A infecção primária pelo vírus Varicella zoster, mais frequente em crianças, geralmente, cursa com quadros auto-limitados de varicela (catapora) em indivíduos imunocompetentes. Pacientes com doença inflamatória intestinal (DII), quando em uso de imunossupressores e biológicos, apresentam risco aumentado de complicações da varicela, como pneumonia, hepatite, osteomielite, encefalite, ataxia cerebelar, superinfecções bacterianas cutâneas e sepse. Diferentemente do curso benigno da varicela em crianças, especialmente aquelas com menos de 14 anos, em adultos a mortalidade é 25 vezes maior, atingindo uma taxa de 21,3 óbitos por 100 mil casos.
O diagnóstico em adultos com DII e suspeita de varicela deve ser feito através da swab de material da base da lesão macular ou papular de pele para realização de PCR. Testes sorológicos IgM negativos não afastam o diagnóstico. Em casos leves a moderados, o tratamento deve ser iniciado em até 72 horas do início do quadro e realizado com valaciclovir 1g de 8/8 horas por 5-7 dias. Em pacientes com doença disseminada ou acometimento de órgão sólido, recomenda-se utilizar aciclovir endovenoso na dose de 10-12mg/kg de peso a cada 8 horas, mantido até melhora clínica, sem aparecimento de novas lesões cutâneas. A terapia imunossupressora deve ser suspensa até o desaparecimento completo de vesículas.
Pacientes imunossuprimidos, sem imunidade prévia documentada contra Varicella zoster, expostos a indivíduo com varicela, devem receber profilaxia pós-exposição mandatória, dada altíssima taxa de ataque da doença (>90%. após contato próximo. Nesses pacientes, a imunização passiva com imunoglobulina contra varicela deve ser administrada o mais rapidamente possível até o 10o dia após a exposição. A imunização passiva é capaz de conferir proteção em até 70% dos casos, motivo pelo qual os pacientes ainda devem ser acompanhados por pelo menos 28 dias.
As diretrizes da ECCO para pacientes com DII recomendam como medidas preventivas
- Checar o cartão de vacinas para presença de duas doses da vacina contra Varicella zoster.
- Nos pacientes com DII e história vacinal desconhecida, realizar sorologia para Varicella zoster IgG. Na ausência de anticorpos, vacinar o paciente com duas doses da vacina de vírus vivo atenuado, com pelo menos 4 semanas de intervalo entre elas e pelo menos 4 semanas antes de iniciar o imunossupressor, sempre que possível.
Após a infecção inicial, o vírus Varicella zoster permanece latente nos neurônios glanglionares por várias décadas, podendo reativar, ao longo da vida, na forma de herpes zoster (HZ) em cerca de 20-30% dos infectados. Sabe-se que a imunidade mediada por células T reduz com o tempo, de maneira que o principal fator de risco para HZ é o envelhecimento. Em indivíduos imunossuprimidos observa-se um risco 10 vezes maior de reativação do que na população geral.
Diversos estudos demonstraram aumento do risco de HZ em pacientes com DII, inclusive entre jovens. Corticóides, tiopurinas e a combinação tiopurina + antagonista de TNF alfa aumentam o risco em cerca de 2-3 vezes. Metotrexato e a terapia biológica com antagonistas de TNF alfa em monoterapia, ustequinumabe e vedolizumabe parecem não impactar sobre a reativação viral. Por outro lado, o tofacitinibe – inibidor de JAK, utilizado no tratamento de retocolite ulcerativa, aumenta drasticamente risco de HZ (2-6x) aparentemente de maneira dose-dependente, tendo como fatores de risco adicionais: idade avançada, falência a terapia com anti-TNF alfa, diabetes mellitus, uso de corticosteróides e raça não branca.
Em pacientes imunossuprimidos, o rash vesiculo-papular pode acometer múltiplos dermátomos, além de apresentar com maior freqüência acometimento ocular ou disseminado (> 6 dermátomos). São fatores associados a HZ complicado em pacientes com DII: idade avançada, etnia afro-americana, não utilizar tratamento anti-viral e uso de tofacitinibe. O diagnóstico geralmente é clínico, mas em algumas situações pode ser necessária coleta de swab das lesões para realização de PCR e diagnóstico diferencial com herpes simples.
O tratamento em pacientes imunocompetentes com HZ não complicado deve ser realizado com valciclovir na dose de 1g de 8/8 horas por 7 dias. Em imunossuprimidos, sugere-se utilizar aciclovir endovenoso na dose de 8- 12 mg/kg de peso a cada 8 horas por 7 dias. Assim como na varicela, o tratamento deve idealmente ser iniciado nas primeiras 72 horas do início dos sintomas.
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A prevenção de HZ no Brasil pode ser realizada através de vacinação com vacina de vírus vivo atenuado. Atualmente, recomenda-se vacinar os pacientes com DII com mais de 50 anos ou aqueles com alto risco de reativação viral. A vacina é contraindicada em pacientes tratados com 2 ou mais semanas de corticóide em dose superior a 20mg/dia de prednisona ou equivalente e naqueles em uso de antagonistas de TNF alfa. A vacina parece segura em pacientes com DII tratados com metotrexato, azatioprina ou 6-mercaptopurina em doses habituais, mas a decisão deve ser individualizada nesses casos. Em outros países, já está disponível uma vacina inativada contra a subunidade glicoproteína E do vírus Varicella zoster (Shingrix®), a qual não oferece riscos de ativação da infecção em imunossuprimidos.
Referência
Schreiner P, et al. Varicella zoster virus in inflammatory bowel disease patients: What every gastroenterologist should know. Journal of Crohn’s and Colitis, Volume 15, Issue 2. February 2021. Pages 316–325.. doi: https://doi.org/10.1093/ecco-jcc/jjaa132
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