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Clínica Médica12 novembro 2025

Células-tronco cultivadas em laboratório acabarão com a rejeição em transplantes?

Estudo apresentado por pesquisadores do Gurdon Institute, do Reino Unido, traz esperança para a área.

Um experimento realizado pela Universidade de Cambridge recria em laboratório as etapas iniciais da formação do coração e do sangue humano, apontando direções concretas para a criação de tecidos e órgãos totalmente compatíveis com o próprio paciente.

O contexto científico: a busca por transplantes sem rejeição

Desde o primeiro transplante de órgão, a medicina tem lutado contra uma angústia constante: a rejeição imunológica. Apesar dos avanços farmacológicos com imunossupressores, os riscos de inflamação crônica, infecção e falência do enxerto continuam expressivos.

O grande desafio da medicina regenerativa sempre foi criar tecidos compatíveis com o próprio paciente, eliminando a necessidade de imunossupressão.

Em 2025, pesquisadores do Gurdon Institute (University of Cambridge, Reino Unido) deram um passo inédito nessa direção ao recriar em laboratório o início da formação do coração e do sangue humano a partir de células-tronco — um avanço que reacende, de forma concreta, a esperança de transplantes autólogos sem rejeição.

O que o estudo fez de diferente

Os cientistas criaram um modelo embrionário humano artificial, derivado de células-tronco pluripotentes (as mesmas capazes de se diferenciarem em qualquer tipo de tecido do corpo).

Em condições controladas, essas células foram induzidas a se auto-organizarem em três camadas germinativas que dão origem aos órgãos durante o desenvolvimento embrionário: ectoderma, mesoderma e endoderma.

Em apenas 48 horas, formou-se um embrião sintético. Em oito dias, surgiram células cardíacas batendo espontaneamente. E, após 13 dias, o modelo começou a produzir células sanguíneas funcionais.

O processo foi cuidadosamente desenhado para não formar estruturas gestacionais (como a placenta), mantendo o experimento eticamente aceitável e biologicamente seguro.

Por que isso pode eliminar a rejeição em transplantes?

O ponto-chave está no caráter autólogo do processo. Se um dia esse método for aplicado clinicamente, as células-tronco do próprio paciente poderão ser coletadas, reprogramadas e diferenciadas em tecidos cardíacos, vasculares, renais ou hematológicos, tornando o transplante completamente compatível com o sistema imunológico individual. Isso significaria:

  • Transplantes sem imunossupressores.
  • Menor risco de rejeição crônica.
  • Maior sobrevida e qualidade de vida pós-transplante.

Além disso, a produção autóloga de sangue e células imunes abre novas possibilidades de reconstituição hematopoiética segura, especialmente para pacientes onco-hematológicos.

Limitações e próximos passos

Embora o experimento tenha reproduzido com sucesso as etapas iniciais do desenvolvimento humano, ainda não se trata da criação de um órgão funcional completo.

O modelo funciona como um “laboratório vivo de observação”, permitindo estudar e acompanhar, em tempo real, como as células se comunicam e se diferenciam nos estágios embrionários precoces.

O próximo desafio será controlar a maturação e a vascularização desses tecidos de forma saudável e estável, para que se possa evoluir para uma fase experimental clínica em humanos.

Relevância clínica e translacional

O estudo traz avanços em quatro frentes:

  • Medicina regenerativa: viabiliza o conceito de “órgãos sob medida”, reduzindo a necessidade de doadores.
  • Transplantes autólogos: inaugura o caminho para órgãos cultivados a partir das células do próprio paciente, sem rejeição — com impacto direto na expectativa de vida dos transplantados.
  • Pesquisa em doenças congênitas: oferece um modelo experimental humano seguro para investigar mutações genéticas e anomalias do desenvolvimento.
  • Testes farmacológicos personalizados: permite estudar respostas individuais a medicamentos durante o desenvolvimento celular, reduzindo as chances de efeitos colaterais graves.

Conclusão e mensagem prática

A comunidade médica recebeu o estudo com muito entusiasmo e, ao mesmo tempo, com cautela. Embora o termo “fim da rejeição” ainda seja prematuro, o experimento de Cambridge prova que é biologicamente possível criar tecidos humanos totalmente compatíveis, algo impensável há poucos anos.

O experimento de Cambridge não elimina hoje a rejeição em transplantes, mas abre o caminho mais promissor já demonstrado para que isso se torne realidade em um futuro próximo.

Ao permitir que órgãos e tecidos sejam criados a partir das próprias células do paciente, a ciência se aproxima de um paradigma terapêutico livre de rejeição imunológica, com implicações profundas para a medicina de precisão e a longevidade humana — trazendo alívio a tantas pessoas que sofrem com a angústia de nunca encontrarem um doador compatível ou de terem sua qualidade e expectativa de vida reduzidas por um sofrimento ilimitado.

 

Autoria

Foto de Daniela Cristina Cardoso Lima Estrella

Daniela Cristina Cardoso Lima Estrella

Possui graduação em Medicina pela Universidade Estácio de Sá (2019). Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Clínica Médica, Dermatologia Sanitária e Cirúrgica e Medicina de Emergência.

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