Anualmente, o congresso do American College of Physicians (ACP) traz palestras acerca de revisões sobre quais foram as principais publicações dentro de diversas subáreas da clínica médica. Em 2025 não poderia ser diferente. O Dr Irl B. Hirsch (University of Washington) foi o encarregado de trazer alguns dos dados mais relevantes publicados nos últimos 12 meses na área da endocrinologia. Trazemos este “condensado” de conhecimento para a nossa cobertura. A apresentação abrangeu desde questões estruturais de saúde pública até estudos clínicos recentes sobre novas terapias hormonais, antidiabéticos e tecnologias no manejo do diabetes.
AS PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES NA ENDOCRINOLOGIA EM 2024
Escassez de Endocrinologistas nos EUA
O Dr. Hirsch iniciou não propriamente com um grande estudo, mas com uma análise preocupante da força de trabalho em endocrinologia nos Estados Unidos. Há cerca de 8.000 endocrinologistas clínicos no país, sendo que apenas 5.000 se dedicam exclusivamente à especialidade. Isso representa menos de dois especialistas para cada 100.000 habitantes — um número inferior ao de países com sistemas de saúde menos desenvolvidos. Essa escassez tem impactado o acesso a cuidados especializados, sobretudo em áreas rurais e comunidades de baixa renda, que sofrem ainda mais com a má distribuição e ausência de endocrinologistas nessa área. Apesar da crescente prevalência de doenças endócrinas como obesidade, diabetes e disfunções tireoidianas, o número de vagas para residência médica em endocrinologia permanece inalterado, sem perspectiva de expansão significativa.
Fezolinetant para Menopausa
Em seguida, o Dr. Hirsch apresentou, um ensaio clínico de fase 3, randomizado, duplo-cego, que avaliou o perfil de segurança do fezolinetant, um antagonista do receptor de neurocinina-3 (NK3), para o tratamento de sintomas vasomotores da menopausa (estudo DAYLIGHT)
Na menopausa, a queda dos níveis de estrogênio leva a uma disfunção dos neurônios KNDy (neurônios que coexpressam kisspeptina, neuroquinina B e dinorfina), resultando em instabilidade termorregulatória e surgimento dos sintomas vasomotores, como fogachos e suores noturnos. O bloqueio do receptor NK3 por Fezolinetant tem como objetivo restaurar essa estabilidade, sem interferir diretamente nos níveis hormonais sistêmicos.
O estudo DAYLIGHT incluiu 453 mulheres saudáveis na pós-menopausa que apresentavam frequência moderada a severa de sintomas vasomotores. Essas participantes foram randomizadas para receber Fezolinetant ou placebo. O desfecho primário foi a mudança na frequência de sintomas vasomotores moderados a severos em 12 semanas, e também foram avaliadas a intensidade dos sintomas e medidas secundárias de bem-estar.
Os resultados mostraram reduções significativas na frequência e intensidade dos fogachos com o uso de Fezolinetant em comparação ao placebo. A eficácia foi observada de forma precoce, com benefícios perceptíveis já nas primeiras semanas de tratamento e sustentados ao longo do tempo. A medicação apresentou bom perfil de segurança, com baixa taxa de efeitos adversos. A maioria dos eventos foi leve, e o estudo não apontou riscos relevantes de hepatotoxicidade ou efeitos cardiovasculares — aspectos que têm sido historicamente preocupações em terapias alternativas à reposição hormonal.
A inclusão do estudo DAYLIGHT como evidência-chave na apresentação reforça a solidez dos dados que sustentam a utilização do Fezolinetant. O Dr. destacou que sua principal indicação é para mulheres com sintomas vasomotores incômodos que não desejam ou não podem utilizar terapia hormonal, como aquelas com histórico de câncer hormônio-dependente, trombofilia ou eventos cardiovasculares prévios.
O Fezolinetant representa uma mudança de paradigma no tratamento da menopausa, ao oferecer uma opção não hormonal, eficaz e segura, direcionada para a fisiopatologia central dos sintomas vasomotores. Com isso, amplia-se a possibilidade de personalização da terapia e melhora-se o acesso a alívio sintomático para um grupo significativo de mulheres.
TRAVERSE Trial — Testosterona, risco cardiovascular e fraturas em indivíduos com hipogonadismo
Foi apresentado também o estudo TRAVERSE, um dos maiores e mais esperados ensaios clínicos sobre a segurança da terapia de reposição de testosterona (TRT) em homens com hipogonadismo. O estudo foi desenhado para responder uma das maiores preocupações históricas em relação à TRT: seu potencial risco cardiovascular.
O estudo TRAVERSE recrutou 5.246 homens com idades entre 45 e 80 anos, todos com hipogonadismo confirmado e pelo menos um fator de risco cardiovascular — como diabetes, hipertensão ou histórico de tabagismo. Esses pacientes foram randomizados para receber gel de testosterona (dose ajustável) ou placebo, com acompanhamento médio de 33 meses.Importante ressaltar que, para serem incluídos, os participantes deviam apresentar níveis consistentemente baixos de testosterona e sintomas clínicos compatíveis com hipogonadismo, conforme definido por critérios laboratoriais e clínicos.
O desfecho primário foi a ocorrência de eventos cardiovasculares maiores (MACE), definidos como morte cardiovascular, infarto do miocárdio ou AVC. A análise mostrou que o uso de testosterona não aumentou o risco cardiovascular, com uma incidência de eventos MACE semelhantes ao grupo placebo. A taxa de eventos foi de 7,0% no grupo testosterona versus 7,3% no grupo placebo, evidenciando a não inferioridade da TRT nesse cenário.
Fraturas e Outros Efeitos
O estudo também avaliou outros desfechos relevantes, como fraturas osteoporóticas. Um achado importante foi que o grupo que recebeu testosterona apresentou maior incidência de fraturas em comparação ao grupo placebo. Essa observação foi considerada inesperada, dado que a testosterona costuma ser associada ao aumento da densidade mineral óssea. Os mecanismos ainda não estão claros, mas esse dado gerou alerta e indica a necessidade de avaliação cuidadosa do risco ósseo ao considerar TRT.
Além disso, nenhuma diferença significativa foi observada em relação ao risco de câncer de próstata ou tromboembolismo venoso, duas outras preocupações frequentes associadas ao uso prolongado de testosterona.
A análise do estudo TRAVERSE apresentada durante o congresso reforça que a TRT pode ser considerada segura do ponto de vista cardiovascular em homens selecionados com hipogonadismo e fatores de risco cardiovascular. No entanto, a decisão terapêutica deve ser individualizada, com atenção ao perfil ósseo do paciente, especialmente após os achados de maior risco de fraturas.
TIRZEPATIDA NA PREVENÇÃO DE DIABETES TIPO 2: RESULTADOS DE 176 SEMANAS DE ACOMPANHAMENTO DO ESTUDO SURMOUNT-1
Entre os destaques da sessão de atualizações em endocrinologia, a Dra. responsável pela apresentação trouxe os dados mais recentes da análise estendida do estudo SURMOUNT-1, que avaliou o efeito de longo prazo da tirzepatida sobre a prevenção do diabetes tipo 2 em indivíduos com obesidade ou sobrepeso e diagnóstico prévio de pré-diabetes.
Essa análise de 176 semanas de seguimento incluiu pacientes que participaram da fase original do SURMOUNT-1 (que havia sido conduzida por 72 semanas), agora observados ao longo de um período prolongado para investigar a manutenção dos benefícios metabólicos e o impacto na incidência de diabetes tipo 2.
Os resultados revelaram que, após essas 176 semanas de seguimento, a progressão de pré-diabetes para diabetes tipo 2 foi substancialmente reduzida nos grupos que haviam recebido tirzepatida comparado ao grupo placebo. Os dados mostraram que, ao final do período:
- 17,1% dos indivíduos que haviam recebido placebo desenvolveram diabetes tipo 2, confirmando a tendência natural de progressão da pré-diabetes em populações com obesidade.
- Em contraste, entre os tratados com tirzepatida: Apenas 1,3% dos indivíduos no grupo que recebeu 5 mg desenvolveram diabetes, 1,1% daqueles no grupo de 10 mg e somente 0,4% no grupo que recebeu 15 mg da medicação, levando a uma redução de 93% do risco de desenvolvimento de diabetes.
Esses resultados evidenciam uma redução impressionante e dose-dependente da incidência de diabetes tipo 2 entre os participantes tratados com tirzepatida. A proteção foi consistente ao longo do tempo e ainda mais marcante com doses maiores. Além disso, a análise indicou que a maioria dos indivíduos inicialmente com pré-diabetes revertia à normoglicemia com o uso da tirzepatida, e mantinha esse status ao longo das 176 semanas. A proporção de pacientes com retorno ao estado glicêmico normal não foi numericamente detalhada nos slides, mas foi enfatizada como clinicamente significativa.
Essa evidência reforça o potencial da tirzepatida não apenas como um agente para perda de peso, mas como uma estratégia eficaz e sustentada para prevenir o desenvolvimento de diabetes tipo 2 em pacientes com obesidade e risco metabólico elevado. O acompanhamento prolongado contribui para validar a durabilidade do efeito preventivo observado inicialmente nas 72 semanas, agora estendido por mais de três anos.
A magnitude da proteção observada posiciona a tirzepatida como uma das intervenções farmacológicas mais promissoras na modificação do curso natural da pré-diabetes, especialmente em populações de alto risco.
FLOW Trial — Semaglutida na Doença Renal Crônica (DRC)
O Dr. Hirsch também apresentou os dados do aguardado FLOW Trial, o primeiro grande estudo cardiovascular com desfecho renal positivo para um agonista de GLP-1, a semaglutida. O ensaio foi duplo-cego, controlado por placebo e incluiu 3.533 pacientes com diabetes tipo 2 e doença renal crônica.
Critérios de inclusão:
- TFGe entre 50 e 75 mL/min/1,73m² com albuminúria moderada a severa (RAC ≥300).
- Ou TFGe entre 25 e 50 mL/min/1,73m² com qualquer nível de albuminúria.
Intervenção:
- Semaglutida 1 mg por semana vs. placebo, adicionada à terapia padrão com IECA ou BRA.
Desfecho primário composto:
- Progressão da doença renal (definida como redução sustentada ≥50% da TFG, início de terapia renal substitutiva ou morte renal).
- Morte por causas cardiovasculares.
Resultados:
- Redução de 24% no risco do desfecho primário (HR 0,76; IC95% 0,66–0,88; p<0,001).
- A progressão da doença renal foi significativamente menor no grupo tratado com semaglutida (HR 0,76), também havendo redução de morte por causas cardiovasculares (HR 0,71) de forma significativa.
- Houve redução de morte por todas as causas dentre os desfechos secundários (HR 0,80).
O Dr. Hirsch destacou que, pela primeira vez, um agonista de GLP-1 demonstrou de forma robusta benefícios renais em uma população com DRC estabelecida, o que amplia a gama terapêutica além do controle glicêmico e da perda de peso.
Agonistas de GLP-1 e Risco de Câncer (13 Subtipos)
Foi apresentada uma análise retrospectiva de coorte envolvendo mais de 1,6 milhão de pacientes com DM2, comparando usuários de agonistas de GLP-1 com outros antidiabéticos quanto à incidência de 13 tipos de câncer. O destaque: comparado ao uso de insulina, não houve aumento de risco de câncer de tireoide durante o uso de agonistas de GLP-1.
Achados relevantes:
- Também não houve diferenças de risco para câncer de mama ou estômado
- Em todos os demais, houve redução no risco: Câncer de esôfago (HR 0,6), colorretal (HR 0,54), endométrio (HR 0,74), vesícula (HR 0,35), estômago (HR 0,73), renal (HR 0,76), hepático (HR 0,47), ovariano (HR 0,52), pancreático (HR 0,41), meningioma (0,37) e de mieloma múltiplo (HR 0,59)
- Não houve aumento de risco em nenhum tipo de câncer.
O Dr. Hirsch destacou que esses dados ajudam a reforçar o perfil de segurança dos GLP-1 RAs e potenciais benefícios na redução de risco sobretudo de câncer relacionados à obesidade.
Agonistas de GLP-1 e Câncer de Tireoide
Já uma análise focada no risco de câncer de tireoide em usuários de GLP-1 RAs, em comparação ao uso de inibidores de DPP-4, demonstrou:
- Ausência de aumento significativo de risco geral.
- Não houve diferença nos subtipos histológicos mais agressivos (ex. carcinoma medular – CMT).
Esses dados são importantes frente a preocupações iniciais derivadas de estudos pré-clínicos em roedores, que mostravam maior risco de CMT com o uso dos inibidores de SGLT-2.
Tecnologias para Diabetes Tipo 1 e Retinopatia
O Dr. Hirsch encerrou com uma análise observacional com 1.242 adultos com DM1, que avaliou a associação entre uso de tecnologias (CGM e bombas de insulina) e presença de retinopatia diabética.
Características da população:
- 550 pacientes com DM1, média de idade de 40 anos e duração do DM ~ 20 anos, com HbA1c média de 7,8%
- 63% em uso de CGM, 58% usando bombas de insulinas, porém os dados vinham de 2013 a 2021, onde os AIDs (sistemas automatizados de entrega de insulina, com sensores capazes de reduzir risco de hipoglicemias ou sistemas híbridos de insulina) eram muito pouco disponíveis.
Resultados:
- Uso de tecnologias (CGM + bombas) associado a menor prevalência de retinopatia moderada/grave.
- Benefício independente dos níveis de HbA1c.
O palestrante destacou que a redução da variabilidade glicêmica e melhora da estabilidade metabólica podem explicar esse efeito protetor. Concluiu enfatizando a necessidade de ampliar o acesso a tecnologias em populações vulneráveis para mitigar complicações microvasculares a longo prazo.
CONCLUSÕES
A endocrinologia, assim como as demais áreas da medicina interna, vem evoluindo, tanto no tratamento das condições metabólicas como obesidade e diabetes como em outras áreas, como no entendimento do metabolismo ósseo e no cuidado com mulheres na menopausa. Não deixe de acompanhar os demais temas da nossa cobertura do ACP 2025.
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