 49,2% reduziram ou suspenderam; 
  • Insulina rápida: 30,3%  
  • Sulfonilureias: 22,2%; 
  • Análogos de GLP-1 e tirzepatida: descontinuações em 12,1% e 10,5% dos casos 
  • SGLT2i e metformina: mantidos em geral 

A mifepristona também induziu perda de peso significativa estatisticamente, ainda que em quantidade moderada: 

  • Redução média de −4,4 kg com mifepristona 
  • Aumento de +0,7 kg com placebo 
  • Diferença de −5,1 kg entre os grupos (IC95% −8,2 a −2,0; p=0,001) 

Na prática, isso se traduziu em uma redução relativa de 3,6% do peso corporal, contra um ganho de 0,3% no grupo controle. 

PROBLEMA: TOLERABILIDADE 

O tratamento com mifepristona teve taxa de conclusão menor (53,8%) em comparação com o grupo placebo (82,2%). A maioria das descontinuidades foi atribuída a eventos adversos relacionados ao bloqueio dos receptores de glicocorticoides: 

  • Síndrome de abstinência de esteroides: sintomas como fadiga, náuseas, tontura e hipotensão foram frequentes e requerem preparação clínica e psicoeducação adequada. 
  • Hipocalemia: efeito adverso conhecido da mifepristona, com necessidade de monitoramento laboratorial e, idealmente, uso de diuréticos poupadores de potássio profilaticamente. 
  • Não foram detectados sinais de segurança novos ou inesperados durante o estudo. 

O QUE PODEMOS APRENDER COM ESTE ESTUDO E COMO ELE INFLUENCIA NOSSA PRÁTICA MÉDICA 

O CATALYST abre uma nova fronteira na abordagem do diabetes tipo 2 de difícil controle. A constatação de que quase 1 em cada 4 pacientes com DM2 refratário apresenta hipercortisolismo funcional muda a forma como devemos pensar esta condição. Pela primeira vez, um estudo mostrou que tratar o eixo cortisol-receptor pode trazer benefícios concretos no controle glicêmico, permitindo a redução de insulina e outros agentes, além de promover perda de peso e potencial melhora metabólica ampla. 

A mifepristona se mostra uma opção terapêutica válida em um subgrupo específico, mas numeroso, de pacientes, desde que seu uso seja individualizado, com atenção cuidadosa aos sintomas de abstinência, distúrbios eletrolíticos e interações medicamentosas, já que as taxas de descontinuação foram grandes. É interessante destacar que, como os autores do estudo reforçam durante a apresentação, essa queda de HbA1c aconteceu em pacientes já em uso de múltiplas drogas, muitos em uso de agonistas de GLP-1, porém com respostas aquém do esperado. 

Os autores também defendem que as diretrizes devam incorporar o rastreio sistemático de hipercortisolismo funcional em pacientes com DM2 de difícil controle, especialmente aqueles que usam múltiplas medicações ou apresentam características de resistência insulínica extrema. 

O CATALYST trial é interessante por ser um exemplo da medicina de precisão aplicada ao diabetes, onde a compreensão do mecanismo fisiopatológico em um subgrupo específico de pacientes pode transformar o tratamento e os desfechos dos pacientes.

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Referências bibliográficas

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