A incidência de câncer da cavidade oral (CCO) não relacionado ao tabaco vem aumentando nas últimas 3 décadas, notadamente em mulheres caucasianas. A causa do aumento de incidência nessa população específica continua desconhecida, servindo de ponto de partida para estudos populacionais para responder essa questão.
Outros fatores de risco podem estar associados além dos tradicionais tabagismos, etilismo e consumo de noz betel e até o momento não há associação do papilomavírus como causa de CCO.
Já é sabido também que o consumo de bebidas adoçadas com açúcar (BAA) é associado a outras neoplasias do trato digestório, mas não há estudos em relação ao CCO, especialmente CCO em não tabagistas.
Assim, um estudo de coorte longitudinal incluiu mulheres, tabagistas e não tabagistas, participantes do Nurses’ Health Study (NHS, seguimento de 1986 a 2016) e do Nurses’ Health Study II (NHSII, seguimento de 1991 a 2017). O objetivo dos autores nesse estudo foi avaliar o consumo de BAA e o risco de CCO em mulheres tabagistas e não tabagistas em duas grandes coortes prospectivas.
O autor desse estudo se baseou na dieta de padrão ocidental, caracterizada por alto consumo de gorduras saturadas, alimentos processados e ultraprocessados e alta adição de açúcares e sua reconhecida associação a neoplasias do trato digestório, aliado a evidências de que o consumo de alimentos com adição de açúcar e bebidas adoçadas com açúcar (BAA) aumenta a incidência de doença periodontal em adultos jovens e ocasiona inflamação crônica, que por sua vez são dois fatores que podem estar associados ao desenvolvimento de CCO.
A escolha da medida de ingesta de BAA como um marcador de alto consumo de açúcar na dieta ocorreu pelos desafios de quantificar o consumo de açucares de forma geral, associado à evidência científica que o açúcar adicionado na forma de xarope de milho com alto teor de frutose, amplamente utilizado nas BAAs, pode ser mais prejudicial que o açúcar sólido para algumas doenças crônicas.
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Materiais e Métodos
Foram excluídas as com histórico de neoplasia prévia, registro de ingesta calórica incompleta ou registro de consumo de BAA ausente e o seguimento foi até o diagnóstico de CCO, óbito ou fim dos estudos.
BAA foram definidas como refrigerantes cafeinados e não-cafeinados com açúcar, bebidas gaseificas não-cola com açúcar e bebidas não gaseificadas adoçadas (por exemplos sucos e chás doces). A ingesta de BAA foi quantificada por frequência de consumo variando de “menos que 1 BAA ao mês” até “1 ou mais BAA ao dia”.
Foram utilizados diferentes modelos de análise multivariada para excluir outros possíveis fatores de confusão conhecidos, como idade, índice de massa corpórea (IMC), ingesta calórica, carga glicêmica, carga tabágica, ingesta de álcool, a fim de minimizar possíveis vieses na análise.
Resultados
Foram incluídas no estudo 162.602 mulheres, com média de idade de 43,1 anos (DP 10,0). O período de seguimento foi de 30 anos e ocorreram 124 casos de OCC invasivo.
Foi observada associação estatisticamente significante entre CCO e BAA. Nos modelos ajustados por idade e multivariáveis, a associação se manteve. No modelo de análise com ajuste para tabagismo, consumo de bebida alcóolica, IMC e carga glicêmica, o risco de CCO foi 4,87 vezes (95% IC, 2,47 – 9,60 vezes) no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês”.
Quando feita análise restrita a não fumantes ou nas que não ingeriam álcool, também houve associação estatisticamente significante entre CCO e BAA, com risco de CCO de 3,71 vezes (95% IC, 1,37 – 10,05 vezes) no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês” e de 5,38 vezes (95% IC, 2,23 – 12,97 vezes) no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês”, respectivamente.
Já na análise restrita a não fumantes e não ingestão de álcool, em teoria um subgrupo sem exposição a fatores de risco clássicos para CCO, também houve associação estatisticamente significante, com risco CCO de 5,46 vezes (95% IC, 1,75 – 17,07 vezes) no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês”.
Já para avaliação de risco de CCO associado a BAA em análise de subgrupo para subsítio de CCO em língua oral, também houve associação estatisticamente significante, com risco CCO de 4,53 vezes (95% IC, 1,85 – 11,11 vezes) maior no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês”. O risco também se manteve maior para subsítios não língua oral com risco CCO de 5,24 vezes (95% IC, 1,84 – 14,91 vezes) maior no grupo “1 ou mais BAA ao dia” em comparação ao grupo “menos que 1 BAA ao mês”.
Discussão
O achado de associação de risco de CCO associado ao consumo de BAA foi 4,87 vezes maior na população que consumiu “1 ou maior BAA ao dia” em comparação ao consumo de “menos que 1 BAA ao mês”, resultado obtido mesmo após análise com ajustes para fatores de confusão, se mantendo maior mesmo nas mulheres que não consumiam tabaco e álcool, portanto um achado que deve ser valorizado para essa população.
Diferentes estudos já encontraram associação de BAA e outros sítios do trato alimentar como cólon, estômago, pâncreas e esôfago. Os mecanismos potenciais envolvidos, que necessitam de mais estudos e poderiam justificar o aumento de risco observado vão desde aumento de periodontite, resistência insulínica e consequente carcinogênese mediada por fator de crescimento ligado a insulina tipo-1, alteração da microbiota da boca e estado pró-inflamatório na mucosa oral favorecendo desenvolvimento de neoplasia.
Devemos ter atenção ao fato que o achado de aumento de risco como valor relativo pode induzir interpretação equivocada quando a amostragem é grande e a linha de base de risco absoluto é baixa, como nesse estudo, que foi de 3 casos por 100.000 de população. Portanto, a precisão pode ser prejudicada, sendo mais estudos com população ainda maior necessários.
Mensagem prática
A associação de consumo de BAA e CCO observada no estudo ajuda a compreender melhor casos de paciente jovens, sem fatores de risco tradicionais e que desenvolvem câncer de cavidade oral intrigando os cirurgiões de cabeça e pescoço, oncologistas, radioterapeutas e demais profissionais.
Os achados do presente estudo reforçam a associação entre dieta inadequada e risco de neoplasia, cabendo aos profissionais da saúde orientarem seus pacientes a evitarem dietas ricas em açúcar, alimentos processados e ultraprocessados ricos em açúcar adicionado.
Novos estudos ainda são necessários para validar os achados do presente estudo, o qual gera hipóteses de novas linhas de pesquisa com objetivo de avaliar a ocorrência de CCO em jovens sem fatores de riscos tradicionais.
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