A nova série do Portal Afya, “Dissecando Temas Cirúrgicos”, traz os assuntos mais debatidos e polêmicos da prática cirúrgica, com foco nos temas que frequentemente aparecem nas provas de residência e no Revalida. Confira a série completa e fique por dentro das principais discussões em cirurgia!
Em mais uma postagem da série, Jader Ricco, cirurgião oncológico e conteudista do Portal Afya, faz uma revisão sobre o sarcoma de retroperitônio e comenta sobre diagnóstico, tratamento e vigilância.
Os sarcomas de retroperitônio correspondem a um tipo a parte de tumor em relação aos demais sarcomas de partes moles, em grande parte por sua localização e apresentação. Normalmente, ao diagnóstico, são lesões de grande tamanho, próximas a estruturas nobres e, em alguns casos, envolvendo tais estruturas, tornando o tratamento um grande desafio.
Atualmente, as diretrizes internacionais enfatizam a importância da biópsia pré-operatória e manejo em centros de referência e discussão multidisciplinar dos casos. O National Comprehensive Cancer Network (NCCN) e a European Society for Medical Oncology (ESMO) desenvolveram diretrizes com recomendações baseadas em evidências para o diagnóstico, estadiamento e tratamento dos sarcomas de partes moles com o objetivo de otimizar o tratamento dessas lesões.
Dentre os sarcomas de partes moles, os sarcomas de retroperitônio representam cerca de 15% a 20%. O prognóstico normalmente é pior em relação aos sarcomas de extremidades devido à sua localização profunda e associação com estruturas vitais.

Diagnóstico
O diagnóstico inicial dos sarcomas se dá por exames de imagem – de forma acidental ou motivado por sintomas. Esse exame tem como objetivo identificar o compartimento, órgão ou estrutura de origem e extensão do tumor. A tomografia computadorizada (TC) de abdome é um bom exame que permite avaliar tanto o local de origem, como as características relacionadas à composição do tecido, a relação e o deslocamento das estruturas adjacentes e possíveis diagnósticos diferenciais.
O estadiamento tomográfico antes do início do tratamento deve incluir o tórax, abdome e pelve para avaliar a presença de outros focos e metástases. Diferente dos sarcomas de partes moles, a ressonância magnética (RNM) é reservada apenas para casos selecionados, como suspeita de envolvimento muscular, ósseo ou foramidal, em pacientes com alergia ao contraste intravenoso da TC ou em gestantes.
Em relação ao diagnóstico histológico, todas as diretrizes de prática clínica defendem fortemente a biópsia por agulha grossa pré-operatória. Entretanto, biópsias abertas ou incisionais devem ser evitadas devido ao risco de contaminação da cavidade peritoneal e dos planos anatômicos.
Existem 4 tipos principais de sarcoma de retroperitônio que compõem cerca de 90% desses tumores: lipossarcoma desdiferenciado (40%), lipossarcoma bem diferenciado (24%), leiomiossarcoma (24%) e tumor fibroso solitário (5%). Esses tipos histológicos apresentam comportamentos diferentes entre si, como sensibilidade à quimio (QT) e radioterapia (RT), risco de recorrência local e à distância, bem como a região anatômica de origem. Tais fatores estão diretamente relacionados com a extensão da ressecção cirúrgica e com o uso de terapias locorregionais ou sistêmicas no perioperatório, bem como o prognóstico.
Portanto, o diagnóstico histológico e a classificação do tipo de sarcoma são essenciais para a tomada de decisões sobre RT ou QT pré-operatórios e para o planejamento do manejo cirúrgico
Tratamento
A cirurgia é a única modalidade potencialmente curativa no manejo dos sarcomas. O planejamento do tratamento é determinado pela associação de fatores como a ressecabilidade da lesão, biologia do tumor e indicações para terapia neoadjuvante, e também com as características individuais do paciente.
As indicações para terapias neoadjuvantes (QT e RT) envolve casos de alto risco de recorrência, possibilidade de ressecção com margens inadequadas ou ressecabilidade limítrofe, considerando a sensibilidade específica do tumor à QT e RT.
O objetivo da cirurgia é a ressecção em bloco macroscópica completa da lesão. Por outro lado, a avaliação microscópica das margens cirúrgicas é controversa. Em alguns centros, a classificação R0 (margens microscopicamente negativas) e R1 (margens microscopicamente positivas com ressecção macroscópica completa) é usada para todos os tipos histológicos de sarcoma. Entretanto, há também centros de referência que não adotam a classificação R0 vs R1 em pacientes com lipossarcoma, com a justificativa de que essa distinção pode não ser reprodutível e até mesmo impraticável devido ao volume da doença.
Atualmente, em relação à quimioterapia, há uma tendência à preferência pela neoadjuvância em relação à adjuvância. A justifica se dá pelos benefícios obtidos como redução do volume tumoral, melhorando a ressecabilidade da lesão; pela avaliação da resposta biológica do tumor; pela maior chance de completar o tratamento multimodal antes da cirurgia. No caso da radioterapia pré-operatória, a vantagem está na possibilidade de definição mais precisa do campo de radiação, uma vez que órgãos radiossensíveis circundantes, como vísceras ocas, estão deslocados pelo tumor, reduzindo o risco de toxicidade da radiação.
Entretanto, essa conduta deve ser ponderada em relação à toxicidade desses tratamentos e ao atraso na abordagem cirúrgica. Além disso, existem muitos casos com indicação de cirurgia “up front”.
Finalmente, é importante ressaltar que, para tumores irressecáveis, a ressecção macroscópica incompleta ou “debulking” não traz nenhum benefício de sobrevida, além de poder levar a complicações intra ou pós-operatórias significativas e, portanto, não deve ser praticada.
Vigilância
O NCCN e a ESMO recomendam vigilância com TC de tórax, abdome e pelve a cada 3-4 meses nos dois primeiros anos. Do 3º ao 5º ano, TCs semestrais e, a partir daí anuais.
Autoria

Jader Ricco
Graduado pela UFMG ⦁ Membro do corpo clínico do Oncoclínicas Cancer Center ⦁ Cirurgião Oncológico no Instituto de Oncologia da Santa Casa ⦁ Cirurgião Oncológico e preceptor de cirurgia Geral na Santa Casa de Belo Horizonte e Hospital Vila da Serra.
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