A nova série do Portal Afya, “Dissecando Temas Cirúrgicos”, traz os assuntos mais debatidos e polêmicos da prática cirúrgica, com foco nos temas que frequentemente aparecem nas provas de residência e no Revalida. Confira a série completa e fique por dentro das principais discussões em cirurgia!
Nesta postagem da série de temas cirúrgicos, Jader Ricco, cirurgião oncológico e conteudista do Portal Afya, aborda o manejo de tumores benignos do fígado.
Os tumores benignos do fígado envolvem um grupo de lesões, cujas principais são o hemangioma, a hiperplasia nodular focal (HNF) e o adenoma. A incidência estimada dessas lesões é entre 10% a 20% da população nos países desenvolvidos. O importante nesses casos é identificar os fatores associados, as características radiológicas e o potencial metastático bem como outras possíveis complicações associadas.
Em geral, a maioria dessas lesões são assintomáticas e não requer tratamento. As exceções são reservadas aos poucos casos sintomáticos, suspeita de neoplasia ou risco de complicações.
O diagnóstico é basicamente realizado por exames de imagem, com alguns aspectos característicos de cada tumor e a biópsia quase nunca é indicada, sendo reservada para casos isolados.

Hemangioma
É o tumor benigno mais comum do fígado, predominante no sexo feminino (3:1) na quarta década de vida. O crescimento e aumento do volume dessas lesões ocorre por ectasia vascular. São lesões únicas e menores do que 5,0 cm na maioria dos casos. Tumores maiores do que 5,0 cm são denominadas hemangiomas gigantes.
Um dos destaques dessa lesão, apesar de muito raro, é a associação com trombocitopenia e coagulopatia, conhecida como síndrome de Kasabach-Merrit.
O diagnóstico pode ser obtido por tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RNM) de abdome. Na TC pode ser observado um padrão de preenchimento nodular periférico na fase arterial. Na RNM nota-se hipodensidade em T1 e hiperdensidade em T2 com padrão de preenchimento semelhante a TC. A biópsia é potencialmente perigosa e contraindicada.
O tratamento é, na maioria dos casos, conservador. Não há relato de degeneração maligna. Pacientes com sintomas persistentes e sem outra causa diagnosticada, casos de ruptura, alteração de tamanho, ou desenvolvimento da síndrome de Kasabach-Merrit são candidatos à ressecção cirúrgica.
Hiperplasia nodular focal
A hiperplasia nodular focal é o segundo tumor benigno mais comum no fígado e predominante em mulheres jovens. O que marca essa lesão é a presença de cicatriz fibrosa central com septos irradiados. Entretanto, em até 15% dos casos essa característica não é encontrada. Essa cicatriz corresponde a uma grande artéria que se ramifica em várias outras menores, com padrão de roda de raios.
Assim como o hemangioma, a maioria dos casos são assintomáticos. Os exames mais usados para o diagnóstico são a TC e RNM de abdome, em que pode ser observado forte hipervascularização na fase arterial, mas sem realce na cicatriz central. Nas fases portal e tardia a lesão se torna isodensa em relação ao parênquima hepático. Nos casos em que não se observa a cicatriz central, a lesão pode ser confundida com adenoma hepático e a ressecção pode ser indicada como diagnóstico e tratamento.
Não há casos descritos de malignização e complicações como ruptura, sangramentos e infarto são muito raros. A indicação de ressecção cirúrgica se dá basicamente nos casos de dúvida diagnóstica.
Adenoma hepático
O adenoma hepático é uma lesão benigna, encontrada principalmente em mulheres na faixa dos 20-40 anos de idade, com proporção estimada em 11M:1H. Em grande parte está associado ao uso prolongado de hormônios esteroides como anticoncepcionais orais. O uso de anabolizantes masculinos também pode induzir o crescimento dos adenomas.
Normalmente são lesões únicas, mas em 12% a 30% dos casos podem haver lesões múltiplas. Quando há mais de 10 adenomas é classificado como adenomatose hepática.
Complicações como hemorragia e necrose não são raras. Atualmente os adenomas são classificados como adenoma com mutação em β-catenina, adenoma com mutação HNF1A, adenoma inflamatório e adenomas não especificados. O adenoma com mutação em β-catenina têm alto risco de transformação maligna.
Os exames de imagem são característicos, sendo observado realce periférico com progressão centrípeta na TC. A RNM apresenta imagem heterogênea bem delimitada contendo gordura intralesional.
Diferentemente do hemangioma e da HNF, os adenomas apresentam sintomas em cerca de 50% a 75% dos casos, sendo a dor o sintoma mais comum e que também pode estar relacionado a hemorragia.
A complicação mais comum do adenoma é a ruptura, que pode cursar com hemorragia intraperitoneal grave e potencialmente fatal. Essa complicação é vista em tumores maiores do que 5,0 cm, com risco estimado em 30% a 50% nesses casos. Nos casos de hemorragia, o tratamento inicial é a embolização arterial e, após estabilização, ressecção da lesão. Em alguns casos, a suspensão de contraceptivos orais pode promover a redução do tamanho das lesões.
Mensagem prática
A maioria das lesões benignas do fígado são manejadas com tratamento conservador e o diagnóstico se dá por exames de imagem. Ressecção cirúrgica fica reservada a casos sintomáticos ou com complicações como hemorragia, no caso dos adenomas hepáticos.
Autoria

Jader Ricco
Graduado pela UFMG ⦁ Membro do corpo clínico do Oncoclínicas Cancer Center ⦁ Cirurgião Oncológico no Instituto de Oncologia da Santa Casa ⦁ Cirurgião Oncológico e preceptor de cirurgia Geral na Santa Casa de Belo Horizonte e Hospital Vila da Serra.
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