Na primeira e mais relevante apresentação do último dia do 85º congresso da American Diabetes Association (ADA) 2025, foram apresentados os dados do estudo BELIEVE, que avaliou o impacto da combinação do Bimagrumabe (EV) com a Semaglutida subcutânea.
Contextualizando, sabemos que o tratamento farmacológico da obesidade vem avançando de maneira significativa nos últimos anos, particularmente com o advento dos agonistas do receptor de GLP-1, como a semaglutida. Ainda assim, uma limitação importante dessas terapias é a perda de massa magra que acompanha a redução de peso, o que pode comprometer o gasto energético basal, afetar a composição corporal e dificultar a manutenção do peso a longo prazo. Essa realidade motivou o desenvolvimento de abordagens terapêuticas voltadas não apenas à quantidade de peso perdido, mas à qualidade da perda ponderal.
Nesse quesito, destaca-se o bimagrumabe — um anticorpo monoclonal que atua por um mecanismo completamente diferente dos medicamentos incretínicos. Trata-se de um inibidor da via da activina e da miostatina, que atua no tecido muscular e adiposo bloqueando os receptores ActRIIA/B, ALK4 e ALK7. A consequência desse bloqueio é dupla: por um lado, há estímulo ao crescimento de massa muscular esquelética; por outro, há inibição da deposição de gordura, sobretudo no tecido adiposo visceral. Importante destacar que esses efeitos ocorrem independentemente de qualquer atuação no sistema nervoso central, apetite ou saciedade — o que diferencia profundamente essa estratégia de outras terapias antiobesidade.
A partir desse racional, foi desenhado o estudo BELIEVE, apresentado na ADA 2025. O objetivo foi testar se a associação entre bimagrumabe e semaglutida seria capaz de potencializar a perda de gordura corporal ao mesmo tempo em que preservasse, ou até aumentasse, a massa magra, promovendo uma perda de peso de maior qualidade metabólica.
O ESTUDO
O estudo BELIEVE foi um ensaio clínico randomizado, de fase 2, duplo-cego, placebo-controlado, conduzido em múltiplos centros com 507 participantes adultos com sobrepeso ou obesidade. A randomização foi balanceada entre nove grupos, com cerca de 55 pacientes em cada braço, alocando os pacientes nos seguintes grupos:
- Placebo intravenoso (IV);
- Bimagrumabe 10 mg/kg IV;
- Bimagrumabe 30 mg/kg IV;
- Semaglutida 1,0 mg/semana SC;
- Semaglutida 2,4 mg/semana SC;
- Bima 10 + Sema 1,0;
- Bima 30 + Sema 1,0;
- Bima 10 + Sema 2,4;
- Bima 30 + Sema 2,4
Resultados
Todos os pacientes passaram por uma fase inicial de triagem de seis semanas, seguida de uma fase de tratamento cego de 48 semanas, uma extensão aberta de 24 semanas e, posteriormente, uma fase de retirada do tratamento com 32 semanas de seguimento (ainda em curso). A composição corporal foi avaliada por absorciometria de dupla energia (DXA) em seis momentos distintos ao longo do estudo.
O objetivo primário foi a variação do peso corporal na semana 72. Os desfechos secundários incluíram a proporção de perda de gordura corporal, alterações em gordura visceral e massa magra, além de marcadores metabólicos como proteína C reativa de alta sensibilidade (hsCRP), adiponectina, colesterol e triglicerídeos.
Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 80 anos, IMC acima de 30 ou maior ou igual a 27 e uma comorbidade associada à obesidade, com estabilidade do peso nos últimos 90 dias e peso máximo de 150 kg. Os participantes do estudo tinham uma média de idade de 47 anos, 57% mulheres, com IMC médio de 37 kg/m², circunferência abdominal inicial média de 118 cm, HbA1c 5,4% e massa gorda de 45,8 kg, enquanto apresentavam em média 58,3 kg em massa magra
A ASSOCIAÇÃO ENTRE BIMAGRUMABE E SEMAGLUTIDA LEVOU A PERDAS EXPRESSIVAS DE PESO E SOBRETUDO DE MASSA GORDA
Os dados confirmaram que a combinação de bimagrumabe com semaglutida promoveu uma perda de peso substancialmente maior do que qualquer uma das drogas isoladas. Enquanto o grupo que recebeu apenas bimagrumabe (30 mg/kg) apresentou uma redução média de 9,7% do peso corporal e o grupo com semaglutida 2,4 mg teve uma perda de 14,8%, a associação de bimagrumabe 30 mg/kg com semaglutida 2,4 mg atingiu 20,2% de redução após 48 semanas, índice comparável ao de estudos com tirzepatida em dose plena e com a CagriSema, também apresentada neste congresso da ADA de 2025 (estudo REDEFINE) coberto aqui pelo portal. Quando analisados até o período de extensão do estudo (semana 72), os pacientes continuaram a perder peso, apresentando no grupo combinação uma perda de até 22,1% do peso corporal, comparados a 15,7% no grupo semaglutida 2,4 mg isolado e -10,8% no grupo bima 30 isolado.
Contudo, o principal destaque foi a qualidade dessa perda ponderal. O grupo que utilizou apenas bimagrumabe apresentou um aumento de 2,5% na massa magra corporal, enquanto o grupo que utilizou semaglutida isoladamente teve uma perda de 7,4% nessa mesma variável. Quando combinadas, as medicações permitiram uma perda de peso predominantemente composta por gordura, com apenas 2,9% de redução na massa magra, o que representa uma composição de 92,8% da perda de peso oriunda da gordura corporal.
A redução de gordura visceral estimada por DXA foi notável. O grupo bimagrumabe isolado apresentou 45,1% de redução, a semaglutida isolada, 35,8%, e a combinação das duas, 58,2%. Esses dados refletem uma das maiores reduções de gordura visceral já relatadas em estudos clínicos. Em termos de gordura corporal total, a combinação resultou em 45,7% de redução, com 94% dos participantes apresentando pelo menos 30% de redução no volume de gordura — uma meta que, isoladamente, foi atingida por metade dos participantes que usaram bimagrumabe e por 36% dos que usaram apenas semaglutida.
OS DESFECHOS METABÓLICOS SECUNDÁRIOS TAMBÉM CHAMARAM A ATENÇÃO, SOBRETUDO O AUMENTO DA ADIPONECTINA
Entre os desfechos metabólicos avaliados, a redução da proteína C reativa de alta sensibilidade (hsCRP) foi um dos resultados mais expressivos do estudo. O bimagrumabe isolado reduziu esse marcador inflamatório em 70%, enquanto a semaglutida proporcionou uma queda de aproximadamente 59%. Contudo, a combinação das duas resultou em uma redução de 83,4%, sugerindo um efeito anti-inflamatório sinérgico.
Outro marcador que se destacou foi a adiponectina, hormônio associado à sensibilidade à insulina e proteção cardiovascular. O bimagrumabe, por si só, elevou os níveis de adiponectina em 29,4 μg/mL, valor já bastante significativo. A semaglutida, por outro lado, elevou os níveis em 7,2 μg/mL. A combinação das duas levou a um aumento de 37,9 μg/mL na semana 48, o que representa aproximadamente o triplo dos níveis basais. Esse achado chamou especialmente a atenção dos pesquisadores, por sugerir uma possível ação do bimagrumabe como um indutor potente da adiponectina — algo inédito até então.
O perfil lipídico também foi avaliado. O uso isolado de bimagrumabe foi associado a um aumento de 10,1% no colesterol total após 72 semanas, atribuído à mobilização aguda de ácidos graxos durante as fases iniciais da infusão. Ao longo do tempo, esse efeito foi atenuado. Já a semaglutida produziu uma redução de 4,4% nos níveis de colesterol total. Quando utilizadas em conjunto, as medicações resultaram em uma redução final de 2,1%.
Quanto aos triglicerídeos, o bimagrumabe isolado levou a um discreto aumento de 2,3%, enquanto a semaglutida isolada reduziu os níveis em 21%. A combinação das duas atingiu uma redução de 25,2%, o que indica um efeito complementar mais robusto na melhora do perfil lipídico.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS
O estudo BELIEVE representa um marco na evolução terapêutica da obesidade ao demonstrar, de forma inédita, que é possível alcançar uma perda de peso substancial, com preservação expressiva da massa magra e melhora acentuada de marcadores inflamatórios e hormonais. A via da activina e da miostatina, até então pouco explorada na clínica, mostrou-se altamente eficaz quando inibida pelo bimagrumabe — especialmente quando associada ao uso de incretinas.
O diferencial dessa abordagem reside na qualidade da perda ponderal: ao evitar a perda de tecido muscular, preserva-se o gasto energético basal e minimiza-se o risco de reganho de peso, um dos maiores obstáculos à manutenção de longo prazo. Adicionalmente, os efeitos metabólicos observados, como o aumento de adiponectina e a redução da PCR, sugerem benefícios adicionais para pacientes com síndrome metabólica, resistência insulínica e risco cardiovascular elevado.
Embora o bimagrumabe tenha sido administrado por via intravenosa neste estudo, formulações subcutâneas estão em estudo e desenvolvimento, de acordo com os autores. Isso poderá facilitar sua incorporação na prática clínica e ampliar suas indicações. Os dados do BELIEVE indicam que o bimagrumabe pode vir a ser utilizado como adjuvante à terapia com incretinas, como terapia de manutenção após grandes perdas de peso, ou ainda como alternativa em pacientes que não toleram os efeitos adversos dos agonistas de GLP-1.
Vale destacar que não foram registrados eventos adversos cardíacos graves. Os efeitos colaterais mais comuns incluíram espasmos musculares, acne e diarreia com o bimagrumabe, além dos já conhecidos efeitos gastrointestinais da semaglutida, como náuseas e constipação.
A combinação de mecanismos periféricos e centrais parece ser uma estratégia de futuro na obesidade, e o BELIEVE inaugura esse caminho.
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