As feridas operatórias podem apresentar complicações que aumentam diretamente a morbidade, o custo e o tempo de internação hospitalar. Infecção de sítio cirúrgico, seroma e deiscência de ferida operatória são eventos comuns após cirurgias de maior porte, como as cirurgias abdominais.
Ao longo do tempo, a terapia por pressão negativa vem sendo utilizada de maneira consolidada em feridas agudas e crônicas, com o objetivo de auxiliar no processo de cicatrização.
A terapia permite a melhora do fluxo sanguíneo, redução do edema e estímulo ao tecido de granulação.
O uso dessa técnica em incisões fechadas, de forma profilática, ainda não é tão frequente como nas feridas abertas. No entanto, seu uso em cirurgias colorretais, de coluna e urológicas, em pacientes adultos, já é uma realidade em alguns centros e vem sendo cada vez mais empregada.
Como seu uso profilático ainda não é difundido, principalmente na cirurgia pediátrica, ainda temos escassez de estudos que avaliem a segurança e eficácia desta técnica nesse contexto.
Recentemente, um artigo publicado na Journal of Pediatric Urology, descreveu um estudo piloto que teve como objetivo a avaliação da eficácia e segurança da terapia por pressão negativa em reduzir complicações do sítio cirúrgico em cirurgias urológicas reconstrutivas em pacientes pediátricos e adultos jovens.

Metodologia
Foi realizado um estudo prospectivo, no período de dezembro de 2022 a janeiro de 2024 em um hospital terciário dos EUA.
Foram incluídos neste estudo os pacientes de qualquer idade submetidos a cirurgia complexa de reconstrução do trato urinário inferior. Este estudo incluiu todas as idades pois o público deste hospital para este tipo de procedimento consiste apenas em pacientes pediátricos, adolescentes e adultos jovens.
Até o momento, foram incluídos 29 pacientes que receberam a terapia por pressão negativa.
Os pacientes que foram submetidos a procedimentos cirúrgicos semelhantes, existentes em um banco de dados institucional, no período de 2014 a 2022, formaram o grupo controle (200 casos).
O estudo se baseou na comparação entre os pacientes submetidos a terapia por pressão negativa profilática em incisões fechadas e a coorte histórica submetida a fechamento padrão da incisão cirúrgica.
O fechamento padrão (de rotina) da incisão cirúrgica consistia em síntese da aponeurose com sutura contínua com fio de polidioxanona (PDS), síntese da fáscia de Scarpa com sutura contínua com fio absorvível e síntese subcuticular também com sutura com fio absorvível.
A variação de tamanho entre os fios foi realizada a critério do cirurgião, de acordo com a idade do paciente.
O curativo foi realizado com material adesivo próprio para pele, tais como Dermabond e Ethicon.
O fechamento com uso da terapia por pressão negativa iniciou com o fechamento padrão da aponeurose e da fáscia de Scarpa. Foi realizada então uma sutura subdérmica com Vicryl 3.0 ou 4.0. A incisão foi coberta com uma camada de contato com a ferida e uma espuma preta de poliuretano.
O material foi cortado do tamanho adequado para incisão e moldados ao redor de tubos com fita adesiva. O sistema de terapia por pressão negativa foi conectado e ajustado para sucção contínua com baixa pressão (125 mmHg). Nos pacientes menores de 5 anos, a pressão ajustada foi de 50 mmHg.
O curativo permaneceu por, no máximo, 5 dias, e foi retirado antes da alta hospitalar. Após a remoção do curativo, foram aplicadas tiras adesivas do tipo Steri-Strips, com o objetivo de reduzir a tensão e auxiliar na cicatrização da ferida.
As variáveis demográficas e cirúrgicas foram coletadas de forma prospectiva nos pacientes e retrospectiva na coorte histórica. Todas as informações foram obtidas através dos prontuários médicos, incluindo todos os registros, de forma multidisciplinar, assim como os registros de hospitais externos, quando necessário.
O desfecho primário para as complicações de sítio cirúrgico em 30 dias foi mensurado, consistindo em seroma, deiscência parcial ou completa de ferida/aponeurose e infecção superficial e profunda.
Os desfechos secundários, tais como tempo operatório, perda sanguínea estimada, uso de protocolos de recuperação rápida (ERAS, por ex.) e taxas gerais de complicações em 30 dias, foram coletados.
Em relação as variáveis cirúrgicas, foram consideradas a presença de anastomose intestinal e a realização de enterocistoplastia e criação de canais do tipo Monti, Mitrofanoff ou Malone.
Além disso, foram coletadas ainda variáveis relacionadas a presença de comorbidades, tais como presença de derivação ventriculoperitoneal, capacidade de deambulação, história prévia de cirurgia abdominal, uso de imunossupressores e presença de doenças do tecido conjuntivo.
Os dados relacionados ao uso de antibiótico profilático e aquecimento peroperatório também foram coletados.
Resultados
A mediana de idade do grupo controle foi de 10,2 anos, enquanto a mediana de idade do grupo da terapia por pressão negativa (TPN) foi de 11,2 anos.
A presença de derivação ventriculoperitoneal no grupo controle foi considerada a única diferença significativa entre os grupos.
Não houve diferença entre os grupos em relação às variáveis operatórias, exceto pela realização ou não de um canal cateterizável.
A análise estatística evidenciou uma queda na ocorrência de complicações de ferida operatória (24,0% para 6,9%) nos pacientes submetidos a TPN (p=0,065).
Além disso, houve uma maior ocorrência de complicações compostas no grupo controle (p=0,035).
Não houve diferença significativa entre os dois grupos em relação a cada tipo específico de complicação de ferida operatória.
Pacientes com história prévia de doença do tecido conjuntivo, escore Z de IMC mais alto e maior tempo cirúrgico apresentaram maior risco de complicação composta do sítio cirúrgico (p=0,01, p=0,037 e p=0,01, respectivamente).
De forma inusitada, os pacientes que apresentavam cirurgia abdominal prévia, apresentaram risco reduzido de complicações do sítio cirúrgico (p=0,02).
Discussão
O estudo mostra que há benefício do uso da terapia por pressão negativa em cirurgia urológica reconstrutiva de pacientes pediátricos e adultos jovens pois evidenciou uma redução no risco de complicações compostas do sítio cirúrgico.
O uso da TPN estaria recomendado principalmente para os pacientes que apresentam alto risco de complicações do sítio cirúrgico, incluindo os pacientes com doença do tecido conjuntivo e pacientes com IMC elevado.
Estudos prévios envolvendo pacientes pediátricos submetidos a cirurgia geral já evidenciaram segurança da técnica de TPN, assim como a redução da ocorrência de infecção e deiscência de ferida e do tempo de internação pós-operatória.
Em relação ao custo, já é de conhecimento geral que as infecções de sítio cirúrgico aumentam o tempo de internação hospitalar bem como seu custo. A avaliação da relação custo-benefício presente neste estudo evidenciou que o maior custo envolve a compra do aparelho, que é reutilizável, tendo os produtos descartáveis um custo baixo. Além disso, mesmo com esse custo inicial maior, o benefício se sobrepõe visto que esse custo ainda é menor do que o tratamento de um único paciente com infecção de ferida operatória.
Embora não tenha sido avaliada estatisticamente, a maior desvantagem observada no uso da TPN foi relacionada ao momento da remoção do curativo.
O uso de estratégias como aplicação de removedor de curativo adesivo e permissão para que o cuidador auxilie na retirada, se mostraram muito úteis nesse contexto.
Não houve necessidade de alteração no protocolo de controle de dor pós-operatória no grupo que fez uso da TPN, seja durante seu uso, seja no momento da retirada. Além disso, o uso da TPN não afetou a mobilização precoce dos pacientes e nem atrasou a alta hospitalar.
No caso de indicação de alta antes do período previsto para o curativo, o mesmo era retirado antes, sem efeitos negativos observados, trazendo a questão sobre a duração ideal para o uso desta técnica.
Em relação ao vazamento de urina e fístula vesicocutânea como consequência da TPN, este estudo não observou essa relação. No entanto, o estudo recomenda o monitoramento rigoroso do débito do curativo, principalmente em paciente com história prévia de extrofia de bexiga e de cloaca.
O estudo descreve suas limitações por não ser randomizado, visto que todos os pacientes elegíveis foram submetidos a TPN. Nenhum paciente se recusou a participar da pesquisa.
Além disso, os dados foram coletados somente através dos prontuários, sem contato com os pacientes, podendo haver falta de informações.
Embora os dados mostrem uma redução do risco de complicações no sítio cirúrgico, o custo financeiro e físico da aplicação da TPN não pôde ser mensurado para cada paciente individualmente.
O estudo não conseguiu também elucidar a relação entre a presença de cirurgia abdominal prévia e o risco reduzido de complicações do sítio cirúrgico. Estudos futuros estão sendo preparados para tentar identificar outras características do paciente que possam ter contribuído para esse achado nessa população.
Há ainda o planejamento de um estudo controlado randomizado para compreender melhor os benefícios do uso da terapia por pressão negativa.
Mensagem prática
O presente estudo se mostra como um passo inicial para a melhor compreensão do uso e dos possíveis benefícios da terapia por pressão negativa, de forma profilática, nos pacientes pediátricos e adultos jovens submetidos à cirurgia urológica reconstrutiva.
A realização de um estudo randomizado e controlado será capaz de esclarecer aspectos importantes relacionados à técnica, assim como seu custo individualizado, permitindo uma comparação mais fidedigna com o tratamento convencional, eliminando ou reduzindo as limitações citadas previamente.
Na nossa prática clínica, compreender sobre as possibilidades de redução do risco de complicações de sítio cirúrgico é de extrema importância, pois os custos relacionados ao tratamento dos pacientes, assim como a morbidade envolvida são fatores muito relevantes, principalmente no contexto de saúde pública em um país com menos recursos.
Apesar de promissor, o uso da TPN de forma profilática ainda não é uma realidade na prática da cirurgia pediátrica no Brasil.
Estudos mais robustos serão importantes para que a discussão acerca do uso dessa técnica possa ser mais embasada no nosso meio, permitindo uma assistência de melhor qualidade para os pacientes.
Autoria
Vanessa Nascimento
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