Medicina é o curso de ensino superior com a maior carga horária no Brasil. Não sem motivo, uma vez que os graduados estarão responsáveis pelo cuidado e tratamento de outros seres humanos, pessoas que colocam suas vidas nas mãos dos médicos e esperam dele um profissional treinado e capaz de responder ao chamado. Contudo, terminar o internato e se formar como médico generalista não é sempre suficiente. A complexidade do corpo humano pede ao médico uma conhecimento mais profundo e especializado, exigindo uma especialização, com a continuidade dos estudos na residência médica.
O que é Residência Médica e sua importância na formação médica
A Residência Médica é o curso de pós-graduação voltado para os médicos que desejam seguir o caminho de especialização em determinada área. Essa modalidade de ensino existe no Brasil desde 1977 (Decreto Nº 80.281) e já passou por várias alterações legislativas no que diz respeito as suas características, obrigações e direitos do médico residente.
Desde sua implementação no Brasil, ela é atrelada a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), composta por representantes do poder público e entidades médicas, sendo responsável pela regulamentação, supervisão e avaliação dos programas de residência médica e das instituições por eles responsáveis.
Diferença entre Residência Médica e especialização
A classificação de um curso de pós-graduação como sendo de Residência Médica só pode ser feita com o aval da CNRM, um fato muito relevante, pois é importante para o médico diferenciar uma Residência Médica de um curso de pós-graduação ou especializações comuns.
A Residência Médica se difere do que usualmente é considerado uma pós-graduação ou especialização por se tratar de um treinamento em serviço que demanda dedicação exclusiva, com duração variando de acordo com a especialidade escolhida, funcionando em instituições de saúde, onde o médico residente estará sob supervisão de especialistas e que, além da instrução para prática, dá ao médico direito a uma bolsa-auxílio.
Além disso, é de entendimento legal que apenas um Programa de Residência Médica, e nenhum outro tipo de curso de especialização ou pós-graduação (independentemente da carga horária total ou forma de organização), poderá garantir ao aluno o Título de Especialista após a conclusão do curso, permitindo que o médico possa requisitar seu Registro de Qualificação de Especialista (RQE), que deverá ser emitido pela sociedade médica correspondente à especialização.
Atualmente, de acordo com dados do Ministério da Saúde (até o dia 24/10/2024) existem 7.298 Programas de Residência Médica, distribuídos por 1.037 instituições credenciadas oferecendo 70.068 vagas no Brasil.
Importância da Residência Médica
O caminho direto para o título de especialista é apenas um dos porquês que justificam a escolha pela Residência Médica. Ao finalizar seus estudos como generalista, o médico pode se ver cercado por dúvidas e medos sobre como seguir com a sua carreira. Embora não seja obrigatória no Brasil, a escolha por uma especialização através da Residência Médica ajuda a diminuir essas incertezas, mas a experiência da Residência Médica garante muito mais.
É um período intenso que exigirá muito do médico, mas que ao mesmo tempo possibilitará experiências que o tornarão um profissional mais capaz e adaptado. O tempo de dedicação exigido pela Residência Médica não é apenas uma carga de trabalho, mas também de aprendizado, garantindo ao médico o contato direito com sua futura área de atuação e casos e pacientes relacionados, contando com a supervisão de médicos mais experientes.
O contato com os pacientes e imersão no ambiente da medicina profissional também podem dar mais confiança e segurança para o médico quando ele tiver que tomar as próprias decisões sem supervisão.
A Residência Médica ainda proporciona oportunidades para a construção de uma rede de contato profissional maior, além de vantagens para o futuro da carreira médica, seja em concursos, futuras pós-graduações ou mesmo apenas em questão de remuneração, segundo o relatório Saúde Financeira do Médico em 2023, produzido pelo Research Center da Afya, um médico especialista pode ter uma renda até 43,7% maior em relação a um generalista.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) atualiza anualmente uma lista com a relação das especialidades e áreas de atuação médicas aprovadas. Atualmente, reconhece 55 especialidades médicas em 62 áreas de atuação. A diferença entre as duas categorias é o direcionamento da competência do médico, a primeira considera habilidades e atitudes com foco em determinada área indo além do curso médico, já na segunda a avaliação é sobre ações, conhecimentos e habilidades que envolvam uma ou mais de uma especialidade indo mais a fundo na área de atuação.
A Residência Médica no Brasil
Como dissemos acima, a Residência Médica já passou por inúmeras alterações em suas características, obrigações e direitos do médico residente, todas as mudanças foram feitas sobre a Lei N° 6.932, de 7 de julho de 1981 que dispõe sobre as atividades do médico residente.
Direitos para o médico residente
Remuneração
- O direito do médico residente à bolsa-auxílio (atualmente em R$ 4.106,09). Ao receber a bolsa-auxílio o médico também estará vinculado ao Regime Geral de Previdência Social como contribuinte individual (a alíquota de contribuição previdenciária é de 11%).
- Caso a instituição que esteja oferecendo o programa de residência for filantrópica, essa contribuição passa para 20%.
- A bolsa auxílio não gera vínculo empregatício, dessa forma o residente não tem direito aos benefícios completos de um trabalhador com carteira assinada, como 13º salário.
Carga horária
- As horas semanais de trabalho que devem ser cumpridas; máximo de 60 horas semanais, com o máximo de 24 horas de plantão. O médico residente também tem o direito a um dia de folga semanal e 30 dias de férias. Além de poder gozar de licença paternidade (cinco dias) e maternidade (120 dias), este último com possibilidade de prorrogação em mais 60 dias.
- Resolução da CNRM também estabelece a necessidade de descanso de 6 horas após 12 horas de plantão noturno.
- Uma outra resolução da CNRM, também declara o plantão presencial sob supervisão de preceptor como a única modalidade de plantão reconhecida pela comissão para médicos residentes, proibindo plantões de sobreaviso, ou a distância, acompanhados ou não por preceptores.
Atividades práticas, avaliação e certificação
- O percentual (mínimo de 10% e máximo de 20%) que os programas de residência Médica devem dedicar a atividades teórico-práticas.
- As competências do Comissão Nacional de Residência Médica
- Garante a conferência de título de especialista aos médicos que concluírem os programas de residência.
Tipos de Residência Médica
Residência Médica: Duração, R1 e R3
O tempo exigido para conclusão da residência varia para cada especialização médica, podendo ter uma duração maior ainda caso o médico deseje uma especialização que não seja de acesso direito.
Especialidades com acesso direto, também chamadas de R1, são aquelas cujo programa de Residência Médica pode ser cursado por qualquer médico formado, sem necessidade de atender a nenhum outro pré-requisito de curso.
Já as especialidades com pré-requisito, as R3, são as oferecidas por programas de Residência Médica que exigem do médico uma formação anterior em outra especialidade. Normalmente o pré-requisito é alguma área considerada mais “básica” em relação a especialização, como por exemplo Clínica Médica para Cardiologia ou Cirurgia Geral para quem quer se tornar especialista em cirurgia plástica.
A lista com a relação das especialidades e áreas de atuação médicas aprovadas publicada pelo CFM também informa quantos anos são necessários para formação em cada programa de residência.
Supervisão e aprendizado na Residência Médica
Uma das principais características da residência é a exposição constante a situações reais relacionadas com a especialidade escolhida, mas junto a isso, o residente conta com o acompanhamento de um preceptor, um médico experiente capaz de passar o conhecimento de forma prática e segura ao aluno.
O preceptor é a ligação entre teoria e prática, o processo de aprendizado na Residência Médica é completo quando um profissional experiente e com amplo conhecimento facilita o desenvolvimento das competências necessárias para que o médico residente possa navegar pela rotina e complicações da especialidade, aprendendo enquanto exerce a profissão.
O papel do preceptor influencia não apenas na prática clínica do futuro especialista, mas faz eco no seu comportamento ético dentro da medicina.
Avaliação dentro da Residência Médica
Assim como outras questões, os critérios de avaliação da Residência Médica são regulamentos pela CNRM, a Resolução CNRM nº 4, de 25 de outubro de 2023 define como deve ser realizada a avaliação do médico durante a residência.
- Deverá ter uma frequência mínima quadrimestral.
- Composta por avaliações somativas e formativas.
- O objetivo da avaliação somativa será assegurar o alcance de qualificações mínimas exigidas e a identificação dos que não atingiram o domínio técnico necessário para progressão.
- Já a formativa buscará prover informações sobre o nível de desenvolvimento do médico residente, avaliando o processo de aprendizagem e permitindo que o médico residente monitore seu próprio aprendizado.
A Resolução também define três modalidades, domínios de conhecimento, que devem estar presentes em todas as avaliações:
- Cognitiva (Teórica): conhecimento adquirido nas atividades teóricas, práticas, e área de atuação.
- Psicomotora (Prática): avaliação do médico residente nos ambientes da prática profissional.
- Afetivo-Profissional (Avaliação Atitudinal em ambientes de prática profissional): avaliação da atuação do médico residente considerando elementos pertinentes a atuação do médico.
Promoção
Para que o médico residente seja promovido para o ano seguinte ele terá que atingir critérios mínimos nas modalidades de avaliação:
- Média igual ou superior a 7,0 nas avaliações cognitivas.
- Conceitos satisfatórios nas avaliações somativas, tanto práticas quanto a atitudinais.
Além, é claro, do cumprimento integral da carga horária anual do Programa de Residência.
Esses critérios deverão ser atendidos não só para promoção como também para obtenção do certificado de conclusão.
Para a obtenção do certificado, a Resolução também estabelece como critério a apresentação do trabalho final de conclusão de curso, conforme estabelecido nas matrizes de competências da especialização.
Os responsáveis pela avaliação do médico residente são os supervisores e os preceptores do programa de residência médica vinculados à Comissão de Residência Médica (COREME) da respectiva instituição. Dessa forma, a CNRM veda a avaliação conjunta entre programas de outras instituições na mesma especialidade.
A CNRM também assegura que o médico residente deverá ser informado sobre os critérios de avaliação, promoção e certificação adotados pelo programa.
Comissão de Residência Médica (COREME)
A ciência dos critérios de avaliação de cada Programa de Residência Médica é importante, pois apesar da CNRM estabelecer critérios, cada instituição de saúde que é cenário de prática dos Programas de Residência Médica possui uma instância auxiliar da comissão que pode incluir critérios e avaliações adicionais ao programa.
Por exemplo, a COREME pode escolher incluir, como complemento ao processo de avaliação formativa do residente, o Teste de Progresso Individual do Residente. Uma prova elaborado pela sociedade da especialidade, realizada anualmente, composta por de 120 a 200 questões de múltipla escolha com o objetivo de avaliar as capacidades cognitivas esperadas ao final da residência.
Atividades Profissionais Confiabilizadoras (APCs) poderão servir como base de verificação do preparo dos médicos residentes para progressão da prática. E o COREME também poderá incluir em seu sistema de avaliação, registros de procedimentos e atividades (Logbook, Portfólio, Pesquisa Científica) realizadas pelo médico residente.
Como ingressar na Residência Médica
Processo seletivo
Assim como para ingressar em um curso de graduação em medicina, os interessados em uma Residência Médica devem passar por um processo seletivo. Esse processo seletivo varia conforme a instituição responsável pelo programa de Residência Médica e de acordo com a área de especialização.
Ainda que seja de responsabilidade da instituição, o processo seletivo deve seguir regras estabelecidas pela Resolução CNRM nº 17, de 21 de dezembro de 2022. A CNRM define que o processo seletivo para Residência Médica deverá ter até três tipos de avaliação:
- Avaliação cognitiva/avaliação de conhecimentos teóricos (obrigatória e eliminatória).
- Avaliação de prática profissional (opcional).
- Avaliação curricular (opcional).
Essas três modalidades de avaliação poderão ser organizadas de quatro formas diferentes pela instituição, sem possibilidade de alteração do percentual de pontuação.
- Avaliação de conhecimentos (Prova escrita, valendo 100% da nota final).
- Avaliação de conhecimentos + prova prática (Com a primeira podendo valer de 50% a 60% da nota final e a segunda de 40% a 50%).
- Avaliação de conhecimentos + avaliação curricular (Sendo o resultado da prova objetiva compondo 90% da nota final e o currículo no máximo 10% da nota).
- Avaliação de conhecimentos + Prática + Curricular (De 50% a 60% da nota para a prova objetiva, de 30% a 40% para a prova prática e 10% para avaliação curricular).
Reiteramos que, embora essas sejam as regras gerais para o processo seletivo na Residência Médica, o candidato deve sempre analisar cuidadosamente o edital de cada Programa de Residência. Por exemplo, a análise curricular pode contar com uma entrevista e a formatação do currículo pode variar, assim como a gradação dos elementos do currículo.
Além dos elementos de avaliação, é nos editais que os candidatos encontrarão os prazos e datas de cada exame, além de toda documentação necessária para inscrição.
O número de registro médico (CRM/CFM) é obrigatório para todos os postulantes à Residência Médica.
Exame Nacional de Residência (Enare)
Apesar de, atualmente, 1.037 instituições de saúde oferecerem Programas de Residência e poderem contar com calendários de inscrição e modelos de seleção próprios. Os médicos brasileiros possuem a opção do Exame Nacional de Residência (Enare). Realizado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh/MEC), o Enare é o processo seletivo com maior número de oportunidades, em sua última edição foram mais de 5 mil vagas em residência médica espalhadas por mais de 160 instituições de saúde.
O Exame é aplicado anualmente em todas as capitais e em algumas cidades estratégicas, e seu processo seletivo funciona de maneira similar ao Enem, onde os candidatos utilizam a nota obtida na seleção (Prova mais análise curricular) para pleitear uma das vagas oferecidas para especialidade escolhida em uma das instituições que utilizam o exame unificado.
Escolha da especialidade
Mais importante do que saber como participar de um Programa de Residência Médica, é escolher qual das 55 especialidades médicas atuais é a que melhor se encaixa no que o médico deseja, não só para carreira profissional como também para vida pessoal.
É comum que a pessoa que cursa medicina pense na especialidade desde criança, para muitos a escolha faz parte de um sonho, mas é preciso ir além. A vida adulta acrescenta fatores de complexidade e o tempo altera muitas das características imaginadas para carreira profissional.
A escolha da especialidade deve ser pautada por autoconhecimento e pesquisa, as avaliações de desejos pessoais e do mercado de trabalho atual e futuro devem ser feitas com igual esmero pois ambas influenciam a possibilidade de felicidade gerada a partir da escolha. Focar em apenas um aspecto em detrimento do outro complica o caminho para o médico se tornar um especialista de sucesso.
Além das questões pessoais, o médico deve se atentar para a qualidade da instituição que oferece o Programa de Residência Médica, como está sua avaliação junto aos órgãos competentes, além de se familiarizar com as características do programa de escolha.
Os detalhes que influenciam a decisão pela especialidade médica só crescem à medida que o médico se envolve na possibilidade da residência. Entre questões que vão de simples logística (p. ex., local do curso ou cidade da instituição de saúde) a dúvidas quase existenciais (“É essa especialidade mesmo que eu quero?”). É preciso que o médico mantenha o foco, definindo com claridade o objetivo que pretende alcançar ao se tornar um médico especialista.
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