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Cirurgia29 março 2025

Radioterapia no pâncreas

Trabalho publicado no British Journal of Surgery tentou alterar a consistência do pâncreas de forma pré-operatória, numa tentativa de diminuir a incidência de fístulas
Por Felipe Victer

A cirurgia pancreática é repleta de mistérios até hoje não sanados pela medicina. Talvez o principal deles seja a sobrevida a longo prazo nos diferentes cenários girando ao redor dos 23-30% em 5 anos. Outra questão especialmente envolvida nas ressecções pancreáticas são as fístulas pós-operatórias. 

Associada à gastroparesia, as fístulas pós-operatórias promovem um aumento do tempo de internação hospitalar, comorbidades e custos. Muito se tenta para diminuir as fístulas, como a técnica de sutura, uso de colas, drenos etc., mas nenhum foi suficientemente capaz de diminuir universalmente a ocorrência. 

Também sabemos que na cirurgia pancreática temos fatores específicos que estão relacionados a uma maior ocorrência de fístulas, entre eles o diâmetro do ducto pancreático e a consistência do parênquima pancreático. Um parênquima mole, não sustenta a anastomose e o fio inclusive pode “cortar” o parênquima corroborando o surgimento das fístulas. Quando os ductos são menores que 3 mm de diâmetro há também uma maior incidência de fístulas 

O trabalho publicado no British Journal of Surgery tenta alterar a consistência do pâncreas de forma pré-operatória, numa tentativa de diminuir a incidência de fístulas. 

pâncreas

Métodos 

Uso de radioterapia externa no pescoço do pâncreas, na área onde é rotineiramente seccionado durante uma cirurgia de Whipple. Para isso, foram selecionados pacientes com ductos iguais ou menores que 3 mm de diâmetro, tumores diferentes de adenocarcinoma ductal, que seriam submetidos à duodenopancreatectomia. 

Esse estudo de fase II faz parte de um estudo ainda maior sobre cirurgia do pâncreas e determinou como desfecho primário a segurança, eficácia e viabilidade de uso da técnica.   Desfechos secundários envolveram diversas medições do parênquima irradiado em busca de mudanças subjetivas (opinião do cirurgião) como medição pela patologia com o grau de fibrose da área envolvida, quando comparada a uma área não irradiada (ex. processo uncinado). 

Resultados  

A idade média dos 33 participantes do estudo foi 69 anos e 63% foram classificados como ASA I-II. O tipo histológico mais frequentes foram colangiocarcinoma 9(23,7%) e adenocarcinoma do duodeno 9(23,7%).  

A viabilidade se mostrou possível em todos os pacientes envolvidos no estudo, sendo realizada radioterapia guiada por marcador, ou por exame de imagem. Em um caso, houve pancreatite após o implante de marcador para guiar a radioterapia. Em relação à radioterapia 10 pacientes (27%) se queixaram de algum desconforto abdominal após a dose de radioterapia, porém apenas um houve necessidade de uso de analgésicos. Ocorreu um caso de colite assintomática, sendo indicada uma colectomia. 

A área irradiada possuía maior firmeza que a área não irradiada, conforme constatado com aparelho específico (p<0,001). Na maioria dos pacientes 28(84,9%), o cirurgião não foi possível identificar alteração na textura entre o parênquima irradiado e o não irradiado. De forma semelhante, o patologista também não detectou aumento da fibrose em 24(72,2%) dos casos. Colorações histológicas específicas para colágeno estavam mais abundantes na área irradiada 6,1% x 4,6% (p=0,003). 

Em relação ao desfecho clínico fístula, dos 33 pacientes envolvidos no estudo, 19 desenvolveram fístulas (57,6%) e um desses faleceu por múltiplos abscessos intra-abdominais. Um grupo de pacientes com perfil semelhante, fora do estudo, no mesmo período de observação apresentou 34% de fístula.  

Discussão  

Esse estudo foi capaz de demonstrar que o uso de radiação estereotáxica, externa é capaz de aumentar a rigidez do parênquima pancreático, comprovada por colorações histológicas e medição da consistência do parênquima. No entanto, foi incapaz de demonstrar que exista algum benefício clínico com esse tipo de abordagem. Este foi um dos primeiros estudos a investigar essa prática e assim não há outros estudos semelhantes para que se possa comparar. Os autores não podem excluir o fato que o uso da radiação possa induzir outros fatores que induzem o surgimento da fístula.  

O uso da radioterapia para pacientes com adenocarcinma ductal já estava relacionado ao aumento de fístula por alterações parenquimatosa, com um tecido pancreático alterado, especialmente por obstrução do ducto principal. Nesse estudo, o parênquima pancreático se apresentava saudável e mesmo à palpação do cirurgião não foi capaz de detectar alterações causadas pela radiação.  

Outros aspectos podem ser explorados para tentar melhorar a eficácia desse método, como aumento/alteração da dose irradiada ou até ampliar o tempo até a realização da cirurgia.  

Para levar para casa 

Mesmo após o êxito em conseguir aumentar a firmeza do pâncreas, os resultados clínicos foram desfavoráveis. Nem sempre na medicina, a mudança de apenas um fator altera os desfechos de forma favorável. Ampliar esse tipo de tratamento somente após novos trabalhos que justifiquem.  

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Referências bibliográficas

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