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Cirurgia18 agosto 2025

Uma revisão sobre neoplasia de pênis e seus aspectos cirúrgicos

Mais de 95% dos cânceres de pênis são carcinomas espinocelulares (CCEs). Veja os subtipos, os fatores de risco e os aspectos cirúrgicos da neoplasia de pênis
Por Diogo Perlingeiro

A incidência de câncer de pênis varia em todo o mundo, sendo rara na Europa e nos EUA (incidência 1: 100.000 homens), ao passo que no Brasil representa cerca de 2% das neoplasias malignas masculinas, ocorrendo principalmente nos estados do norte e nordeste. Ela aumenta com a idade, com pico na sexta década, mas também pode ocorrer em homens mais jovens.  O câncer de pênis está relacionado com baixo padrão socioeconômico (baixo acesso à informação, orientação de práticas sexuais, saúde, condições adequadas de higiene etc.) e com a presença do papiloma vírus humano (HPV). Cerca de 30 a 50% dos casos de câncer são atribuídos à carcinogênese associada ao HPV. 

Mais de 95% dos cânceres de pênis são carcinomas espinocelulares (CCEs) com vários subtipos reconhecidos (relacionados ou não ao HPV), promovendo uma variedade de características clínicas e de história natural. Ele surge do epitélio do prepúcio interno ou da glande. 

Outras neoplasias malignas primárias menos comuns como: melanomas, sarcomas, linfomas e carcinomas de células basais respondem por cerca de 5% dos casos, lembrando que o pênis pode mais raramente ser sítio de metástases (próstata, bexiga e sigmoide). 

Saiba mais: Câncer de pênis: tudo que pode ser feito para evitar a amputação do órgão

Fatores de risco 

Alguns fatores de risco para o câncer de pênis são: fimose, inflamação crônica do pênis, líquen escleroso, tabagismo, fototerapia ultravioleta A, baixo status socioeconômico, início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais, entre outros. 

É importante lembrar que circuncisão neonatal protege contra o câncer de pênis, mas não contra a neoplasia intraepitelial e, ainda, se indicada na idade adulta não consiste em fator protetor para câncer. 

A taxa de positividade para HPV varia entre os diferentes subtipos histológicos de CEC peniano (positiva em cerca de 30 a 40% nos subtipos invasivos e 70 a 100% das neoplasias intraepiteliais), sendo o vírus um cofator na carcinogênese de alguns subtipos de CEC peniano. Desse modo, a vacinação contra HPV deve ser incentivada, principalmente antes do início da atividade sexual. 

Apresentação clínica, exame físico e outros exames 

A apresentação clínica do câncer de pênis costuma ser como lesão exofítica ou ulcerada, ocorrendo mais comumente na glande (50%) e no prepúcio. Pode, ainda, acometer a haste peniana e o escroto, por vezes de forma destrutiva. É importante frisar que qualquer úlcera genital crônica (com mais de 4 semanas e não cicatriza) deve ser submetida a biópsia pelo maior risco de câncer. 

O diagnóstico ocorre através da suspeição clínica, sendo confirmado por biópsia (histopatologia) da lesão primária. 

O exame físico engloba minucioso exame da genitália externa, com exposição da glande (redução do prepúcio), avaliação do meato uretral, palpação do pênis, bolsa escrotal e regiões inguinais. As dimensões da lesão, assim como, a localização anatômica e a extensão da invasão local devem ser observadas, e a avaliação do comprimento do pênis alongado é recomendada. 

Os linfonodos inguinais podem estar aumentados tanto por infiltração tumoral, quanto por processo reacional secundário à infecção local do tumor primário. Atualmente, o uso de antibióticos com o objetivo de resolver linfonodos aumentados pode retardar o estadiamento e o tratamento, não sendo recomendado. A partir do exame físico os pacientes podem ser divididos em dois grupos:  sem linfonodos suspeitos e com linfonodos palpáveis ​​suspeitos. No grupo suspeito é essencial a informação do número, a localização, o tamanho e se o ele é fixo ou móvel. 

Quanto à realização da biópsia peniana pode ser realizada com anestesia local (com ou sem sedação) por punch (2–3 mm) sendo suficiente para confirmar o diagnóstico.  

É importante lembrar que a biópsia do tumor peniano deve ser feita quando houver dúvida sobre a natureza exata da lesão, contudo, mesmo nos casos clinicamente óbvios, as informações histológicas da biópsia (tipo histológico, extensão, profundidade, acometimento linfovascular, grau de diferenciação, etc.) podem facilitar as decisões de tratamento, assim como melhor programar o seguimento do paciente (valor prognóstico de preditor de mortalidade específica do câncer).  

O grau de diferenciação mais alto (pior) e invasão linfovascular são preditores importantes de disseminação metastática. 

A classificação tumor, nódulo, metástase (TNM – UICC, 8ª Ed de 2017) para câncer de pênis inclui o grau do tumor com base em sua relevância prognóstica. Desse modo, aqueles pacientes com doença localizada apresentaram o melhor desfecho, com sobrevida relativa em 5 anos de até 81%, enquanto pacientes com metástases à distância apresentaram os piores desfechos, com apenas 16% de sobrevida relativa em 5 anos. 

O exame de imagem (RM ou USG) não exclui a possibilidade de metástases linfonodais e está indicado quando existe incerteza de invasão tumoral dos corpos cavernosos (cT3), assim como na indicação de tratamento com preservação de órgão. 

Já nos pacientes com linfonodos palpáveis cerca de metade não apresentam comprometimento linfonodal tumoral e a pesquisa de linfonodos pélvicos ou metástases à distância deve ser realizada com TC de abdome e pelve, além de Rx de tórax ou TC de tórax. 

Tratamento 

A escolha do tratamento depende do tamanho do tumor, histologia, estadiamento e grau, localização e, por fim, a preferência do paciente. Os objetivos do tratamento do tumor primário são a remoção completa do tumor com a maior preservação possível do órgão, sem comprometer o controle oncológico. 

Para tumores pequenos, a biópsia excisional pode ser o tratamento ideal, enquanto para lesões maiores que necessitam de cirurgia mais complexa ou mutiladora, recomenda-se a biópsia incisional (maior extensão de material e profundidade).  O tratamento do tumor primário e dos linfonodos regionais pode ser simultâneo ou estadiado (mais de uma etapa). 

Tratamento na doença superficial não invasiva (neoplasia intraepitelial): 

As modalidades de tratamento local para câncer peniano pequeno e localizado incluem terapia tópica (imiquimod ou 5-fluorouracil como tratamento de primeira linha), ablação a laser, cirurgia excisional, radioterapia por feixe externo (EBRT) e braquiterapia. Pode-se associar a circuncisão antes da administração de agentes tópicos e seguir com biópsia local e vigilância. 

A radioterapia é uma abordagem de preservação de órgãos com bons resultados em pacientes selecionados com lesões T1–T2 (lesões < 4 cm). Pode ser feita como radioterapia externa com uma dose mínima de 60 Gy EQD2 combinada com um reforço de braquiterapia ou, apenas, como braquiterapia isolada (tendo a braquiterapia os melhores resultados). 

A ablação a laser é uma opção de tratamento alternativa (taxas de resposta total de 52–100% com recorrência relatada em 7–48% dos pacientes), podendo alterar a sensibilidade peniana. 

Tratamento na doença superficial na doença restrita à glande (T1/T2): 

Lesões invasivas, desde que pequenas e localizadas, devem ter preferencialmente indicação de cirurgia com preservação de órgão. Nesse contexto é importante a definição de margem de segurança (3-5 mm), podendo-se proceder a biópsia de congelação intr.-operatória. As taxas de recorrência são um pouco maiores do que na amputação peniana, porém a sobrevida específica é semelhante, justificando a sua realização por buscar melhor qualidade de vida. 

Tratamento na doença invasiva (T2/T3/T4): 

Lesão que acomete corpo esponjoso e cavernoso, mas que poupa a uretra, podemos realizar a glandectomia total e/ou corporectomia distal com reconstrução. Todavia, se houver amplo comprometimento da uretra, indica-se a amputação parcial ou total. 

Para tumores em estágio T2/T3 menores que 4 cm é possível ofertar radioterapia como tratamento. 

Nas lesões T4 o tratamento padrão é a amputação peniana (parcial extensa ou total) com uretrostomia perineal. 

Ainda naqueles casos com tumores ulcerados e/ou volumosos pode-se realizar quimioterapia (neoadjuvante e adjuvante) associada a radioterapia paliativa. 

Quanto à indicação da linfadenectomia existem algumas particularidades de acordo com as situações: linfonodos clinicamente normais (cN0), linfonodos palpáveis (cN1/cN2) e linfonodos grosseiramente aumentados (cN3).  

Isso porque, o câncer de pênis tem disseminação através do sistema linfático, inicialmente para os linfonodos inguinais e posteriormente para os linfonodos pélvicos, finalizando para linfonodos distantes.  O fator prognóstico mais importante para a sobrevivência do câncer de pênis é a presença e extensão das metástases ganglionares. Isso é representado na sobrevida em 5 anos de 95%, 80%, 65% e 35% para doença N0, N1, N2 e N3, respectivamente. 

Quando o estadiamento cirúrgico for indicado, ofereça biópsia dinâmica do linfonodo sentinela. Se esta não estiver disponível e o encaminhamento não for viável, ou se o paciente preferir após ser bem informado, ofereça dissecção dos linfonodos inguinais (aberta ou minimamente invasiva). 

Pacientes com linfonodos clinicamente normais (cN0) 

Tumores bem diferenciados (G1), pTa, pTis e pT1a (sem invasão linfovascular/perineural) são considerados tumores de baixo risco (6 a 8%), podendo ser realizada a vigilância ativa, apesar da sobrevida com linfadenectomia precoce ser superior daquela na recorrência (90% e 40% respectivamente). 

Os tumores que estão em estadiamento T1b ou superior são considerados tumores de alto risco, estando indicado o estadiamento cirúrgico. Para evitar a ressecção de linfonodos desnecessários e, buscando reduzir a morbidade do estadiamento cirúrgico, foi desenvolvida a biópsia dinâmica do linfonodo sentinela (definido como o primeiro na via de drenagem direta do tumor primário). Se for negativo, isso indica a ausência de disseminação linfática na cadeia inguinal correspondente. 

Linfonodos inguinais palpáveis (cN1/ cN2): 

Nesse caso a chance de doença linfonodal metastática é muito alta com indicação de linfadenectomia inguinal radical. Em pacientes com linfonodos palpáveis, metástases linfonodais estão presentes em aproximadamente 45–80% dos casos.  

As principais complicações do procedimento são: linfedema (5 a 13%), necrose de pele (0,6 a 4,7%), linfocele (2,1 a 4%) e infecção de ferida (1,2 a 1,4 %). A quimioterapia adjuvante tem impacto positivo na sobrevida livre de recidiva na doença pN2 e pN3. 

No câncer de pênis, 18FDG -PET/CT mostrou sensibilidade e especificidade de 91% e especificidade de 100%, respectivamente, para a detecção de metástases pélvicas em pacientes com linfonodo inguinal positivo confirmado por US + PAAF  

Linfonodos inguinais fixos (cN3) 

O tratamento é multimodal somado à linfadenectomia radical. 

Mensagem prática 

Para finalizar é importante refletirmos que o câncer de pênis tem um impacto significativo na qualidade de vida (QV) de inúmeras formas, uma vez que, os tratamentos também causam mudanças físicas e emocionais significativas, resultando em sentimentos de mutilação, perda da masculinidade e dificuldade para lidar com o impacto na micção e na função sexual. Isso, por sua vez, pode resultar em término de relacionamentos e isolamento social, trazendo um grande desafio para o manejo e seguimento.  

Um acolhimento humanizado e seguimento multidisciplinar assertivo podem ser a chave para melhor adesão a essa desafiadora jornada de tratamento e minimizar os impactos tanto para o paciente quanto para os familiares. E, principalmente, maior acesso à informação (saúde, práticas sexuais. Vacinação, etc) e acesso as unidades de saúde são fundamentais na redução de novos casos, além da detecção precoce e tratamento menos invasivo.  

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Referências bibliográficas

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