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Cirurgia6 outubro 2025

Risco de outros cânceres após radioiodoterapia por câncer de tireoide

Estudo mostra aumento do risco de neoplasias após radioiodoterapia para câncer de tireoide, com variação por idade. Confira os detalhes!

O número de novos casos de câncer de tireoide aumentou muito nos últimos anos, de 5 para 13,6 casos por 100.000 habitantes entre 1975 e 2021. A incidência varia conforme a idade, 40,7% dos casos ocorrem de 45 a 64 anos e 22,8% acima de 65 anos, evidenciando uma necessidade de entendimento das consequências do tratamento levando em consideração a idade e expectativa de vida dos pacientes. 

Para as neoplasias bem diferenciadas da tireoide (94% dos casos) há benefício comprovado em relação a sobrevida da radioiodoterapia (RAI) para os casos de alto risco, mas por outro lado há potenciais efeitos adversos conhecidos como sintomas gastrointestinais, xerostomia, possível comprometimento de fertilidade e o aumento de risco de neoplasias malignas secundárias (NMS) se mostra ainda controverso, com alguns estudos comprovando esse aumento de risco e outros não. 

Um ponto crítico em relação a controvérsia dos estudos em relação ao risco de neoplasia após o tratamento com radioiodoterapia é a ausência de estudos com estratificação de risco levando em consideração a idade do tratamento do câncer de tireoide e consequente exposição ao iodo radioativo e as diferentes expectativas de vida pós-tratamento. 

A hipótese de um estudo, publicado na JAMA – Otolaryngology – Head & Neck Surgery, periódico com um dos mais altos fatores de impacto na área de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e realizado por pesquisadores do Icahn School of Medicine at Mount Sinai (Nova Iorque), um dos mais prestigiados institutos de saúde dos Estados Unidos, foi que há uma diferença de risco dependente da idade de neoplasias secundárias após a radioioterapia para o tratamento de câncer de tireoide. 

câncer de tireoide

Materiais e Métodos 

Coorte retrospectiva utilizando dados do US National Cancer  Institute’s Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER) Program dos Estados Unidos, de 1975-2017, avaliando a associação de RAI e NMS e a comparação de risco de NMS para três grupos distintos de idade (14 a 44, 45 a 64 e 65 anos ou mais) em pacientes com diagnóstico de CT (carcinoma papilífero ou folicular de tireoide). 

Foram identificados 28432 indivíduos de 14-44 anos, 34009 indivíduos de 45-64 anos e 9971 indivíduos acima de 65 anos, todos com CT bem diferenciado. Os indivíduos foram então divididos em dois grupos distintos pelo status de RAI: receberam ou não receberam/desconhecido RAI. Pacientes com tempo de seguimento inferior a 2 anos, falha no registro de seguimento e metástase a distância ao diagnóstico foram excluídos. 

Os desfechos de interesse foram: neoplasia maligna de órgão sólido e neoplasia hematológica. 

Resultados e Discussão 

Grupo idade de 15 a 44 anos 

Para essa faixa etária mais jovens de diagnóstico de CT foram identificados 28432 indivíduos dos quais 23314 (82%) eram mulheres. O risco de NMS hematológica foi significativa mais alto (RR 1,35; 95% IC, 1,02 a 1,80) e especificamente o risco de mieloma foi ainda maior (RR 4,22; 95% IC, 1,68 a 10,62). Para NMS de órgãos sólidos não houve maior risco para esses pacientes tratados com RAI (RR 1,00, 95% IC, -1,17 a 14,34).  

Grupo idade de 45 a 64 anos 

Para essa faixa etária de diagnóstico de CT foram identificados 34009 indivíduos, dos quais 25847 (76%) eram mulheres. O risco de NMS hematológica também foi significativamente mais alto (RR 1,73; 95% IC, 1,14 a 2,60) e especificamente o risco de linfoma non-Hodgkin foi ainda maior (RR 2,81; 95% IC, 1,34 a 5,89).  

Para NMS de órgãos sólidos em geral não houve maior risco para os pacientes tratados com RAI (RR 0,94, 95% IC, 0,76-1,160). No entanto, para próstata e tumor de glândula salivar houve maior risco para pacientes que receberam RAI (RR 1,65, 95% IC, 1,10-2,37 e RR 10,22, 95% IC, 1,27-82,24, respectivamente). 

Grupo idade de 65 anos ou mais 

Para a faixa etária dos mais idosos de diagnóstico de CT foram identificados 9971 indivíduos dos quais 6936 (69,6%) eram mulheres. O uso de RAI foi em 38% desse subgrupo, comparado à 43% do grupo mais jovem. 

O risco de NMS hematológica em geral não foi maior em comparação aos que não receberam RAI (RR 1,35; 95% IC, 0,97 a 1,87), exceto especificamente o risco de leucemia mieloide aguda (RR 3,26; 95% IC, 1,15-9,24).  

Para NMS de órgãos sólidos em geral houve maior risco para os pacientes tratados com RAI (RR 1,88, 95% IC, 1,59-2,21). Esse risco foi notadamente maior nos pacientes que receberam RAI para NMS de estômago (RR 4,06, 95% IC, 1,05-15,81), esôfago (RR 11,42, 95% IC, 1,40-93,3) e câncer de pele não epiteliais, por exemplo melanoma (RR 10,52, 95% IC, 1,15-9,24). 

Os resultados desse estudo reforçam o crescimento das evidências de aumento de risco dependente de idade para pacientes submetidos a RAI, a qual já é associada por diferentes estudos ao aumento de risco de NMS na população geral e notadamente na infância e adultos jovens. 

É interessante notar que ocorreu aumento de risco para tumores de glândulas salivares e estômago, achado consistente com padrões de absorção do iodo radioativo, mais precoce em estômago e glândulas salivares. O aumento de risco identificado nesse estudo de neoplasia de pele não epitelial encontra respaldo em literatura, notadamente em neoplasias de pele da região de cabeça e pescoço em pacientes com antecedente de RAI. 

Mensagem Prática 

O estudo de Gerwen et al identificou aumento de risco de NMS associado à RAI e que esse risco varia conforme a idade do paciente e possíveis sítios acometidos, se hematológicos ou de órgãos sólidos. 

Fatores de confusão conhecidos como exposição ocupacional ou ambiental à radiação, comorbidades não puderam ser avaliados no estudo e têm impacto do risco basal do indivíduo para ocorrência de neoplasia. A dose de RAI também não foi avaliada e muitos dos RRs observados no estudo, apesar de estatisticamente significativo podem não ter significado clínico importante. Portanto, a interpretação dos resultados desse estudo deve ser feita com atenção e não é possível estabelecer uma relação causal entre RAI e NMS. 

Os médicos que atendem esses pacientes devem analisar de forma individualizada os riscos potenciais da RAI versus possíveis benefícios. A indicação da RAI deve ser precisa e com respaldo em literatura, devendo o paciente estar informado desses possíveis riscos e ser feito um adequado seguimento de longo prazo desses pacientes e atentar para possíveis neoplasias secundárias nesse seguimento, permitindo um cuidado mais completo e de qualidade para esses pacientes. 

Autoria

Foto de Gustavo Borges Manta

Gustavo Borges Manta

Cirurgião de Cabeça e Pescoço pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Associação Médica Brasileira • Assistente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - ICESP - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP e no Hospital do Servidor Público Estadual HSPE-IAMSPE  • Médico cirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE  • Pós-Graduação pelo Hospital Israelita Albert Einstein em Cirurgia Robótica em Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Pós-Graduação em Gestão da Qualidade e Segurança do Paciente em Saúde.

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Referências bibliográficas

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