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Endocrinologia5 abril 2025

ACP 2025: Manejo prático da dislipidemia no consultório além das estatinas

A palestra teve como enfoque o manejo prático da dislipidemia no consultório e terapias não baseadas em estatina. Confira!

O congresso do American College of Physicians (ACP 2025), a “sociedade norteamericana de clínica médica”, é o maior congresso de medicina interna do mundo e conta com diversas palestras sobre temas fundamentais para o manejo de nossos pacientes, seja na atenção primária, em hospitais e até mesmo na prática do especialista. O congresso deste ano está acontecendo em New Orleans, nos Estados Unidos, e trazemos os destaques para cobertura aqui no portal. 

Uma das palestras mais relevantes do dia foi a da Dra. Lauren , MD, cardiologista da universidade de Washington, acerca do manejo da dislipidemia de forma prática no consultório e sobre medidas além das estatinas. Como a própria introduziu, o objetivo da palestra não foi a cobertura completa do tratamento e avaliação da dislipidemia, uma vez que se trata de um tema muito amplo, mas sim trazer um enfoque no manejo prático da dislipidemia no consultório, além de discutir a respeito de assuntos comentados no tema e sobre terapias não baseadas em estatina. 

Risco cardiovascular: quem precisamos tratar?

Na introdução da aula, a Dra. Lauren A. Weber destacou a importância da estratificação adequada do risco cardiovascular para orientar o manejo de lipídios, e apresentou duas ferramentas utilizadas para a avaliação de pacientes de prevenção primária: o escore ASCVD e a calculadora PREVENT. 

O escore ASCVD de 10 anos foi inicialmente abordado como um recurso tradicional e familiar, utilizado para estimar o risco de eventos cardiovasculares em indivíduos assintomáticos. Contudo, a Dra. Weber apontou que esta ferramenta tende a superestimar o risco em adultos mais velhos, o que pode levar à introdução de terapias farmacológicas mesmo em situações onde o benefício absoluto é questionável. Ainda assim, ela ressaltou que o ASCVD permanece uma ferramenta válida para orientar decisões clínicas, desde que seus resultados sejam contextualizados.  

Em seguida, foi apresentada a calculadora PREVENT, uma ferramenta mais recente que tem se mostrado útil pela inclusão de pacientes mais jovens e outros dados clínicos importantes como obesidade, status glicêmico e doença renal crônica (DRC). A PREVENT traz uma abordagem mais ampla e refinada para estimar o risco cardiovascular e, de acordo com a palestrante, gera escores de risco mais baixos quando comparada ao ASCVD, principalmente em pacientes mais velhos, além de trazer estimativas de risco em 10 e 30 anos. Essa diferença pode ter implicações práticas relevantes: pacientes que, segundo o ASCVD, estariam acima do limiar de 7,5% para início de estatinas, podem aparecer com risco inferior quando reavaliados com a PREVENT. A Dra. Weber sugeriu que, em pacientes com risco limítrofe, especialmente aqueles entre 5% e 20% de risco calculado, a PREVENT pode oferecer uma perspectiva mais precisa e realista do risco, evitando tanto o overtreatment quanto o undertreatment. 

Começa o ACP 2025: o que será abordado?

Qual a meta no tratamento do risco cardiovascular? 

No segmento seguinte, a palestrante abordou as metas terapêuticas trazidas nos últimos guidelines, sobretudo o da American Heart Association (AHA)/ACC. Para indivíduos de risco muito alto (doença cardiovascular estabelecida), o objetivo deve ser alcançar valores de LDL abaixo de 55 mg/dL. Já para indivíduos de risco alto (como os diabéticos ou os com escore ASCVD elevado, > 20%), o LDL-c deve ficar abaixo de 70 mg/dL. Indivíduos de risco moderado podem ser manejados com alvos menos agressivos, como LDL < 100 mg/dL (ASCVD < 7,5%). A terapia inicial sempre deve ser o uso de estatinas, de moderada intensidade (quando a meta for a redução < 30%) e alta intensidade se metas de redução de 50%. Caso não se alcance o objetivo, devemos adicionar outras terapias. 

Para pacientes com doença cardiovascular estabelecida (prevenção secundária) ou LDL-c acima de 190 mg/dL, o tratamento deve ser iniciado independentemente do escore ASCVD, com estatinas de alta intensidade. O mesmo vale para indivíduos com ASCVD elevado (> 20%) e para diabéticos entre 40 e 75 anos, onde estatinas também são indicadas rotineiramente. Nos pacientes sem ASCVD ou diabetes, mas com risco calculado entre 7,5% e 20%, a decisão deve considerar fatores de risco adicionais. Exames auxiliares como o escore de cálcio coronariano podem auxiliar: um escore de cálcio de zero pode sugerir adiamento do tratamento, enquanto escores acima de 100 justificam início precoce. 

Após início da terapia, a Dra. Weber recomendou reavaliar o perfil lipídico entre 6 e 12 semanas, observando a resposta e a adesão ao tratamento. Se as metas não forem atingidas, intensifica-se o tratamento, seja com titulação da estatina, seja com adição de outra classe medicamentosa. 

Papel da ApoB e Lp(a): Avaliação Avançada de Risco 

A Dra. Weber destacou o papel crescente de marcadores adicionais como ApoB e Lp(a) na avaliação de risco residual. A apolipoproteína B (ApoB), presente em todas as partículas aterogênicas, oferece uma medida direta da carga de partículas aterogênicas, sendo útil principalmente em pacientes com hipertrigliceridemia, síndrome metabólica ou discordância entre LDL-c e não-HDL. A lipoproteína(a), por sua vez, é uma lipoproteína geneticamente determinada associada a risco cardiovascular elevado. Apesar de não haver terapias amplamente disponíveis para reduzir a Lp(a), sua medição pode reclassificar o risco de pacientes intermediários, justificando terapias mais intensivas. 

Além da Estatina: Estratégias Adicionais no Controle Lipídico 

Já ao final da palestra, a Dra. Weber aprofundou-se nas opções terapêuticas disponíveis além das estatinas, essenciais em casos de intolerância ou necessidade de intensificação terapêutica: 

  • Ezetimiba: Inibe a absorção intestinal de colesterol, reduzindo o LDL-c em aproximadamente 18-20%. É a primeira opção a ser adicionada à estatina quando o alvo não é atingido. 
  • PCSK9-mAB (evolocumabe e alirocumabe): Antes chamados de inibidores de PCSK9, são anticorpos monoclonais que reduzem o LDL-c em até 60% e promovem redução significativa de eventos cardiovasculares. São indicados em prevenção secundária ou hipercolesterolemia familiar, quando estatinas e ezetimiba não são suficientes. 
  • Inclisiran (siRNA): Atua reduzindo a síntese hepática de PCSK9 com administração subcutânea semestral. Reduz o LDL-c em magnitude semelhante aos inibidores de PCSK9, com potencial benefício de adesão. 
  • Ácido bempedóico: Medicação oral que reduz LDL-c em até 18% e tem perfil favorável para pacientes intolerantes à estatina. Em prevenção secundária, mostrou redução de eventos cardiovasculares. 
  • EPA: Um derivado purificado de EPA (ácido eicosapentaenoico), utilizado especialmente em pacientes com triglicerídeos elevados e risco cardiovascular aumentado. Em pacientes com triglicerídeos entre 135 e 499 mg/dL, reduziu eventos cardiovasculares mesmo com LDL controlado. 

Escolha Terapêutica em Pacientes Intolerantes à Estatina 

A Dra. Weber finalizou com orientações práticas sobre como manejar pacientes com intolerância à estatina. Em prevenção primária, caso o LDL for > 190 mg/dL, a sequência sugerida é iniciar com ezetimiba ou PCSK-9-mAB ou inclisiran, seguida por ácido bempedoico, dependendo da disponibilidade e perfil do paciente. Se LDL <190, a ezetimiba deve ser  a primeira opção, em sua visão. Já em prevenção secundária, onde a redução do risco absoluto é maior, a combinação de ezetimiba com inibidores de PCSK9 pode ser considerada precocemente, até mesmo de cara, ou um após o outro, escalonando de acordo com a resposta. Após, considerar o ácido bempedóico, como terapia adicional. 

CONCLUSÕES 

A palestra da Dra. Weber forneceu um panorama pragmático e atualizado sobre o manejo de dislipidemias com foco na prevenção de eventos cardiovasculares. O raciocínio clínico deve sempre partir da estratificação de risco e ter como meta intervenções personalizadas, associando modificações de estilo de vida à terapia farmacológica escalonada com estatinas e, quando necessário, com medicações adicionais. A busca ativa por metas terapêuticas bem definidas, o uso racional de exames complementares como ApoB e Lp(a), e o seguimento próximo dos pacientes são pilares para o sucesso do tratamento.

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