O maior temor de qualquer cirurgia gastrointestinal é o risco de fístulas pós-operatórias. Entre os inúmeros fatores que envolvem as fístulas está o detalhe de como a anastomose foi realizada, especialmente as anastomoses grampeadas. Tradicionalmente a dupla grampeada é a forma mais utilizada e com bons resultados. Primeiro se faz a secção do reto com um grampeador linear e, posteriormente, o segundo grampeador circular é utilizado para de fato confeccionar a anastomose.
Uma questão que sempre é motivo de discussão é o grampeador circular sobre a linha de grampo prévia do grampeador linear. Esse cruzamento de linhas de grampo, em teoria, pode justificar algumas falhas de anastomose. O grampo do grampeador circular, ao ser disparado, pode colidir com o grampo da linha presente no coto retal, e com isso ficar mal-formado, o que pode proporcionar uma área de fístula.
O grampeador circular raramente engloba por completo a linha de grampo do linear, e com isso terá uma ou até mesmo duas áreas de interseção entre os grampeamentos. A área de interseção por definição é um pouco mais isquêmica, o que também poderia contribuir para uma falha anastomótica nessa região.
O trabalho publicado na Surgical Endoscopy detalha um procedimento que pode diminuir algumas das falhas que envolvem o cruzamento de linhas de grampo.

Desenho do estudo e detalhamento da técnica
Estudo observacional de centro único, que inclui pacientes submetidos à anastomose colorretal eletiva. O desfecho primário foi a taxa de fístula nos primeiros 30 dias de pós- operatório. Já os desfechos secundários envolveram a análise da ressecção completa da linha de grampo linear e teste do borracheiro durante a cirurgia.
A técnica da gravata de borboleta consiste na apreensão pela lanceta do grampeador circular dos dois ângulos do grampeamento linear. Para isto após a perfuração no centro do grampeamento linear, com auxílio de uma pinça de apreensão, apreende o ângulo do grampeamento do coto retal e transfixa o mesmo com a lanceta do grampeador circular. Assim os dois ângulos serão englobados pelo grampeador circular.
Resultados
Nos dois anos de período de observação do estudo, 184 pacientes consecutivos foram incluídos e nestes a técnica pode ser aplicada em 178 casos (96,7%). Nos casos que não conseguiram ser realizados, o coto retal era curto para conseguir invadir o segmento ou estava demasiadamente edematoso ou friável por terapia neoadjuvante.
Um total de sete casos de fístulas anastomóticas foram detectadas, sendo 4 (3,6%; n=110) casos após sigmoidectomia (3 por doença benigna e 1 por tumor obstrutivo) e 3 (9,6%; n= 33) casos de excisão total do mesorreto.
Ocorreram 5 extravasamentos de ar durante a anastomose e suturadas com êxito durante o procedimento, no entanto 2 dessas desenvolveram fístula nos 30 dias de observação. Em todos os casos que a técnica foi utilizada a linha de grampo foi totalmente ressecada.
Discussão
Este estudo demonstrou a viabilidade de execução da técnica em diferentes cenários de confecção de anastomose colorretal. Como não envolve nenhum outro tipo de material, não há aumento de custo relacionado à utilização da técnica.
O maior limitante para a execução da técnica foi o tamanho do coto retal, porém estima-se que um coto de 3-4 cm seria suficiente para a invaginação dos ângulos de grampeamento. Um outro fato não analisado nesse estudo é que eventualmente se utiliza mais de um disparo no coto retal e isso pode ser um grande dificultador para aplicar esse tipo de técnica.
Devido ao desenho do estudo e o pequeno número de casos fica difícil determinar uma conclusão com significância estatística. Porém, ao se observar a taxa de fístula do estudo e compará-la com a literatura, especialmente para sigmoidectomia e ressecções de reto com ressecção parcial do mesorreto, observa-se um bom benefício.
Em conclusão, essa técnica é factível com resultados promissores que devem ser melhor estudados e avaliados.
Para levar para casa
Nenhuma técnica é milagrosa, no entanto em um olhar inicial parece bastante lógico envolver todo o grampeamento linear durante a anastomose do coto retal. Acredito que vale a tentativa pelos cirurgiões, especialmente quando houver um reto redundante para anexar as chamadas “orelhas de porco” junto do grampeamento. Certeza que ajuda em algo… apenas como tempo e novos estudos.
Autoria

Felipe Victer
Editor Médico de Cirurgia Geral da Afya ⦁ Residência em Cirugia Geral pelo Hospital Universitário Clementino fraga filho (UFRJ) ⦁ Felllow do American College of Surgeons ⦁ Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões ⦁ Membro da Sociedade Americana de Cirurgia Gastrointestinal e Endoscópica (Sages) ⦁ Ex-editor adjunto da Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2016 a 2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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