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Cardiologia5 abril 2024

Tratamento da insuficiência tricúspide: o que você precisa saber

A IT grave é de difícil manejo e tratamento clínico limitado. Entenda como lidar frente a este diagnóstico.

Insuficiência tricúspide (IT) é condição relativamente frequente, com incidência de 5 a 20% nos Estados Unidos, e geralmente ocorre de forma concomitante a doença mitral ou aórtica, que acabam sendo o foco do tratamento.  

Quanto mais grave a insuficiência, maior a morbi-mortalidade. O manejo clínico é um desafio e sempre foi limitado a otimização volêmica com uso de diuréticos. A intervenção cirúrgica tem altas taxas de morbi-mortalidade, porém nos últimos anos surgiram algumas novas opções de intervenção percutânea.  

Recentemente foi publicada uma revisão sobre o tratamento da IT. Abaixo seguem os principais pontos.  

Médico atendendo mulher jovem com insuficiência cardíaca

Considerações anatômicas 

A tricúspide é a maior valva cardíaca e fica na posição mais anterior e apical. É formada por quatro componentes: anel fibroso, 3 folhetos (anterior, posterior e septal), dois músculos papilares e cordas tendíneas. O anel tricúspide é bastante dinâmico e muda sua morfologia a depender de alterações de pressão intra-cardíacas. 

Definições 

A IT pode ser primária ou secundária:  

– IT primária decorre de alterações intrínsecas do aparato valvar. Geralmente é causada por endocardite, degeneração ou prolapso, insuficiência de prótese valvar, cabos de dispositivos e outras. 

– IT secundária, também chamada funcional, decorrente de dilatação do anel ou disfunção decorrente de remodelamento do ventrículo direito (VD). É mais comum e tem como etiologias doença do ventrículo esquerdo (VE), alterações dos átrios, doença pulmonar, doença do VD e doenças pericárdicas. Tem pior morbi-mortalidade, pois os pacientes são mais idosos, com mais comorbidades e mais fatores de risco. A de causa pulmonar é a que tem pior prognóstico. 

– IT isolada é a que ocorre na ausência de doenças coexistentes. Está se tornando mais frequente e se caracteriza pela ocorrência de dilatação do átrio direito (AD), do anel triscuspídeo e fibrilação atrial (FA).  

Exame físico 

O achado clássico é de sopro holossistólico, mais audível na borda esternal média, a direita ou esquerda, a depender do grau de remodelamento do VD. Manobras que aumentam o retorno venoso aumentam a intensidade do sopro. 

O sinal de Lancisi é o achado de pulsação jugular ampla e monomórfica na sístole, comumente confundida com a pulsação carotídea.  

Na IT grave o fígado pode ser pulsátil e o sopro pode ser audível no fígado. Sinais de IC direita são comuns e pode haver congestão hepática e do trato gastrointestinal, inclusive com quadros crônicos levando a insuficiência hepática. Congestão renal também pode ocorrer, com síndrome cardiorrenal e redução de diurese. 

Critérios diagnósticos 

O ecocardiograma transtorácico (ETT) é o padrão ouro. Deve ser realizado na janela paraesternal, eixo curto e quatro câmaras, com objetivo de visualizar os 3 folhetos. O doppler avalia a gravidade da insuficiência e achados de área de jato regurgitante > 10cm2 e vena contracta > 7cm sugerem IT importante.  

O jato regurgitante pode ser calculado, porém o resultado costuma ser inacurado. Além disso, o valor de corte para IT grave não é definido. Com o aumento da gravidade, fluxo sistólico reverso pode ser observado nas veias hepáticas.  

Assim, o diagnóstico de IT grave é feito com base na avaliação da área do jato regurgitante, vena contracta e presença de fluxo reverso na veia hepática. Dento da IT grave o paciente pode ainda ser classificado com IT grave, massiva e torrencial, que tem a pior sobrevida.  

O ecocardiograma pode ser útil para planejamento de procedimentos e avaliação de plastia versus troca valvar.  

A ressonância magnética cardíaca (RMC) pode auxiliar na diferenciação dos casos mais graves, já que tem alta resolução espacial e permite delinear melhor as estruturas. Além disso, consegue avaliar acometimento do VD e remodelamento fibrótico.   

Tratamento conservador 

O tratamento conservador é limitado e o paciente deve ser seguido com ETT. Não há recomendação específica em relação ao tempo, porém pode-se extrapolar dos casos de insuficiência mitral (IM), com exames a cada 3 a 6 meses.  

Diuréticos de alça auxiliam no alívio dos sintomas e quando o paciente apresenta sinais de IC direita com sintomas persistentes e internações recorrentes deve ser avaliado por um valve team.  

Não é claro se correção da IT grave melhora desfechos pelo remodelamento do VD e os desfechos após correção tem sido associados a fração de ejeção do VD e volumes diastólicos finais, porém não há valores de corte definidos. Ou seja, não há boa definição de quem se beneficia de intervenção e sugere-se que pacientes com IT grave, mesmo que assintomáticos, devam ser avaliados por um valve team, com o objetivo de prevenir remodelamento irreversível de VD. 

Tratamento transcateter 

Esse tipo de tratamento é mais recente e ainda há diversos desafios, principalmente por conta da complexidade anatômica da válvula. Ao se considerar intervenções transcateter, há 2 opções principais: correção ou troca valvar.  

Dentro das possibilidades de correção, há também 2 opções: anuloplastia ou dispositivos de coaptação. A anuloplastia objetiva reduzir o tamanho e restaurar o formato do anel dilatado. Já os dispositivos de coaptação funcionam como uma forma de fechar um espaço entre os folhetos, com foco no folheto septal, o mais comumente alterado.  

O reparo transcateter edge-to-edge é um dispositivo de coaptação e é a técnica mais estudada. É a única que foi avaliada de forma randomizada e controlada. O estudo TRILUMINATE avaliou o dispositivo Triclip em pacientes com IT sintomática com tratamento clínico otimizado e risco cirúrgico intermediário ou alto.  

Nesse estudo os pacientes tinham idade média de 78 anos, 55% eram mulheres, 90% tinham fibrilação atrial, 80% hipertensão e 42% hipertensão pulmonar. Do total, 90% dos casos eram de IT secundária. O grupo intervenção teve menor ocorrência de morte ou cirurgia valvar e internação por insuficiência cardíaca. A taxa de sucesso foi de 100%, não houve óbitos relacionados ao procedimento e 98% ficaram livres de eventos adversos nos primeiros 30 dias após o procedimento. Esses resultados mostram que é procedimento promissor para pacientes de alto risco, com boa segurança e eficácia. 

Existem ainda 2 dispositivos de coaptação com designs diferentes: o sistema PASCAL e o FORMA, cujos resultados estão sendo avaliados em estudos ainda em andamento. Em relação a anuloplastia, há 5 dispositivos em estudo, que parecem ser seguros, porém ainda não há resultados. 

Implante transcateter valve-in-valve 

Este procedimento consiste na troca valvar via percutânea e há 2 categorias:  

– Ortotópicas: colocadas no anel valvar, necessitam de anatomia favorável. Existem 7 valvas desenvolvidas até o momento, geralmente de pericárdio bovino em uma base de nitinol auto-expansível, que diferem no tamanhos e nível de dureza. O ideal é que tenha tamanho pequeno suficiente para caber no VD e consiga se estabilizar em um anel valvar relativamente grande. Essas valvas ainda estão sob estudo e quase não há dados disponíveis, porém, dados preliminares sugerem perfil de segurança favorável, com alta taxa de sucesso e baixa taxa de mortalidade intra-hospitalar. Boa parte dos pacientes tem melhora dos sintomas em até 30 dias e há um estudo randomizado e controlado em programação de início em breve. 

– Heterotópicas: colocadas na veia cava; Há algum benefício em melhora de sintomas e congestão hepática e existe apenas um sistema desse tipo, que se mostrou seguro e eficaz. Porém, este tipo de procedimento foi realizado em pacientes de risco cirúrgico muito alto ou proibitivo. Parece haver alta taxa de sucesso e melhora da mortalidade no seguimento de 6 meses. 

As complicações do implante transcateter valve-in-valve são as mesmas das outras valvas, como disfunção, leak paravalvar, alteração elétrica e lesão vascular. Pode ocorrer também formação de trombos e, como as pressões e a velocidade de fluxo são menores que do lado esquerdo do coração, indica-se anticoagulação de longo prazo para todos os pacientes. 

No geral, os dados sobre esses dispositivos ainda são limitados e a maioria vem de estudos da indústria, com potencial viés. Além disso, a maioria dos pacientes são de alto risco cirúrgico ou risco proibitivo, podendo haver confundidores. 

Intervenções cirúrgicas 

Cirurgia é pouco realizada atualmente e correção valvar, com anuloplastia e correção do folheto, é mais realizada que troca da valva. Geralmente é feita quando há indicação de cirurgia mitral ou aórtica, já que correção isolada tem muitas complicações e alta mortalidade.  

Parece que o mais importante é definir qual paciente tem benefício e todos os que tem IT primária ou IT isolada grave com tratamento otimizado devem ser avaliados por um valve team. 

Comentários e conclusão 

A IT grave é de difícil manejo e tratamento clínico limitado. A cirurgia não tem bons resultados e raramente é realizada. Nos últimos anos surgiram novas possibilidades de tratamento intervencionista, com os procedimentos percutâneos. Porém, ainda são necessários mais estudos clínicos para comprovar a eficácia e segurança dos novos procedimentos, que parecem promissores.  

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