Atendimento ambulatorial pode ser definido como a oferta de serviços de saúde fora do ambiente hospitalar. A estruturação de fluxos de atendimento ambulatorial tem como foco oferecer padrões de cuidados equivalentes aos dos pacientes atendidos em ambiente hospitalar, sem a necessidade de uma estrutura cara e complexa, mas com a mesma resolutividade e segurança.
Esses fluxos de cuidado devem se basear em parâmetro claros de alta e de readmissão para minimizar reinternações não planejadas e identificar pacientes de “alto risco”, não ideais para tratamento fora do ambiente hospitalar.
Há recomendações por parte de sociedades médicas de uso desses fluxos ambulatoriais de atendimento em cirurgia geral para patologias como cólica biliar, colecistite, diverticulite e dor abdominal não específica.
O objetivo de um estudo publicado na BMJ, prestigiado periódico de acesso aberto e ampla visibilidade no meio médico, foi sistematicamente levantar a literatura existente sobre fluxos ambulatoriais para condições cirúrgicas gerais no contexto de urgência e emergência.
Foram explorados pontos-chave de tomada de decisão, sistemas de classificação/pontuação, critérios de escalonamento de cuidados e de alta e seguimento pós-alta para identificar componentes constituintes desses fluxos para orientar o desenvolvimento de novos fluxos e modelos assistenciais.

Materiais e Métodos
Estudo de revisão sistemática, com uso de termos de cuidado ambulatorial, cirurgia geral e condições cirúrgicas específicas, utilizando base de dados de PubMed, Embase, Medline e Cochrane Library e data de publicação dos estudos de dezembro de 2018 a dezembro de 2023.
Foram incluídos estudos de caso-controle, coorte e ensaios clínicos randomizados (ECR). Foram excluídos estudos de relatos de séries de casos, resumo de conferências, população pediátrica, patologias não cirúrgicas e cuidado cirúrgico ambulatorial no contexto de saúde da família por profissionais não cirurgiões.
Resultados e discussão
Foram selecionados 43 estudos para análise, sendo 8 ECR, 31 coortes e 4 estudos de outros desenhos. O total de pacientes foi de 1.381.359 pacientes atendidos em fluxos ambulatoriais.
As condições clínicas mais prevalente foram hérnia de parede abdominal (n=10), doença da via biliar, incluindo cólica biliar, cálculo em via biliar comum e colecistite aguda (n=8), apendicite (n=7), diverticulite (n=6) e 6 estudos incluíram múltiplas patologias. Três ECR compararam fluxo ambulatorial e cuidado intra-hospitalar e outros 5 compararam diferentes aspectos como técnica cirúrgica, antibioticoterapia e educação do paciente.
Processo de tomada de decisão
Tomadores de decisão sênior (TDS) foram descritos em 11 dos trabalhos como componente integral de fluxo de atendimento ambulatorial de urgência, com papel tanto na inclusão dos pacientes quanto na aplicação do fluxo propriamente dito.
Contextualizando, TDS fazem parte da estratégia de serviços estruturados para atendimento ambulatorial de urgências cirúrgicas e consiste na figura de médicos experientes com alto nível de responsabilidade clínica que de forma ágil e assertiva decidem se o paciente é apto para manejo ambulatorial, validam critérios de alta segura e definem internações, exames e condutas de forma eficaz, reduzindo internações, procedimentos e exames desnecessários, altas inseguras e atrasos na condução dos casos.
Há estudos em que o emprego dessa estratégia reduz as admissões de emergência em 20-30%, otimizando o atendimento aos pacientes clinicamente graves e gerando eficiência financeira ao serviço.
Sistemas de pontuação ou escalas
Uso de escalas ou sistema de pontuação para avaliação dos pacientes foi descrito em 26 dos estudos, sendo 17 diferentes ferramentas utilizadas e com propósitos distintos: gravidade de doença (n=6), comorbidades (n=3), características demográficas (n=1), aplicabilidade de alta ou deambulação (n=3), desfechos pós-operatórios (n=3) e avaliação de sintomas (n=1). Seis dessas ferramentas eram doença específica (exemplo: Escore de Alvarado para apendicite aguda) e o restante eram genéricas.
O emprego dessas escalas nos diferentes estudos pode ser interpretado como a necessidade de objetividade, fácil comunicação, aferição situacional objetiva de fácil registro e auditoria em prontuário, otimizando a velocidade e qualidade da jornada do paciente.
Critérios de escalonamento de cuidados e alta
Oito estudos (19%) analisaram critérios de escalonamento de cuidados e alta, enquanto 11 estudos analisaram apenas escalonamento (n=10) ou alta (n=1). Os critérios de alta mais comuns foram controle de dor (n=10) e ingesta oral adequada (n=9) enquanto os de escalonamento foram dor (n=4) e febre (n=5).
Esses achados evidenciam a importância da avaliação clínica dos pacientes no contexto de fluxo de atendimento ambulatorial, otimizando alta para aqueles que apresentam condição de alta e garantindo segurança aos que necessitam escalonamento de cuidado.
Os critérios descritos nos estudos são todos relacionados à avaliação clínica do paciente, sendo valorizadas as queixas e exame físico e prescindindo de qualquer exame complementar, reforçando a figura humana no atendimento médico.
Seguimento pós-alta
O seguimento pós-alta foi descrito por 29 estudos, com análise do local, do momento e dos profissionais envolvidos. O local mais comum foi ambulatório (n=21) ou remoto por telemedicina (n=9) e conduzido por equipe médica clínica (n=14). Os momentos foram amplamente variáveis entre os estudos.
As taxas de readmissão foram descritas por 34 estudos, variando de 0% a 13% sendo o ponto de corte 30 dias pós alta para 32 desses estudos. Mortalidade foi descrita em 24 estudos, sendo 0% em 21 estudos e <0,5% nos demais 3 estudos, não sendo descritas as causas em nenhum deles.
Taxas de complicações foram descritas em 34 estudos, variando de 0% a 48,5%, e a descrição das mesmas foi bastante variável incluindo dor pós-operatória (n=10), náuseas ou vômitos (n=6), infecção de sítio cirúrgico (n=9), retenção urinária (n=7), abscesso (n=5), hemorragia (n=5) e complicações intra-operatória (n=5).
Os achados nos 43 estudos analisados mostram uma grande variabilidade na análise desses pontos-chave para patologias cirúrgicas e esses mesmos autores colocam em contraponto na discussão do artigo a existência de fluxos bem estabelecidos e reconhecidos de atendimento ambulatorial de urgências não cirúrgicas (por exemplo gripe, pneumonia etc.) com benefício aos pacientes e ao sistema de saúde onde eles estão inseridos.
Os autores desse estudo estão inseridos no sistema de saúde do Reino Unido, o National Health Service (NHS), que é público e financiado por impostos, sua qualidade é reconhecida internacionalmente e busca otimizar a relação custo-benefício dos serviços ao mesmo tempo em que sofre pressão crescente por financiamento, uma realidade comum a diferentes países e serviços.
Mensagem Prática
Esse interessante estudo de revisão demonstra que há diferentes estratégias de fluxos ambulatoriais de urgências cirúrgicas que podem ser organizadas e estruturadas com intuito de oferecer atendimento seguro e eficiente aos pacientes.
Os achados servem de base para novos estudos e desenvolvimento de novos fluxos para proporcionar um cuidado ambulatorial de qualidade sem a necessidade de uma estrutura hospitalar cara, complexa e que muitas vezes alterna entre saturação por demandas de baixa complexidade e ociosidade da estrutura para demandas de alta complexidade, com otimização de tempo, recursos financeiros e humanos.
Autoria

Gustavo Borges Manta
Cirurgião de Cabeça e Pescoço pela Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Associação Médica Brasileira • Assistente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo - ICESP - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP e no Hospital do Servidor Público Estadual HSPE-IAMSPE • Médico cirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE • Pós-Graduação pelo Hospital Israelita Albert Einstein em Cirurgia Robótica em Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Pós-Graduação em Gestão da Qualidade e Segurança do Paciente em Saúde.
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