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Dermatologia5 agosto 2024

Afecções dermatológicas na infância: Dermatite atópica

Na publicação sobre dermatite atópica, a pediatra e alergista Bárbara Reis fala sobre o manejo correto desta doença comum na infância.

A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória cutânea crônica e recidivante, caracterizada pela presença de xerodermia, eczema e prurido, que pode ser constante e incontrolável. 

O eczema pode ser agudo ou crônico e se caracteriza pela presença de placas eritematosas e descamativas. Nas formas agudas, tem limites mal definidos, pode se associar à edema e tende a ser mais eritematoso, enquanto nas formas crônicas, é mais bem delimitado e menos avermelhado. 

A distribuição das lesões costuma ser típica e variar com a idade, acometendo a região malar da face, região cervical e áreas extensoras em bebês, e regiões flexurais em crianças maiores e adultos, embora seja possível encontrar as duas características em um mesmo paciente independentemente da faixa etária. 

Devido à quebra da barreira cutânea, há maior predisposição a infecções bacterianas, fúngicas e virais de pele, além de comprometimento psicossocial e profundo prejuízo na qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias. 

É imprescindível que o pediatra tenha conhecimentos básicos sobre o assunto, já que a DA é uma doença comum na infância, tendo prevalência estimada de 6,8% em escolares no Brasil. 

Afecções dermatológicas na infância

Etiologia 

A DA é uma doença multifatorial, envolvendo fatores genéticos, epigenéticos e ambientais, destacando-se o clima, vida urbana, dieta, irritantes de contato e poluentes. 

No que tange aos fatores genéticos, variantes em genes como o que codifica a filagrina, importante proteína na manutenção da integridade da barreira epitelial, já estão bem estabelecidos como parte da patogênese da doença, mas não são capazes de explicar as diferenças de prevalência e gravidade da doença ao redor do mundo. 

O clima pode se associar a exacerbações da doença, sendo comum a queixa de piora do prurido no contexto de altas temperaturas ou sudorese. 

A relação entre DA e alergia alimentar (AA) é muito mais comumente de causa do que de consequência. O prejuízo da barreira epitelial favorece a sensibilização a proteínas alimentares através da pele, o que aumenta o risco de desenvolvimento de alergias alimentares. 

No entanto, pacientes com DA de início precoce e com doença grave devem ser avaliados para a possibilidade de envolvimento de alérgenos alimentares na piora do eczema, principalmente o ovo. De qualquer forma, é importante entender que há clara discordância entre a taxa de positividade encontrada em exames, a história clínica e os resultados obtidos com a retirada do alimento suspeito, de forma que os resultados dos testes devem ser avaliados de forma criteriosa. Resultados negativos muitas vezes fornecem mais informação do que resultados positivos, que traduzem sensibilização e não necessariamente reatividade clínica. 

A atividade da doença também pode ser impactada por fatores neuro-psico-imunológicos, havendo com frequência associação de fatores emocionais, assim como fatores biológicos que parecem aumentar a sensação de prurido desses pacientes mesmo aos menores estímulos. 

Diagnóstico 

O diagnóstico é essencialmente clínico, pela associação de lesões típicas na presença de prurido. A contagem de eosinófilos e os níveis de IgE podem corroborar o diagnóstico, mas não o afastam caso apresentem valores dentro da normalidade. 

É comum a presença de história pessoal ou familiar de atopia, como rinite alérgica e asma.  

Tratamento 

Naturalmente, se a base da fisiopatologia da doença é a perda de água transepidérmica, as principais medidas para o controle da DA envolvem garantir uma adequada hidratação da pele. Fatores que tendem a causar ressecamento cutâneo incluem o uso de sabonetes comuns, banhos muito quentes e banhos longos, devendo ser evitados nesses pacientes. A recomendação é de banhos rápidos, com água morna, sabonetes neutros em pouca quantidade ou sindets (Tabela 1), e que seja aplicado hidratante nos primeiros minutos após o banho, ainda com a pele úmida, tanto nas partes com quanto sem lesão. 

O uso de hidratantes é a primeira linha de tratamento para todas as formas da doença, com o objetivo de hidratar a pele e restaurar a integridade da barreira cutânea. Atualmente, existe uma vasta gama de opções no mercado, variando principalmente em textura, nível de hidratação e associação com outros ativos, como substâncias anti-inflamatórias e antiprurido, assim como componentes que se encontram diminuídos na pele da criança com DA, como ceramidas, glicerina, ácidos graxos e ésteres de colesterol. 

As texturas em loção têm alto teor de água, o que melhora a espalhabilidade e, por isso, são melhor toleradas. Cremes têm maior potencial oclusivo por se tratarem de emulsão bifásica de óleo e água e bálsamos tem textura ainda mais espessa, sendo ideais para quadros mais graves. 

 

É importante buscar produtos adequados para alérgicos, sem fragrância, conservantes ou substâncias sensibilizantes. Deve-se levar em consideração a gravidade da doença, mas também a preferência do paciente quanto à textura e por fim o custo do hidratante, já que, idealmente, o mesmo deverá ser aplicado ao menos 2 vezes ao dia durante um longo período de tempo. 

 

Tratamento Tópico 

As exacerbações da doença são usualmente manejadas com corticosteroides tópicos, com atenção para a área acometida e a idade da criança, além das diferentes potências e veículos das formulações disponíveis. 

O tratamento deve ser iniciado logo que a lesão de DA seja notada, sendo preferível (quando necessário) usar compostos de maior potência por curtos períodos de tempo, seguidos daqueles de menor potência por períodos mais longos, até a melhora significativa da lesão. De qualquer maneira, o objetivo é usar a menor potência capaz de controlar as lesões do paciente, sempre levando em consideração que a face, a região genital e áreas intertriginosas são mais sensíveis e têm maior absorção de corticosteroides tópicos, por isso deve haver maior atenção com a potência do composto escolhido (Tabela 1). 

Outra opção são os inibidores de calcineurina tópicos (pimecrolimus e tacrolimus), que embora não tenham os efeitos adversos dos corticosteroides, têm seu uso parcialmente limitado devido ao alto custo e à queixa de ardência quando usados em lesões escoriadas. O pimecrolimus 1% está liberado em bula para bebês a partir dos 3 meses de vida, e o tacrolimus 0,03% pode ser utilizado a partir dos 2 anos de idade, sendo especialmente interessantes para uso em face, genitália e áreas próximas das mucosas por seu perfil de segurança. 

 

Tabela 1 – Potência dos principais corticosteroides tópicos e lista dos principais hidratantes e sindets 

Hidratantes Corticosteroides Tópicos 
Loção 

Cerave Loção Hidratante® 

Cetaphil Loção Hidratante® 

Fisiogel Loção Hidratante® 

Neutrogena Intensive Extra Care® 

Nivea Milk Pele Seca e Extraseca®
Lipikar Loção Hidratante® 

Umiditá Loção Hidratante® 

Grupo I (superpotentes)
Propionato de clobetasol 0,05% (creme e pomada)  
Creme 

Atoderm Creme Ultra® 

Cerave Creme® 

Cetaphil Creme® 

Mustela Stelatopia® 

Grupo II (potência alta)
Dipropionato de betametasona 0,05% (pomada)  Valerato de betametasona 0,1% (pomada)  
Creme/Antiprurido e inflamação 

Atoderm Creme® 

Avène Xerocalm AD Creme® 

Cetaphil Pro AD Restoraderm Creme® 

Fisiogel Creme Hidratante AI® 

Hydraporin AI® 

Umiditá Creme Hidratante AI® 

Grupo III (potência média/alta)
Dipropionato de betametasona 0,05% (creme)  Valerato de betametasona 0,1% (creme)
Desonida (pomada)  
Gel-Creme/Antiprurido e inflamação 

Atoderm Gel-Creme® 

Grupo IV (potência média)
Furoato de mometasona 0,1% (pomada)  Acetonido de fluocinolona (pomada)  Desonida (pomada)  
Bálsamo/Antiprurido e inflamação 

Atoderm Intensive Baume® 

Avène Bálsamo Relipidizante® 

Bálsamo Hidratante Stelatopia® 

Fisiogel AI Bálsamo Lipídico® 

Lipikar Baume AP + M® 

Grupo V (potência média/baixa) 

Furoato de mometasona 0,1% (creme)  

Acetonido de fluocinolona (creme)  

Desonida (creme)  

Sindets 

Atoderm Gel Douche® 

Cetaphil Pro AD Restoraderm® 

Fisiogel Sabonete Líquido Hidratante® 

Lipikar Surgras® 

Mustela Gel Lavante®/Mustela Stelatopia® 

Sabonete Líquido Hydraporin AI® 

Grupo VI (potência baixa) 

Hidrocortisona (pomada) 

 Grupo VII (potência superbaixa) 

Hidrocortisona (creme)  

Dexametasona 

Adaptado de Carvalho et al., 2017 

 

Antibióticos 

É comum que haja infecção bacteriana secundária na DA, podendo este ser um fator importante nas exacerbações. A maioria dos pacientes com a doença é colonizada por S. aureus, sendo este o agente mais comumente relacionado a essa complicação. Os sinais de infecção secundária incluem a presença de eritema com exsudato e crostas melicéricas, podendo haver pústulas sobre as placas de dermatite. 

 

Deve-se evitar o uso de antibióticos tópicos de forma rotineira, na ausência de sinais de infecção, principalmente associações de corticosteroides e antibióticos, pois, além de estarem relacionados ao aumento de resistência bacteriana, esses compostos podem gerar sensibilização alérgica e dermatite de contato. 

 

Na presença de infecção bacteriana, a melhora clínica da DA dependerá do controle da infecção, que pode ser feito através do uso de antibióticos tópicos (lesões localizadas) ou sistêmicos, sendo preferível o uso de cefalexina sempre que possível. 

 

Anti-histamínicos 

Os mecanismos envolvidos no prurido da DA são diversos, mas geralmente não histaminérgicos, de forma que antialérgicos têm efeito muito limitado na queixa desses pacientes. A hidratação da pele parece ser o fator que mais se associa ao alívio do prurido na doença. Em casos mais graves, drogas que modulam a atividade do sistema nervoso central podem ser consideradas para tratamento do prurido, incluindo antidepressivos. 

 

Corticosteroides 

Cursos curtos de corticosteroides sistêmicos podem ser usados em exacerbações mais graves, que devem ser suspensos de forma lenta e gradual devido ao risco de rebote e piora das lesões.  

 

Imunossupressores, Imunobiológicos e Pequenas Moléculas 

Até poucos anos, pacientes com DA grave tinham como principal opção terapêutica o uso de imunossupressores, como a ciclosporina e o metotrexato. Embora esses medicamentos sejam capazes de controlar a doença, muitas vezes demandam acompanhamento laboratorial recorrente e frequentemente têm seu uso limitado devido aos efeitos adversos relacionados, sem considerar que eram usados de forma off-label em crianças. 

 

Atualmente, dispomos de uma gama de medicamentos imunobiológicos e também de pequenas moléculas que se mostraram seguros e eficazes no controle da DA, como o dupilumabe, o tezepelumabe e o upadacitinibe. 

 

Este ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou a incorporação do dupilumabe para tratamento de dermatite atópica grave em crianças a partir dos 6 meses de idade no rol de tratamentos de cobertura obrigatória, um salto importante no que tange o tratamento da doença em crianças no Brasil. 

 

Restrição Alimentar 

É preciso cautela ao orientar quaisquer restrições dietéticas para o paciente com DA, pois crianças sensibilizadas mas sem clínica de alergia mediada por IgE podem evoluir com reações imediatas após restrição alimentar indevida, sem considerar os prejuízos financeiros e de qualidade de vida. Dessa forma, esta avaliação deve ser feita por alergista experiente.  

 

Eliminação de Fatores Irritantes 

Pacientes com DA tem pele sensível e limiar de prurido reduzido, por isso até mesmo o uso de tecidos sintéticos ou etiquetas de roupa podem desencadear prurido e favorecer o surgimento de eczema. Recomenda-se preferencialmente uso de roupas macias e de algodão, roupas novas devem ser lavadas antes do uso e não se indica o uso de amaciantes, detergentes comuns ou com fragrância, sendo priorizado o uso de sabões líquidos de pH ácido ou neutro.  

Conclusão 

A DA é um doença sistêmica que pode trazer grande impacto para a saúde e qualidade de vida dos pacientes. A base do tratamento é o uso regular de hidratantes, o tratamento das exacerbações e controle dos fatores relacionados a piora dos sintomas, o que varia de paciente para paciente. Estes cuidados básicos devem ser de conhecimento do pediatra para que as crianças com DA sejam adequadamente diagnósticas e tratadas, minimizando os prejuízos causados pela doença.  

 

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Referências bibliográficas

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