Logotipo Afya
Anúncio
Endocrinologia23 junho 2024

ADA 2024: Efeitos da diabetes no pulmão - o que sabemos até agora?

Confira estudos e revisões apresentadas durante o congresso sobre a relação entre diabetes, RI e asma.

Um dos simpósios de maior destaque do congresso da American Diabetes Association (ADA) 2024 versou sobre uma relação que poucas vezes é abordada na prática médica, que é a relação entre o diabetes, seu tratamento e o impacto nas comorbidades pulmonares crônicas, sobretudo na asma, DPOC e marcadores inflamatórios pulmonares. Para tanto, o tema foi dividido em alguns tópicos, dos quais trazemos os principais destaques nesta cobertura. 

Qual a relação entre diabetes e asma? 

 O Dr. Juan C. Celedón, MD, introduziu a relação do diabetes, resistência insulínica e comorbidades asma. Existe maior risco de infecções pulmonares, tais como COVID-19, tuberculose e mucormicose, além da possível relação com distúrbios do sono quando consideramos sobrepeso e obesidade (lembrando que 90% dos indivíduos com DM tem algum grau de sobrepeso ou obesidade), alterações da função pulmonar que podem estar ligadas a resistência insulínica e relações indiretas com asma, sobretudo ligado a obesidade.   

A asma acomete cerca de 25 milhões de pessoas nos EUA, sendo a doença respiratória crônica mais comum na infância, representando um custo anual próximo de 80 bilhões de dólares nos EUA. A relação da asma com obesidade é bem conhecida e o tratamento da obesidade deve fazer parte do tratamento desses pacientes. Mas e a relação direta do diabetes? 

Em termos fisiopatológicos, a hiperglicemia e hiperinsulinemia pode levar a hiperresponsividade de vias aéreas através de vias incluindo disfunção do epitélio respiratório e promovendo proliferação de células da musculatura lisa. Em um estudo de 2015, do grupo do Dr. Caledón, que avaliam a resistência insulínica (RI) – mensurado através do HOMA-IR – demonstram que quanto maior o HOMA-IR, maior o grau de obstrução demonstrado pelo VEF1. Outro estudo, também de seu grupo, que avaliou cerca de 47.000 indivíduos, sem diagnóstico de diabetes, demonstrou que o risco de internações por asma descompensada aumenta significativamente com o aumento da glicemia, de forma linear (a cada incremento de 1 mmol/mol de HbA1c há uma elevação de 3% no risco de internação), enquanto como variável categórica, a presença de pré-diabetes ou diabetes, com HbA1c ≥ 6% aumentou o risco em 68%.  

Para fechar, esses dados sinalizam prováveis associações de diabetes, hiperglicemia e piora da asma, mas é fundamental progredir na investigação de vias que as justificam. 

 

Papel da resistência insulínica na asma 

O Dr. Tianshi D. Wu (Baylor College of Medicine) deu continuidade discutindo a resistência insulínica como um ponto a se focar no tratamento da asma, discutindo também os efeitos da insulina e RI nesse cenário. O primeiro ponto de destaque é que a asma tem diversos fenótipos e não necessariamente requer o traço atópico, mas também relacionado à inflamação sistêmica. 

Dados advindos de estudos animais mostram que, animais expostos à hiperinsulinemia pulmonar (o que é esperado em estágios iniciais do diabetes) apresentam alterações fisiopatológicas como deposição de colágeno peribronquiolar e proliferação de musculatura lisa, mecanismo pelo qual pode levar a disfunção de pequenas vias aéreas. Além disso, pode levar a disfunção de grandes vias aéreas, representada por hiperresponsividade de via aérea. Dados históricos mostram que, quanto maior o HOMA-IR, pior o CVF, independentemente da obesidade. 

Esse padrão de menor VEF1 e CVF, como menciona o Dr. Wu, é conhecido como um padrão inespecífico, já que várias condições podem levar a isso, tais como redução na complacência pulmonar visto na fibrose pulmonar, redução da complacência da caixa torácica, fraqueza neuromuscular e disfunção de pequenas vias aéreas. Contudo, é provável que a queda da CVF relacionada à RI deva ter relação com doenças de pequenas vias. 

Em dados clínicos, dados observacionais sugerem que, pacientes asmáticos com diabetes que recebem tratamento apresentam melhora não apenas do controle glicêmico, como também da asma. Os dados são particularmente interessantes com agonistas de GLP-1, inibidores de SGLT-2, metformina e glitazonas (TZD). Existem dois ensaios clínicos randomizados atualmente em andamento para investigação do impacto dessas medicações, porém em indivíduos com obesidade – o estudo GATA-3 (semaglutida em adultos com asma relacionada a obesidade) e MINA (metformina em adultos com asma relacionada a obesidade). Já os estudos com TZD foram neutros, sem melhora em desfecho. 

  

Potencial benefício de agonistas de GLP-1 em pacientes com asma e DPOC 

Além da revisão sobre a relação entre diabetes, RI e asma, a Dra. Dinah Foer, MD (Harvard Medical School) trouxe outros pontos relevantes para discussão, abordando o papel do agonistas de GLP-1 nesse cenário. 

Em primeiro lugar, ela relembrou que nos guidelines de asma não há menção para o diabetes, resistência insulínica e hipertrigliceridemia como fatores de risco, mas apenas como consequências do uso frequente de glicocorticoides. Além disso, existe uma mudança de paradigma atual no tratamento do diabetes, focando não apenas no controle glicêmico mas na melhora de comorbidades relacionadas ao DM. Seria o caso de entendermos como melhorar o tratamento do diabetes focando também nas comorbidades pulmonares? 

Estudos pré-clínicos demonstram que a ativação de vias do GLP-1 pode melhorar a asma em modelos murinos. Também há dados esparços pré clínicos que mostram benefícios. Em humanos, sabemos que o pulmão é rico em receptores GLP-1. É relevante lembrar, antes de entrarmos nos dados de estudos, que exacerbações são frequentemente utilizados como desfechos em estudos pulmonares uma vez que são determinantes para a sobrevida desses indivíduos. 

Em dados do grupo da Dra. Foer, publicado em 2020, evidenciou que pacientes com diabetes e asma, que iniciaram agonistas de GLP-1, tiveram uma redução significativa na incidência de exacerbações quando comparados a outras medicações como insulina basal (RR da insulina basal vs. aGLP-1: 2,58); sulfonilureia (RR 1,83), iDPP=-4 (RR 2,45) e iSGLT-2 (RR 2,98) e em sintomas relacionados à asma (tosse, dispneia ou chiados). Tais resultados também continuaram significativos quando controlados para o IMC. Tal achado foi reforçado por outro estudo, publicado no Diabetes Care em 2021, que evidenciou redução de hospitalizações ou exacerbações em indivíduos com asma/DPOC. Contudo, o estudo foi criticado pela falta de dados relativos a tabagismo, IMC e outros fatores importantes. 

Há 3 estudos prospectivos que analisaram desfechos pulmonares em pacientes com DM2 e uso de aGLP-1, porém apenas um estudo avaliou pacientes com asma, que teve sete pacientes e não houve grupo controle. Houve redução de exacerbações independente da perda de peso – porém vale destacar o n pequeno e a falta de um grupo controle. Não há estudos prospectivos em pacientes com DM2 e DPOC. 

Logo, temos vários dados que sugerem um provável papel de agonistas de GLP-1, sobretudo em indivíduos com asma, mas ainda precisamos de ensaios clínicos randomizados para sua avaliação. Além dos estudos em andamento supramencionados para investigar as medicações em pacientes com asma e obesidade, também está em andamento o estudo RealGLAAD, um estudo de mundo real para avaliação dos agonistas de GLP-1 em pacientes com asma e diabetes, especificamente. Aguardemos os dados desse trial. 

Continue acompanhando nossa cobertura do congresso da ADA 2024.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Endocrinologia