A colelitíase, também chamada de litíase biliar, é a doença mais prevalente da vesícula biliar, afetando cerca de 10% a 15% da população mundial. O manejo é predominantemente cirúrgico e, atualmente, a técnica mais recomendada é a colecistectomia por videolaparoscopia (CVL).

Anatomia da vesícula biliar e das vias biliares
A vesícula biliar é um reservatório com cerca de 7 a 10 cm de comprimento, fixado ao fígado nos segmentos IVB e V. Armazena cerca de 30 a 60 ml de bile e é dividida em colo, infundíbulo, corpo e fundo. Entre a vesícula e o fígado existe um revestimento fibroso conhecido como placa cística.
A bile é produzida no fígado e, através dos canalículos biliares chegam aos ductos hepáticos direito (drena os segmentos hepáticos V, VI, VII e VIII) e esquerdo (segmentos I, II, III e IV). Esses ductos se unem formando o ducto hepático comum. O ducto cístico, que drena a vesícula biliar, se liga ao ducto hepático comum formando o colédoco, que termina na segunda porção do duodeno (na ampola de Vater).
Indicações da colecistectomia videolaparoscópica (CVL)
As principais indicações para colecistectomia videolaparoscópica (CVL) incluem colelitíase sintomática e colecistite aguda. A indicação de cirurgia na colelitíase assintomática é questionável, mas deve ser avaliada caso a caso.
Indicação precoce na colecistite aguda
Na colecistite aguda, a indicação é realizar o procedimento precocemente, preferencialmente nas primeiras 48 horas do início dos sintomas, sendo também aceito nos primeiros 7 dias. Estudos recentes já evidenciaram resultados superiores quando essa abordagem é realizada em comparação com cirurgia tardia.
Indicação em pólipos vesiculares
A CLV também está indicada para alguns casos de pólipos vesiculares, quando o tamanho é maior ou igual a 10mm, sintomáticos, com crescimento progressivo, pacientes com idade superior a 50 anos ou quando associados a cálculos biliares.
Além disso, na adenomiomatose sintomática ou suspeita da malignidade constitui outra indicação formal da técnica.
Técnica operatória da colecistectomia videolaparoscópica: passo a passo
O paciente é posicionado em decúbito dorsal e, após anestesia geral, inicia-se o procedimento com incisão infraumbilical, confecção do pneumoperitônio e passagem do trocater infraumbilical. Após introdução da ótica, realiza-se a introdução dos demais trocateres.
A seguir, a vesícula biliar e o triângulo de Calot são expostos.
Identificação e dissecção cuidadosa do ducto cístico e artéria cística, buscando a visão crítica de segurança para evitar lesão de via biliar.
A visão crítica de segurança, proposta por Steven M. Strasberg em 1995, é uma abordagem que visa minimizar os riscos de lesão das vias biliares. Envolve a dissecção completa do triângulo hepatocístico, permitindo a visão clara das estruturas. A região inferior do colo da vesícula deve ser dissecada do leito hepático, expondo a placa cística.
Por fim, devem ser visualizadas apenas duas estruturas — o ducto cístico e a artéria cística — entrando na vesícula biliar, sem outras estruturas visíveis.
Após esse passo, realiza-se o clipamento e secção do ducto cístico e artéria cística. A vesícula então é descolada do leito hepático com eletrocautério (Hook) e removida através de um dos portais (geralmente do epigastro ou infraumbilical).
Realiza-se revisão da hemostasia e desfaz-se o pneumoperitônio e, finalmente, os portais são retirados e realizado sutura das incisões.
Desafios da colecistectomia
Em alguns casos, como casos mais avançados de colecistite, a colecistectomia pode ser desafiadora e bem complicada. Entretanto, existem maneiras de tentar realizar o procedimento com menos riscos. A identificação o triângulo hepatocístico é essencial. Outro fator importante é a visão crítica de segurança, mas, nem sempre esses passos são alcançados com segurança.
Quando houver dificuldade técnica, solicitar auxílio de um cirurgião mais experiente é uma medida importante para reduzir o risco de lesões biliares.
Estratégia de bailout para evitar lesões biliares
Uma estratégia que vem sendo bem difundida é o “bailout”. De acordo com essa orientação, em situações em que há grande processo inflamatório com dificuldade de identificar as estruturas envolvidas com segurança, é melhor seguir com uma colecistectomia parcial do que insistir em uma ressecção completa da vesícula e causar danos à via biliar. É indicada a extração de todos os cálculos e sutura do remanescente da vesícula biliar.
Com isso, resolve-se o processo inflamatório e evita uma lesão de via biliar que pode ser muito mais danosa à saúde do paciente.
Complicações e manejo das lesões de via biliar
Lesões da via biliar identificadas no intraoperatório devem ser prontamente corrigidas. No entanto, a familiaridade com o manejo da via biliar exige experiência e expertise técnica. Se o cirurgião se sentir seguro para a correção, deve realizar a correção no mesmo tempo cirúrgico.
Lesões identificadas no intraoperatório
As lesões mais comuns na CVL são lesão do colédoco ou ducto hepático comum e secção de ductos biliares aberrantes. Nesses casos, deve ser realizado sutura e inserção de dreno de Kher. Diante da suspeita de lesão da via biliar e ausência de experiência, o melhor a fazer é colocar um dreno na cavidade e encaminhar o paciente a um centro com especialista.
Lesões diagnosticadas no pós-operatório
Algumas lesões são identificadas somente no pós-operatório, como fístula biliar, estenose das vias biliares ou outras lesões de ductos e colédoco. Existem várias maneiras de se tratar tais complicações que podem variar desde acompanhamento com dreno abdominal a procedimentos mais complexos com anastomose biliodigestiva.
Cuidados pós-operatórios e critérios de alta segurança pós CLV
No pós-operatório da colecistectomia videolaparoscópica, o paciente deve ter o controle eficaz da dor, inicialmente com analgesia multimodal e anti-inflamatórios (AINEs), e opioides apenas para resgate ou dor refratária. Importante avaliar outros sintomas como dor, náusea, vômitos, sinais vitais e administração de medicações associadas conforme necessidade.
A mobilização e início da dieta via oral precoce são fundamentais e preconizadas por todos as diretrizes na área.
Critérios clínicos para alta hospitalar segura
A alta hospitalar deve ser considerada quando o paciente estiver alerta e orientado, com sinais vitais estáveis, dor controlada, tolerando dieta VO, diurese preservada, deambulação habitual e ausência de sinais de infecção ou sangramento.
Autoria

Jader Ricco
Graduado pela UFMG ⦁ Membro do corpo clínico do Oncoclínicas Cancer Center ⦁ Cirurgião Oncológico no Instituto de Oncologia da Santa Casa ⦁ Cirurgião Oncológico e preceptor de cirurgia Geral na Santa Casa de Belo Horizonte e Hospital Vila da Serra.
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