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Cirurgia3 janeiro 2021

Orientações sobre a lesão renal aguda em pacientes com Covid-19

As recomendações atualizam outra publicação anterior sobre a lesão aguda renal. Porém, nenhuma recomendação pode ser considerada definitiva.

A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em conjunto com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), lançou uma nota técnica para orientar médicos envolvidos no cuidado de pacientes infectados pelo Sars-CoV-2 que desenvolvem lesão renal aguda (LRA) durante a internação.

Ressaltando o  “colossal volume de relatos e discussões produzidos em tão curto prazo, não apenas em veículos tradicionais de divulgação científica, mas também em blogs, websites, redes sociais”,  essas recomendações vem atualizar outra publicação do início do ano. Porém, como o ritmo de produção de conhecimento é acelerado, nenhuma recomendação pode ser considerada definitiva.

lesão renal aguda

Evidências da existência de diferentes fenótipos clínicos relacionados a Covid-19

Pacientes podem apresentar-se desde assintomáticos, passando por aqueles com síndrome gripal, até com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), causada por dano alveolar difuso devido ao efeito citopático viral. Mesmo na era pré-pandemia, já era conhecida a influência que a disfunção de um órgão possui nos demais sistemas.  O chamado “crosstalk”, de pacientes com SDRA evoluindo com LRA, já é extensamente documentado. Em um relato dos casos em Nova York, esse fenômeno chegou a acometer 37% dos pacientes, e destes, 14% precisaram de hemodiálise.  Nas formas graves, com necessidade de suporte ventilatório mecânico, a incidência de lesão aguda renal chegou a 98%.

A lesão renal é multifatorial, envolvendo efeito citopático direto, redução do conteúdo arterial de oxigênio, hipoperfusão renal, lesão por “crosstalk”, glomerulopatias, desregulação imune, microangiopatia trombótica, sepse secundária, e toxicidade por drogas. Apesar de um subgrupo de pacientes mais graves, com maior incidência de LRA,  poder ser enquadrado na definição de “tempestade de citocinas”, isso não se mostra verdadeiro em grande parte dos casos. Além disso, mesmo casos graves de Covid-19 se apresentam, em média, com níveis mais baixos de citocinas inflamatórias do que outras condições.

Comparação entre os diferentes níveis séricos de interleucina 6 (IL-6) gerados por condições clínicas graves. Retirado de Leisman DE. Cytokine elevation in severe and critical COVID-19: a rapid systematic review, meta-analysis, and comparison with other inflammatory syndromes. Lancet Respir Med. 2020 Dec; 8(12):1233-1244.

 

Segundo dados nacionais levantados para redação do artigo, entre 20 a 50% dos pacientes sob ventilação mecânica no Brasil evoluíram com lesão renal aguda e necessidade de suporte dialítico. Embora preliminar, essa informação é importante para planejar a alocação de máquinas, insumos e recursos humanos para enfrentamento da pandemia. 

O texto defende uma abordagem do paciente de acordo com a gravidade da disfunção renal, baseada na definição da Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) de 2012:

 

  • Aumento em 0,3 mg/dL da creatinina sérica basal, conhecida ou presumida, dentro de 48h
  • Aumento de 1,5 vezes na creatinina sérica basal nos últimos 7 dias
  • Redução do débito urinário para menos que 0,5ml/kg/h durante 6h ou mais

A classificação também estratifica a gravidade da LRA em estágios:

Fonte: Technical note and clinical instructions for Acute Kidney Injury (AKI) in patients with Covid-19.

Recomendações para lesão renal aguda em pacientes infectados:

  • Convocar a equipe de nefrologia para acompanhamento em conjunto de pacientes com LRA a partir de KDIGO II.
  • Manter participação da equipe da nefrologia, médica e de enfermagem, dentro das unidades de isolamento para discussão dos casos, avaliação dos pacientes, passagem de cateteres, e monitorização contínua dos equipamentos durante as sessões de hemodiálise.  A realização de discussões e prescrições de forma remota acarreta erros de comunicação e sobrecarga de trabalho da equipe de terapia intensiva. 
  • Utilizar apenas indicações clássicas para início de hemodiálise (hipervolemia, acidose, ou hipercalemia refratárias, por exemplo). O estudo STARRT-AKI, publicado esse ano, o maior sobre o assunto, não demonstrou benefício com o início precoce dessa terapia. Além disso, 38,2% dos pacientes incluídos no grupo de início de diálise com indicações clássicas, apresentaram recuperação de função renal, sem necessidade de terapia substitutiva renal. Com a escassez de recursos no contexto de uma pandemia, essa estratégia pode, potencialmente, poupar insumos médicos.
  • Para pacientes adultos, escolher cateteres de pelo menos 13 a 13,5 Fr de diâmetro interno, com comprimento adequado para o sítio escolhido.

  • Podem ser utilizados métodos intermitentes ou contínuos para hemodiálise. A preferência é pela utilização do método que o serviço possui maior familiaridade. Para anticoagulação do sistema da diálise contínua, o citrato demonstrou promover maior vida útil do filtro. 
  • A realização de hemodiálise não contraindica colocação do paciente em posição prona. No entanto, recomenda-se desconexão do sistema durante a mudança de posição, com posterior reavaliação de deslocamento do cateter antes de reiniciar a terapia.
  • Utilizar curativos transparentes, se possível com clorexidina em gel, para reduzir a manipulação de curativos. 
  • Todo o equipamento de hemodiálise deve ser higienizado uma vez ainda dentro do quarto do paciente, e novamente imediatamente após ser retirado do quarto, antes de retornar ao local de preparação. 
  • Após ressuscitação hemodinâmica inicial, o manejo volêmico deve ser individualizado. Apesar de vaga, essa orientação reflete a heterogeneidade com que os pacientes podem se apresentar. Assim, não existe, ou jamais existirá, uma orientação ou fluxograma que será capaz de contemplar todos os casos. Recomendações que podem ser aplicadas amplamente são: não prescrever hidratação de manutenção, e após estabilização inicial, não tolerar balanços hídricos persistentemente positivos (um alvo razoável é deixar o balanço acumulado da internação igual a zero).
  • Revisar a prescrição diariamente para suspender, se possível, medicações nefrotóxicas, ajustar doses para função renal, e retirar fármacos que não são absolutamente necessários. Notadamente, essa última medida, com utilização preferencial da via enteral para todas medicações possíveis, reduz a manipulação de cateteres, e assim, taxas de infecção de corrente sanguínea. 
  • Nos pacientes com  Covid-19 que desenvolveram lesão renal aguda com necessidade de terapia substitutiva renal, ainda não sabemos ao certo qual o prognóstico de recuperação da função renal. 

 

Referências bibliográficas:

  • Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney inter., Suppl. 2012; 2: 1–138.
  • Suassuna JHR, Lima EQ, Rocha E, Castro A, Burdmann EA, Carmo LPFD, Yu L, Ibrahim MY, Betônico GN, Cuvello Neto AL, Ávila MON, Gonçalves ARR, Costa CBS, Bresolin NL, Abreu AP, Lobo SMA, Nascimento MMD. Technical note and clinical instructions for Acute Kidney Injury (AKI) in patients with Covid-19: Brazilian Society of Nephrology and Brazilian Association of Intensive Care Medicine. J Bras Nefrol. 2020 Aug 26;42(2 suppl 1):22-31. doi: 10.1590/2175-8239-JBN-2020-S107
  • Leisman DE. Cytokine elevation in severe and critical COVID-19: a rapid systematic review, meta-analysis, and comparison with other inflammatory syndromes. Lancet Respir Med. 2020 Dec;8(12):1233-1244.doi:10.1016/S2213-2600(20)30404-5. 
  • STARRT-AKI Investigators; Canadian Critical Care Trials Group; Australian and New Zealand Intensive Care Society Clinical Trials Group; United Kingdom Critical Care Research Group; Canadian Nephrology Trials Network; Irish Critical Care Trials Group, Bagshaw SM. Timing of Initiation of Renal-Replacement Therapy in Acute Kidney Injury. N Engl J Med. 2020 Jul 16;383(3):240-251. doi: 10.1056/NEJMoa2000741. 
  • Zarbock A; RICH Investigators and the Sepnet Trial Group. Effect of Regional Citrate Anticoagulation vs Systemic Heparin Anticoagulation During Continuous Kidney Replacement Therapy on Dialysis Filter Life Span and Mortality Among Critically Ill Patients With Acute Kidney Injury: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2020 Oct 27;324(16):1629-1639. doi: 10.1001/jama.2020.18618. 
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